Educação Fiscal



EDUCAÇÃO FISCAL

O despertar da consciência de cidadania

[1]

Ellen Eike Jocham

Resumo

O presente artigo traz a abordagem de um tema relativamente incipiente no contexto socioeconômico e educacional brasileiro, que tem como escopo, a conscientização da sociedade sobre a importância da arrecadação do imposto por parte do Estado e em contrapartida elucida o cidadão sobre seu dever em pagar os respectivos impostos para o financiamento da máquina estatal. A este tema chamamos Educação Fiscal. Porém ela não é apenas isso, é, principalmente, um desafio, por tratar-se de um mecanismo onde os cidadãos tomam conhecimento da função socioeconômica do tributo, bem como, da exata noção de como este é aplicado em prol do bem comum. A Educação Fiscal trouxe para a área educacional uma proposta fundamentada no desenvolvimento do homem enquanto cidadão. Ela busca ser uma nova ferramenta para o desenvolvimento do Estado democrático que inseri no âmbito escolar e social novos valores, novas atitudes. Sua função é aumentar a eficiência da máquina estatal e incentivar o a participação da sociedade na gestão pública.

Palavras-chave: Educação. Cidadania. Tributo. Estado. Sociedade.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo discutir a importância de um tema relativamente novo no contexto social, que é a Educação Fiscal. Não se pode discutir este tema sem ter em mente a função socioeconômica dos tributos, uma vez que eles são a maior fonte de recursos arrecadados pela Administração Pública. O Estado necessita deste recurso para a realização de suas obras. É através da verba arrecadada com os tributos que o Governo consegue cuidar da saúde, educação, saneamento básico, entre outras necessidades básicas da população.

Existe na sociedade uma séria crise de valores morais e éticos, onde impera a descrença geral nas instituições, principalmente no que diz respeito coisa pública. Esta incredulidade talvez seja fruto de um longo período de injustiça social e da falta da consciência do indivíduo enquanto cidadão. A população ainda apresenta certa aversão quando se trata da questão tributária. De um lado ela encontra certa resistência em cumprir com suas obrigações, do outro lado cobra do Estado mais eficiência, pois, quer ver o dinheiro público melhor empregado afinal todos os dias ela vê maus exemplos sobre o seu uso, principalmente no que diz respeito à corrupção.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Brasil se revela com uma carga tributária progressivamente pesada e muitas vezes insustentável, com um crescimento demográfico absolutamente incompatível com o econômico e, com uma educação – por si só já desgastada e parcial – disponível a uma pequena parcela da população.

Neste panorama, a conscientização e formação do cidadão, viabilizando e incentivando uma participação social voluntária e formal, tornou-se vital para o progresso da nação. Uma concepção que ultrapassa o conhecimento geral, englobando a estrutura estatal na qual o cidadão está inserido e a justificativa de sua contribuição para o desenvolvimento das atividades estatais.

A Educação Fiscal deve ser uma das pilastras no processo educacional, pois ela é, sem dúvida alguma, um marco na edificação de uma consciência cidadã que deve guiar a constituição de um sistema tributário mais justo capaz de cumprir seu papel como instrumento de distribuição de renda. Esse exercício da cidadania torna-se ainda mais eficaz se houver, e é necessário que haja a participação popular no processo orçamentário e no controle democrático da gestão pública.

Educar os estudantes de todos os níveis de ensino, bem como, a sociedade de uma forma geral, em assuntos de natureza fiscal, talvez seja o início para despertar o espírito de cidadania, pois, na maioria das vezes a população não tem noção alguma sobre o funcionamento do Estado e nem tem consciência do quanto é importante seu papel de contribuinte. Não sabe o que são tributos, qual a sua finalidade, como eles são instituídos, como eles são cobrados, e por fim como são aplicados.

A partir do momento em que ele passa a ser cidadão e toma consciência da função e aplicação dos impostos pagos por ele, ele tem uma visão mais ampla do quanto é importante cobrar de quem é contribuinte que cumpra de fato com sua obrigação de recolher os impostos devidos e de cobrar dos governantes uma justa aplicação dos mesmos.

Uma das maneiras hoje propostas pelos governos de alguns Municípios, Estados e pela própria União é a inserção da disciplina “Educação Fiscal” de modo transversal no currículo escolar. No mundo moderno, nenhuma nação supera as desigualdades sociais sem ter em mente que a maior prioridade sempre há de ser a educação. Com o advento da tecnologia, do conhecimento, quanto mais o povo tiver um alto grau de educação, mais fácil será para o país ter um desenvolvimento sustentável que contemple todos os cidadãos. Talvez o caminho que a educação use para fazer com que todos sejam incluídos na sociedade não seja o mais breve, porém seguramente é o mais perene.

2 EDUCAÇÃO FISCAL NO BRASIL

Para Furtado (2002), a desigualdade social entre pobres e ricos é um dos problemas mais preocupantes na sociedade atual contemporânea, principalmente em um país como o Brasil, onde a desigualdade social é gritante e isso gera como conseqüência inúmeros conflitos entre Estado e Sociedade. Neste sentido Furtado (2002, p. 34) diz:

[...] Nos países de renda per capita semelhante a do Brasil (4.500 dólares/ano) a percentagem de pobres é de cerca de 10% da população, portanto, menos de um terço da percentagem brasileira. Dos 27 estados Brasileiros, 23 apresentam aumento na concentração da renda durante a última década. Somente em Roraima a renda ficou mais desconcentrada. Em Rondônia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul a situação ficou estável [...]

A história da Educação Fiscal no Brasil teve origem através da necessidade de abrandar os conflitos existentes entre fisco e sociedade nas questões referentes à falta de conhecimento da população na área tributária e a distribuição desigual da riqueza. Para suavizar essa situação, foram propostas algumas iniciativas no sentido de elucidar essa questão, objetivando aumentar a receita tributária, gerada através da arrecadação de impostos com a conseqüente redução do conflito entre Estado e Sociedade. Estas iniciativas não foram à solução dessas discordâncias, porém, abriram espaço para um diálogo mais transparente.

De acordo com informações da Receita Federal do Brasil em 1970 surge a Operação Brasil do Futuro, onde foram publicados vários livros didáticos direcionados para Educação Fiscal. O objetivo era levar às crianças informações fundamentais para o desenvolvimento de uma consciência cidadã, que iria substituir o conflito vivido entre o fisco e a sociedade. Porém mesmo com todos os seus méritos, este trabalho apresentou muitas resistências da área da educação, pois se dizia que esta atividade só surtiria efeitos em um longo prazo e que somente poderia ser feita por educadores, assim sendo, suspendeu-se este trabalho em 1972 (www.receita.fazenda.gov.br).

Em 1977, foi lançado pela Secretaria da Receita Federal (SRF) um novo e audacioso programa intitulado “Programa Contribuinte do Futuro”. Foi um trabalho conjunto entre a SRF e estabelecimentos de ensino com a concepção, criação e distribuição de livros e cartilhas a alunos e professores. Esse trabalho primeiramente visto como "campanha", não alcançou a condição de permanência pela falta de compreensão da sua importância no contexto pedagógico.

No Brasil, o juízo que se tinha sobre o exercício da missão de tributar era de que o cidadão não era obrigado a entender a dinâmica do funcionamento da tributação, achava-se que esse entendimento era premissa particular do Governo. O Estado, enquanto governo, não fornecia esclarecimento à população, sobre tributação e suas decorrência, nem informação sobre finanças públicas, principalmente no que tange ao emprego do dinheiro utilizado nos gastos públicos.

O cidadão era apenas parte coadjuvante do processo, cabia a ele obter as informações sobre assuntos pertinentes a carga tributária, gastos públicos, criação de novos impostos, desequilíbrio nas contas públicas, injustiças fiscais, entre outros, através dos jornais e da televisão, Estas informações chegavam de uma forma muito superficial para a população, que por falta de conhecimento nestes assuntos, muitas vezes nem conseguiam discernir o teor do que era repassado.

Apenas alguns poucos privilegiados, especialistas na áreas tributária das diversas esferas de governo, tinham acesso a estas informações. Assim sendo, o cidadão não tinha plena consciência do exercício de sua cidadania, justamente por ser leigo no assunto. Diversas campanhas continuaram a ser feitas com o propósito de fazer com que a população criasse o hábito de pedir nota fiscal e em contrapartida incentivar a cultura de emissão de notas fiscais por parte dos comerciantes e prestadores de serviço.

3 NASCE O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO FISCAL

3.1 ORIGEM

Já na década de 90, de acordo com a Escola de Administração Tributária, alguns estados brasileiros, por iniciativa própria, passaram a programar junto às escolas trabalhos no campo de Educação Tributária, dando início a uma fase mais efetiva neste campo. Um marco na criação do programa, foi o seminário do “CONFAZ (Conselho Nacional de Políticas Fazendárias)” sobre Administração Tributária, realizado na cidade de Fortaleza- CEARÁ, no período de 27 a 30 de maio de 1996. Os então membros do CONFAZ decidiram inserir o tema Educação Tributária como parte integrante dos trabalhos do seminário. (www.esaf.fazenda.gov.br).

De acordo com o programa de Educação Fiscal do Estado de Santa Catarina , no dia 13 de setembro de 1996, foi celebrado o Convênio de Cooperação Técnica entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Dentre as atividades cooperativas, constou à elaboração e a realização de um programa nacional constante de conscientização tributária, a ser desenvolvido em cada uma das unidades da federação, conforme se pode observar:

[...] Na mesma época, foi criado o Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados Brasileiros – PNAFE, com recursos financeiros oriundos de empréstimo junto ao BID, e com a Unidade de Coordenação do Programa – UCP vinculada à Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Em seu Regulamento Operativo, aprovado pela Portaria n.º 36, de 3 de fevereiro de 1997, do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, o PNAFE estabeleceu: "o objetivo geral do programa consiste em melhorar a eficiência administrativa, a racionalização e a transparência na gestão dos recursos públicos estaduais". Para alcançar esse objetivo, previu-se o apoio a projetos de modernização fiscal destinados a: aperfeiçoar os mecanismos legais, operacionais, administrativos e tecnológicos com que contam os distintos órgãos responsáveis pela administração fiscal dos Estados; fortalecer e integrar a administração financeira e consolidar a auditoria e o controle interno dos Estados; aperfeiçoar o controle do cumprimento das obrigações tributárias por parte do contribuinte, mediante a implementação de novas técnicas e metodologias de arrecadação e fiscalização tributárias; e agilizar a cobrança coativa da dívida tributária e fortalecer os processos de integração entre as administrações tributárias e os órgãos de cobrança judicial [...]. (www.sef.sc.gov.br)

Em reunião de 1997, o CONFAZ consentiu na criação do Grupo de Trabalho Educação Tributária – GET, constituído por representantes do Ministério da Fazenda (Gabinete do Ministro, Secretaria da Receita Federal, Escola de Administração Fazendária – ESAF), das Secretarias da Fazenda, Finanças ou Tributação e do Distrito federal, através Ministério da Fazenda que oficializou o grupo.

Os objetivos deste grupo, de acordo com informações obtidas na Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, passaram a ser o de promover e coordenar as ações necessárias à elaboração e a implementação de um programa nacional permanente de Educação Tributária e acompanhar as atividades do Grupo de Educação Tributária nos Estados – GETE. Neste sentido informa a Secretaria:

[...] Por contemplar não só as questões tributárias mas também, a alocação e gestão dos recursos arrecadados, em julho de 1999, o CONFAZ decidiu alterar a denominação para Programa Nacional de Educação Fiscal - PNEF. O PNEF tem como objetivo geral, promover e institucionalizar a Educação Fiscal para o pleno exercício da cidadania [...].(www.sef.sc.gov.br)

O Programa Nacional de Educação Fiscal surgiu dessa relação histórica que visa à interação entre Estado e sociedade, a partir do entendimento da necessidade do financiamento da coisa pública, pois sem verba não há como se prestar serviços públicos. Por outro lado, o Programa, instrumentaliza a sociedade para conferir a aplicação dos recursos arrecadados, favorecendo ao exercício pleno da cidadania na edificação de uma sociedade livre, justa e solidária.

A partir de dezembro de 2002, quando foi publicada a Portaria nº. 413, de 31/12/2002 assinada pelos Ministros da Fazenda e da Educação, o Grupo de Trabalho da Educação Fiscal começou a interagir na três esferas de governo, federal, estadual e municipal, e definiu as competências de todos os órgãos envolvidos na efetivação do Programa.

3.2 FINALIDADE DO PROGRAMA

De acordo com a Escola Superior de Administração Tributária a finalidade do PNEF (Programa Nacional de Educação Fiscal) é:

[...] Contribuir permanentemente para a formação do indivíduo, visando o desenvolvimento da conscientização de seus direitos e deveres no tocante ao valor social do tributo e o controle social do Democrático. Desenvolver o PNEF, institucionalizadamente, forma ética e responsável. Comprometimento com a construção da cidadania, solidariedade, ética, transparência, responsabilidade fiscal e social expressos nas seguintes idéias-força: -Na Educação, o exercício de uma prática educativa na perspectiva de formar um ser humano integral, como meio de transformação social dentro de um mundo globalizado, tendo essa prática como foco a formação cidadã no processo de ensino e de aprendizagem e a ênfase no desenvolvimento de competências e habilidades. -Na cidadania, objetiva possibilitar e estimular o cidadão quanto ao controle democrático do Estado, incentivando-o à participação individual e coletiva na definição de políticas públicas e na elaboração das leis para sua execução. -Na Ética, uma gestão pública eficiente, transparente e honesta quanto à alocação e aplicação dos recursos e realização dos gastos públicos. Na Política, o exercício da boa governanta que conte com uma gestão pública responsável, transparente e voltada à justiça [...] (www.esaf.fazenda.gov.br)

Este programa precisa necessariamente ter o envolvimento das três esferas de governo e o foco principal é transformar o indivíduo comum em cidadão, ou seja, exercitar a cidadania e por fim estimular a população a participar das questões tributárias e fiscalizar e controlar o uso dos recursos públicos.

O Programa Nacional de Educação Fiscal tem como objetivos:

[...] GERAL: a. promover e institucionalizar a Educação Fiscal para o pleno exercício da cidadania. ESPECÍFICOS: a. sensibilizar o cidadão para a função socioeconômica do tributo; b. levar aos cidadãos conhecimento aos cidadãos sobre administração pública; c. incentivar o acompanhamento, pela sociedade, da aplicação dos recursos públicos; d.criar condições para uma relação harmoniosa entre o Estado o cidadão [...]. (www.esaf.fazenda..gov.br)

Busca-se com o Programa o desenvolvimento da consciência crítica da sociedade para o exercício do controle social; a promoção harmoniosa nas relações entre o Estado e o Cidadão; a conscientização dos cidadãos para a função socioeconômica dos tributos; a socialização dos conhecimentos sobre a administração pública, alocação e controle dos gastos públicos e tributação; incentivar o acompanhamento e fiscalização, pela sociedade, da aplicação dos recursos públicos; aumentar a responsabilidade fiscal com vistas à obtenção do equilíbrio fiscal em longo prazo; fortalecer o comportamento ético na administração pública e na iniciativa privada;aumentar a eficiência e transparência do Estado; promover a reflexão sobre as práticas sociais.

A abrangência do programa deverá preferencialmente ser de âmbito nacional, atingindo de forma integrada alunos e professores das escolas de ensino fundamental e médio, acrescendo conteúdos e aprendizado sobre direitos e deveres na relação Estado–Cidadão.

Através do Programa, toda a sociedade passará a ter um melhor conhecimento sobre o funcionamento da Administração Pública e saberá aonde são aplicados os recursos públicos, bem como conseguirá visualizar qual é a efetiva função socioeconômica dos tributos e principalmente, com este programa, será amenizada a tão conflitante relação Estado e Sociedade

4 A PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA GESTÃO PÚBLICA

4.1 CIDADANIA

A educação fiscal só tem significado como uma proposta de formação do indivíduo como um todo no contexto social para o pleno exercício da cidadania. Não há como discutir cidadania fora das relações humanas e da sociedade, como também não existe a possibilidade que o indivíduo exerça sua cidadania sem ter conhecimento da estrutura do Estado, da função socioeconômica do tributo e de como são empregados os recursos públicos. O cerne da educação fiscal é o fortalecimento, a solidificação e a plena efetivação da cidadania.

A cidadania é hoje o conceito que envolve naturalmente o direito da participação possível dos cidadãos no processo decisório governamental. Na atualidade, são muitas as formas de participação popular no processo de decisão governamental, as quais muito têm a ver com a própria história de nosso país. A Constituição de 1988 introduziu vários mecanismos de participação popular aplicáveis aos Municípios, de acordo com o programa de educação implantado no Estado do Rio de Janeiro

Alguns dos mecanismos aplicam-se, também, aos demais entes federados. O instrumento específico referente aos municípios brasileiros diz que a Lei Orgânica dos Municípios - LOM a ser adotada por cada município deve ter, necessariamente, entre outros princípios, “a cooperação das associações representativas no planejamento municipal” (CF, art. 29, XII).

Outra forma de participação, também permitida aos demais entes federados, diz respeito ao art. 29, XIII, da CF/88 (2007, p.21), que assim dispõe: “[...] iniciativa popular de projetos de leis de da cidade ou dos bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado [...]”.

Os demais mecanismos, aplicáveis aos Estados e à União, referem-se ao plebiscito e ao referendum das leis pelo eleitorado (CF, art. 14, I e II), dependendo a sua utilização de regulamentação por leis, como estabelece o caput do art. 14 da Constituição.

4.2. FISCALIZAÇÃO POPULAR

A prestação de contas da administração é um dos princípios fundamentais do nosso país Brasil e o seu não-cumprimento pelo Município ensejará a intervenção do Estado, conforme preceitua o art. 35, II, da Constituição Federal (2007, p.24, grifo nosso), “[...] O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: [...]; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; [...]”

Todos os administradores e demais responsáveis pelo dinheiro, bens e valores públicos estão obrigados a prestar contas do que geriram. No caso do Município, sua Lei Orgânica, além de disciplinar o controle interno (art. 31, caput, da Constituição Federal) e o controle externo (art. 31, §§ 1º e 2º da Constituição Federal), devem regular a publicidade das contas municipais de forma que estas sejam compreensíveis para a população, sem deter-se em detalhamentos técnicos, códigos complicados de identificação da despesa, pois impossibilita sua compreensão. Assim, a LOM garante a fiscalização popular para que, após exame e apreciação das contas municipais, o contribuinte possa questionar-lhes a legitimidade, tal como está previsto na Constituição Federal, no art. 31, § 3º, que diz:

[...] A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei, [...] § 3º - As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei. [...]

A LRF 101 (Lei de Responsabilidade Fiscal), de 04 de maio de 2000, estabelece , a obrigatoriedade e os critérios garantidores da Transparência da Gestão Fiscal em todos os níveis de Governo. Sobre este tema o brilhante Mestre José de Ribamar Caldas Furtado discorre o que segue abaixo:

[...] Não obstante, o tema transparência fiscal só ganhou importância no País com a publicação na LRF. A Lei dedica a Seção I do Capítulo IX ao assunto (arts. 48 e 49) e já no art. 1º, § 1º, preceitua que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio nas contas públicas.

Os instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais deve ser dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público (Internet), estão elencados no art. 48, caput: o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, a lei orçamentária anual, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio, o relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal.

O plano plurianual (PPA), aprovado formalmente através de lei editada no primeiro ano do mandato do Chefe do Executivo, consubstancia o planejamento de longo prazo elaborado pela administração pública para os investimentos a serem realizados nos próximos quatro anos. A lei de diretrizes orçamentárias (LDO), que tramita na Casa Legislativa no primeiro semestre de cada ano, tem a função de orientar a elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as metas e prioridades da administração pública e elegendo os investimentos que serão executados no exercício financeiro subseqüente. A lei orçamentária anual (LOA), que deve guardar conformidade com o PPA e com a LDO, tramita no Poder Legislativo no segundo semestre de cada ano, estima a receita e fixa a despesa para o ano seguinte. É o projeto orçamentário do Poder Público a ser executado no exercício financeiro vindouro. O relatório resumido da execução orçamentária, que por força da Constituição Federal, art. 165, § 3º, deve ser publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, representa um levantamento parcial do que já foi executado do projeto orçamentário para o ano em curso, ou seja, espelha as receitas arrecadadas e despesas incorridas até o bimestre a que se refere. O relatório de gestão fiscal, que deve ser publicado quadrimestralmente pelos titulares dos Poderes e órgãos públicos, é criação da LRF e serve de instrumento de controle dos limites de gastos, impostos pela mencionada lei, no que tange à despesa com pessoal, endividamento público e concessão de garantias.

Um marco importante da LRF foi a institucionalização do chamado orçamento participativo. O parágrafo único do art. 48 dispõe que a transparência será assegurada mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão do PPA, da LDO e da LOA. A Lei quer que tal experiência, praticada apenas em alguns municípios brasileiros, em face da ideologia do partido político à frente do Poder Executivo, se estenda a todos.

Se a participação popular na elaboração dos projetos orçamentários está albergada na nova ordem jurídica, a LRF vai além quando determina que até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas de receita, despesa e montante da dívida pública de cada quadrimestre, em audiência pública na comissão de orçamento da Casa Legislativa (art. 9º, § 4o). É a possibilidade do acompanhamento direto pelo povo da execução do orçamento.

Quanto à indicação das prestações de contas e o respectivo parecer prévio como instrumento de transparência da gestão fiscal, dispõe a LRF que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade (LRF, art. 49). Essa vontade da LRF vai ao encontro da Constituição Federal, art. 31, § 3º, acima mencionado[...].

A Constituição Federal, em seu Título II (Dos Direitos E Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), art. 5º, inciso XXXIII (2007, p.2) diz:

[...] todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado [...];

A LOM (Lei Orgânica Municipal) deve ter disciplinado o prazo para devolução das informações pela administração, ao mesmo tempo em que pode ter possibilitado a prorrogação justificada do prazo. A administração deve garantir os meios para que a informação seja fornecida, sob pena de responsabilização da autoridade que não atendeu ao pedido.

De acordo com o art 74, § 2º da Constituição Federal, a fiscalização das ações e atos da administração pública é extensiva ao cidadão, partido político, associação ou sindicato. Apresentam-se eles como parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas competente para fiscalizar os atos de gestão do Município . É garantia constitucional, que como as anteriormente indicadas, deve constar da Lei Orgânica Municipal (LOM), por se traduzir como um conjunto de normas voltado à vida do cidadão, da cidade onde ele vive, usufrui os serviços públicos e pode participar ativamente. Ela veicula, de forma mais direta e didática, as relações do cidadão com a esfera de Poder que dele mais se aproxima: o governo municipal.

Outra forma de fazer valer a legitimidade popular é através das audiências públicas. As audiências públicas poderão ser requeridas por associações representativas da sociedade local ou convocadas pelo Prefeito ou outra autoridade municipal para esclarecimento de projetos da administração ou ações públicas ou privadas que repercutam direta ou indiretamente no meio ambiente, comprometendo a qualidade de vida das pessoas, ou que envolvam patrimônio histórico-arquitetônico e cultural do Município.

A participação comunitária na gestão dos serviços da educação, também está na Constituição Federal, tendo um capítulo específico dedicado à educação. O no art. 206 da Carta Magna (2007, p.95) dispõe : “[...]o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei [...]”.

A opção constitucional pelo ensino público aponta ao Poder Público o dever de organizar os sistemas de ensino. Os moldes da organização do sistema municipal de ensino deverão prever a participação da comunidade, tanto na forma das já tradicionais Associações de Pais e Mestres – APM, como também das associações civis, sindicatos e entidades representativas do professorado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo principal da Educação Fiscal é que o cidadão conheça a dinâmica governamental, que ele saiba como são instituídos, arrecadados e gastos os recursos pagos por ele.

O objeto deste estudo foi demonstrar a importância da Educação Fiscal na transformação do indivíduo em cidadão, trazendo todo o histórico de como iniciou e Educação Fiscal no Brasil.

A Educação Fiscal propõe-se a ser uma ferramenta de fortalecimento constante do Estado democrático. Ela contribuiu para aprimorar a estrutura de transformação social por meio da educação. A ênfase da Educação Fiscal é o exercício pleno da cidadania; o desenvolvimento da consciência crítica da sociedade para o exercício do controle social; o aumento da eficiência e a transparência da Administração Pública o aumento da responsabilidade fiscal; em longo prazo; a redução da corrupção; a promoção de uma reflexão sobre nossas práticas sociais; a melhora substancial do perfil do homem público e atenuar as desigualdades sociais

É importante lembrar sempre que, a principal função do tributo é a social, pois com o dinheiro arrecadado com os tributos, pode-se redistribuir a renda nacional, agindo de forma direta na justiça social. O tributo é um instrumento que pode e deve ser utilizado como marco para as transformações sociais uma vez que ele irá gerar mudanças no comportamento da sociedade reduzindo as desigualdades sociais.

Para a consecução das demandas exigidas pela sociedade, o Estado necessita de recursos, os quais serão fornecidos pelos cidadãos através do pagamento de tributos instituídos Estado. O Estado, de posse destes recursos, os administra que é o que chamamos de Gestão Pública. A correta gerência destes recursos é de suma importância.

O mote da Educação Fiscal atravessa um ponto maior, a educação para a cidadania, onde aquela está impingida. Parte do princípio de que cada cidadão terá o direito e o dever de conhecer a estrutura governamental de arrecadação dos tributos de quanto e como este dinheiro foi empregado em cada bem ou serviço ofertado.

Cabe ao governo a função precípua de fornecer à população os meios de ser um agente sabedor do que é cidadania na acepção mais ampla do que esta palavra deve significar, um cidadão que saiba como o governo está empregando o seu dinheiro; tenha noção de como funciona o aparato governamental; acredite que tudo que é público é de todos, e não de ninguém; tenha consciência dos seus direitos de cidadão, o qual tem competência e poder para denunciar irregularidades; tenha conhecimentos suficientes para poder analisar criticamente as informações fornecidas pelo governo.

Todas estas prerrogativas só se tornarão verdadeiras se os governos passarem a ter realmente um interesse genuíno no que foi definido como objetivos para a efetivação da Educação Fiscal. Se tal não ocorrer, ficará somente no papel toda esta discussão, e mais uma vez a população será sida preterida, em prol de uns poucos com conhecimento maior, que se aproveitando da ignorância de alguns, cada vez aumentam mais a tão injusta desigualdade social.

O governo só será capaz de demonstrar e ser corretamente interpretado em suas ações se der à população condições para isto. Uma das maneiras, senão a única de isto ocorrer, passa pela educação, e melhor avaliando, pela Educação Fiscal. Só assim poderá realmente avaliar-se se os recursos estão ou não bem empregados.

Os cidadãos devem estar aptos a exercer sua cidadania: exigindo direitos e aceitando deveres; reclamando e agindo contra a ineficiência e o descaso das entidades oficiais; reivindicando melhor qualidade de vida.

Discutir a cidadania hoje significa apontar a necessidade de transformação das relações sociais, na dimensão econômica, política e cultural, para garantir a todos a efetivação do direito de serem cidadãos. Um cidadão consciente é aquele capacitado a entender o Estado, seu funcionamento e as ações de todos os componentes de sua estrutura, e que seja capaz de avaliar a atuação dos dirigentes públicos quanto à utilização e das aplicações dos recursos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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SITES

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FURTADO, José de Ribamar Caldas. A transparência na gestão fiscal. Disponível em: . Acesso em: 18/11/2007.

¹ Bacharel em Ciências Econômicas e Especialista em Contabilidade Pública. E-mail: [email protected]

Autor: Ellen Eike Jocham


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