Adorável Dumbo



Cantando estava ele no palco e tinha aquele jeans desbotado e a rouquidão da voz grudada no talo da garganta. Quando falava arrastava a língua entre os dentes e os olhos azuis claríssimos brilhavam como se explodisse na mente bolhas de idéia de entusiasmos e eu, bem, eu não me entusiasmava com nada há muito tempo, talvez desde que comecei a engatinhar ou a catar cocô seco de cachorro no chão e meter na boca. No bar onde ele cantava. Não saco nada de música. Bem, tinha uma mulher que levava o filho e o guri era imenso, obeso, redondo, barril, uma coisinha extraordinária e isso, esse guri gordo e grudado a sua mãe, me causava tremenda depressão. O homem cantando num portunhol deplorável, mais bêbado impossível, talvez errando letra ou vomitando poesia no teto do bar e eu olhando o gordinho enfiando mais comida goela adentro. Progenitora adorável, bonita, maquiada, magra e a coisinha feita de si e alguma coisa de alguém. Era óbvio que ela alimentava a cria até a tampa, numa atitude safada de apoderar-se de sua vida, ninguém desejaria tamanho elefantinho então, bem, ele será meu para sempre meu filhinho gordo, meu homenzinho desprezado pela sociedade das aparências, nenhuma mulher te amará como eu, fruto do meu ventre liso e magérrimo.

Levantei da cadeira e levantei do planeta e entre o banheiro-privada levantei longo corredor e eu pensava se não era melhor escrever num rolo de papel higiênico a publicar um livro, que diabo de pensamento imbecil mas nada adiantava porque a gosma de refletir já tava encruada entre minhas duas orelhas e o gordinho me olhava e comia um sanduíche de dois andares com fome sexual, fome de mãe.

O intestino do menino. O labirinto de cobras e minhocas cheio de comida e segredos e carência. O coitado preso à mãe, como o desgraçado do adjetivo dependente do substantivo, eu chorava de rir. Eu, uma idiota. Mijava de pé numa espelunca de quinta porque fodia minhas escolhas escolhendo um cara de quinta pra me dar sentido a uma existência de quinta entre a quinta avenida de um país de deprimidos famintos. E o gordinho era a ânsia e o desânimo. Mais belo que isso apenas viver olhando pro céu à procura de Deus. Nada mais. Chamam a isso de sarcasmo.


Autor: janice diniz


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