Interpretação Do Artigo 28 Do CPP!



1.Arquivamento pela autoridade judiciária – juiz

O artigo 20 do Código e Processo Penal determina que só o juiz pode arquivar os autos de inquérito.

a)Necessidade de requerimento. Proibição de arquivamento de ofício.

O arquivamento do inquérito policial depende de requerimento feito pelo autor da ação penal. A autoridade judiciária não pode fazê-lo de ofício.

Quando o ofendido ou seu representante legal formula pedido de arquivamento por crime de ação penal privada, na verdade, renunciam tacitamente ao direito de queixa e, portanto, dão ensejo à extinção da punibilidade d autor do fato (Código Penal, artigo 107, V). Não requerendo o arquivamento, e deixando escoar in albis o prazo, de regra, de seis meses, e que se inicia, de regra, a contar do dia em que soube que é o autor do delito (Código de Processo Penal, artigo 38), o ofendido ou seu representante legal decairá do direito de queixa. A decadência é causa extintiva de punibilidade (Código Penal, artigo 107, IV).

O juiz não pode arquivar de ofício o inquérito, porque só o Ministério Público se apresenta como instituição legitimada pelo Estado para agir em juízo na defesa do interesse social, tanto que a Carta Maior lhe conferiu titularidade exclusiva nos crimes de ação penal pública ( artigo 129. I) No mais, a atividade jurisdicional é inerte (ne judex sne actore ou ne procedat judex ex officio). O juiz não pode agir de ofício, inclusive para que preserve a qualidade que o distingue dos demais sujeitos processuais, que é a imparcialidade. Por essa mesma razão não pode também arquivar inquérito que verse sobre infração penal de alçada privada, sem provocação do titular da ação, salvo se já extinta a punibilidade do querelado, que, por ser matéria de ordem pública. Pode ser reconhecida a qualquer tempo e de ofício pelo juiz. Nessa hipótese, o arquivamento é conseqüência da decisão de extinção de punibilidade do agente.

b)Recurso contra a decisão que determina o arquivamento do inquérito de ofício.

A correição parcial é a medida prevista para combater a decisão do juiz que, indiferente a essas determinações, arquivar o inquérito de ofício (Decreto-Lei nº 3/1969, s 93 a 96). Se o arquivamento do inquérito for levado a efeito pelo tribunal (competência originária), sem prévia manifestação do órgão do Ministério Público, cabe agravo.

Sendo o crime e ação penal privada, o prazo decadencial para a oferta da queixa-crime não admite suspensão ou interrupção. Assim arquivado o inquérito pelo juiz de ofício, o ofendido deve ignorar essa decisão, até porque é inócua, e oferta da queixa-crime. Caso o juiz Também rejeite a inicial, o querelante poderá interpor recurso no sentido estrito (Código de Processo Penal, artigo 581, inciso I).

c)Pedido de arquivamento pelo órgão do Ministério Público. Hipóteses legais:

Nos crimes de ação penal pública, o requerimento de arquivamento compete ao órgão do Ministério Público, uma vez que a ele pertence opinio delicti, por ser o dominus litis. O princípio da legalidade, no entanto impede que seja formulado pedido de arquivamento fora das hipóteses, mas é evidente que só possa fazê-lo:

a)Se o fato não constitui infração penal, é um atípico penal.

Se não há crime, perseguir o quê? Ao invocar a prestação da tutela jurisdicional, o autor leva ao conhecimento do Estado-Juiz a ocorrência de um fato que constitui infração penal, do contrário a inicial era rejeitada (Código de Processo Penal, artigo 43, inciso I).

b)Se não houver prova da materialidade delitiva.

Não se pode imputar a alguém a prática de ma infração penal, se não há prova da sua existência. Os delitos que deixam vestígios (delicta facti permanentis) exigem que a prova da materialidade delitiva seja feita através de exame de corpo de delito.

c)Se a prova não apontar sequer indícios de autoria.

O artigo 41 do Código de Processo Penal exige inclusive, que a inicial contenha a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo. É preciso, então, que a imputação seja feita em relação ao autor o fato. Juízo de certeza quanto à autoria só é feito na sentença. Contudo, para a instauração do processo, exige-se que haja pelo menos indícios contra o suposto autor, tanto que ele só é indiciado no inquérito se presentes esses indícios. Assim, se não conhecido o autor do crime, ou ainda que se tenha um suspeito, se não existir contra ele indícios que legitimam o fumus boni júris, fica a ação penal inviabilizada.

d)Se já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa.

Se o Estado perdeu seu direito de punir, por superveniência de uma das figuras por ele instituídas e que tem justamente essa conseqüência, é evidente que o jus persequendi in judicio seria despropositado. Por isso, ao jus compete rejeitar também a inicial se presente à sua oferta uma causa extintiva de punibilidade (Código de Processo Penal, artigo 43, inciso III).

e)Se presente, de forma induvidosa e retumbante, irretorquível, límpida, uma causa excludente de ilicitude, de antijuridicidade:

(legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento de um dever legal) ou uma dirimente de culpabilidade (legítima defesa putativa, coação irresistível etc.). Se não há crime a ser unido, por que iniciar o processo? O processo, no caso, implicaria perda de tempo e má utilização da máquina judiciária que, em prejuízo de melhor eficiência nos processos de resultado, estaria voltada também a um procedimento fadado a reconhecer inexistente o direito de punir do Estado.

  • Exigência de fundamentação.

Se o órgão do Ministério Público só pode formular requerimento de arquivamento apoiado numa das situações legais explicitas, é evidente que esse requerimento deve ser fundamentado, tanto que, dele discordando, o juiz fará remessa do inquérito ao procurador-geral de justiça, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. O artigo 28 do Código de Processo Penal, diz: "Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas...". Ora, se não conhecidas as razões que levaram o órgão do Parquet a pedir o arquivamento, não terá o juiz como perquirir quanto à procedência ou improcedência delas, e no mesmo sentido o procurador-geral, ao receber os autos, para insistir ou não no pedido formulado pelo eu órgão de Instância Inferior.

  • Discordância do pedido de arquivamento. Aplicação do artigo 28 do Código de Processo Penal. Função do juiz.

O Código de Processo Penal, ao determinar, no seu artigo 28, que o juiz remeta o inquérito ou as peças e informação ao pelo promotor de justiça para pedir o arquivamento, conferiu-lhe o papel de fiscal do cumprimento do princípio da legalidade ou obrigatoriedade que regra a ação penal pública. Se o invocado no pedido de arquivamento pelo promotor não encontrar amparo no jus positum, é evidente que está deixando de propor a ação penal, o que lhe é verdade por ofensa àquele princípio (Código de Processo Penal, artigo 24). O juiz exerce, portanto, uma atividade anômala de caráter não-jurisdicional. Anômala porque fiscaliza o cumprimento de um princípio - da legalidade -, antes de invocada a prestação da tutela jurisdicional, que só se efetiva com a ação proposta.

  • Posicionamento do procurador-geral, em face do artigo 28 do Código de Processo Penal.

Recebendo os autos por força do artigo 28, procurador-geral de justiça, poderá:

a)Concluir pela presença dos elementos necessários à propositura da ação penal.

Se assim entender, estará dizendo que o pedido de arquivamento foi feito com ofensa ao princípio da legalidade e, respaldando a discordância judicial, oferecerá a denúncia ou designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la.

b)Insistir no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Se assim se manifestar, estará respaldando o pedido de arquivamento feito pelo promotor, reconhecendo que de fato inexistem os elementos necessários à ação penal, ou qualquer ofensa ao princípio da obrigatoriedade.

O procurador-geral de justiça não respaldando o pedido de arquivamento feito pelo promotor de justiça, oferecerá, pessoalmente, a denúncia, pois o artigo 28 do Código de Processo Penal lhe confere legitimidade, como também porque, sendo chefe do Ministério Público, tem atribuição em todo o Estado, ou, então, designará outro órgão do Ministério Público para ofertá-la, também por força do mesmo artigo 28, como do10, inciso IX, letra "d", da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12.2.1993).

O procurador-geral de justiça, recebendo os autos de inquérito ou peças de informação por força do artigo 28 do Código de Processo Penal observando que a infração penal comporta procedimento sumaríssimo, com possibilidade de transação penal, discordando do pedido de arquivamento (assim como o fizera o juiz), devolverá os autos à comarca pra que se possibilite a aplicação dos institutos preconizados na Lei nº 9.099/1995 (Lei sobre os Juizados Especiais Criminais), para só então oferecer a denúncia ou determinar que ela seja oferecida por outro membro da instituição.

O procurador-geral não poderá devolver o inquérito para oferecimento de denúncia ao próprio promotor requereu seu arquivamento, porque este já externo ou sua convicção. Do contrário, o promotor estaria sendo coagido a uma retratação, com violação ao princípio institucional de independência funcional inserto no dispositivo 127, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988: "São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional". Por isso, a recusa desse órgão o Ministério Público à prática do ato (oferecimento da denúncia, não implica em qualquer falha funcional. De sua atitude não se vislumbra qualquer desrespeito ao poder de direção que o procurador-geral tem quanto a todos os membros da instituição).

Quanto ao outro órgão do Ministério Público (promotor ou procurador) designado pelo procurador-geral para oferecer a denúncia, por agir por delegação deste, e não em nome próprio, está obrigado a fazê-lo. Não há na hipótese qualquer ofensa à independência funcional do promotor, porque a ele competirá levar ao conhecimento do Estado-Juiz um fato sobre o qual já houve pronunciamento do chefe do Parquet, que entendeu presentes os elementos para a persecutio criminis in judicio. Nada obsta, no entanto, que, extra-auto, o promotor designado, caso entenda diferentemente do procurador-geral, a ele oficie, sem que daquela atitude possa concluir por qualquer falha funcional.

  • Pedido de arquivamento parcial e implícito.

Caso o promotor ofereça denúncia com a exclusão de uma ou mais infração penal, bem como o autor ou partícipeanteriormente excluído. Na hipótese de deixar de fazer uma coisa ou outra (não tido, ou deixar de fundamentar em razão da omissão, pedido e arquivamento), remetendo os autos ao procurador-geral de justiça, ao co-autor, ou ao partícipe excluído.

  • Pedido de arquivamento indireto

Fala-se em pedido de arquivamento indireto quando o órgão do Ministério Público deixa de oferecer denuncia sob o fundamento de que o juízo é incompetente, com aplicação do artigo 28 do CPP. Nem todos admitem a figura do arquivamento indireto: "O artigo 28 do CPP somente se aplica na hipótese de pedido de arquivamento de inquérito policial. Constitui, portanto, error in procedendo sua aplicação quando pleiteia o órgão da acusação a redistribuição daquele, por entender incompetente o juízo para a sua apreciação".

  • Arquivamento sem o crivo do Poder Judiciário

A rigor, o arquivamento do inquérito deveria ficar no âmbito do Ministério Público, sem qualquer participação do Poder Judiciário. Se o órgão do Ministério Público é o senhor da ação penal, se a ele compete a opinio delicti, se ele é o fiscal da observância do princípio da legalidade? Esse controle não poderia ser feito interna corporis, pelo órgãos superiores do Ministério Público, ou até mesmo pelo procurador-geral, com exclusividade ? Mesmo consagrada a interferência jurisdicional (CPP, dispositivo 28), o juiz não está obrigado a atender ao pedido de arquivamento, se o procurador-geral nele insistir? Se é o Ministério Público quem dá a última palavra em matéria de arquivamento de inquérito, por que conferir aquela função anômala ao juiz? Alguns autores sustentam que " se o juiz devesse acatar o pedido de arquivamento mesmo entendendo que nenhuma razão assiste ao promotor para formular tal pedido, estaria sancionado o arbítrio deste. Este, de órgão da lei e fiscal da sua execução, passaria a ser fiscal das suas conveniências pessoais. Por sentimentalismo piegas ou por injunções políticas, o promotor pediria o arquivamento e ... tollitur quaestio, ruiria por terra o princípio da obrigatoriedade a ação penal, vale dizer, o princípio da legalidade, ficando, o que é mais grave, a repressão ao crime na dependência do promotor. O absurdo é manifesto... ".Essa justificável preocupação, no entanto, pode ser bem resolvida no âmbito da própria instituição, conforme exposto, não se esquecendo que, no sistema atual, é o arquivamento, mesmo discordando o juiz do promotor.

A bem da verdade, razões de ordem prática justificam a medida do artigo 28 do Código de Processo Penal, pois o promotor, sabendo que seu pedido de arquivamento está sujeito à rejeição pelo juiz, procurará não fugir às hipóteses legais de permissibilidade do pedido. Por outro lado, como é raro o juiz discordar do promotor nos pedidos de arquivamento, r porque há por parte deste, como órgão da lei e fiscal da sua execução, consciência real do alcance de suas funções, essa solução legal tem atendido satisfatoriamente aos interesses sociais. Solução diversa, como a de conferir ao próprio Ministério Público, por seus órgãos superiores, o controle sobre os pedido de arquivamento, só viria a conferir-lhes mais uma função quase que burocrática, cujo volume de pronunciamentos que seriam exigidos tornaria mais distante a execução de outras tarefas mais urgentes e prementes da instituição.

CONCLUSÃO

Após a realização da presente e elaboração desta modesta monografia nos atentamos para a interpretação e aos casos em que o aludido dispositivo deve ser aplicado, bem como no que tange a analogia, as divergências doutrinárias, nossa posição em relação ao eminente tema e nossa parcela de contribuição para o seu aprimoramento.

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Autor: AILTON HENRIQUE DIAS


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