O acordo ortográfico



O ACORDO ORTOGRÁFICO

O Acordo Ortográfico no Brasil já se chamava de "Desacordo Ortográfico". Malgrada toda a resistência em Portugal ao "Aborto Ortográfico", este país vai vencendo os opositores da unificação idiomática, para quem o Acordo representaria um “desastre”. Assim diz Vasco da Graça Moura, escritor português, diretor do Centro Cultural de Belém (PT), que se nega ainda hoje a implementar a neografia. Um voto vencido, felizmente. Lá já vige desde janeiro de 2012 a língua padronizada nas repartições públicas. Não foi sem tempo. Escrevemos “infraestrutura” (sem hífen) desde setembro de 2008, quando promulgou-se a lei do Acordo em nosso País.

Qual razão haveria na recusa da nova ortografia? Que pretendiam os portugueses com isso? Que ganhariam optando por escrever na língua de um gueto? Mesquinhos interesses mercadológicos de casas publicadoras não devem prevalecer sobre uma língua cuja cultura traz por seu ideal a unidade buscada por que se fez o próprio Império Romano. A vocação do Brasil não é a de falar um patoá. Nós somos a Roma morena, bem o dizia o nosso bom, velho e saudoso Darcy Ribeiro.

Erraram os portugueses ao terem resistido a escrever segundo o padrão acordado com o Brasil e outros países lusófonos. Os portugueses deveriam ser os primeiros a defender a unidade da língua portuguesa, tomando em consideração o peso do Brasil, o maior e mais poderoso país da Lusofonia. Portugal parece ter medo de se aproximar do Brasil. (“Pretuguês não é português, é um crioulo.”) Sua presença no Brasil mostra-se distante e reservada. Decerto teme alguma contaminação racial, mas genes não se transmitem pela ortografia unificada da língua.

Um medo compreensível: quem não é racista? O próprio bicho-papão negro tem medo de si mesmo e apenas busca a sua bela (branca).  Também no campo racial o Brasil navega para a unidade. Algum sangue corre, como num parto. Mas já conhecemos o nosso novo povo que nasce. Gostamos dele, apreciamos a sua beleza, e a beleza da velha língua de Roma que sai da sua boca. Portugal não precisa ter medo. O Brasil nunca será a sua perdição, mas sim a sua salvação. O Brasil conservará sempre Portugal dentro de si, como o novo conserva o velho, dialeticamente. 

Se a língua portuguesa faz a pátria comum, como dizia o Poeta, por que tolerar que as raças separem o que a língua comunica? O Brasil é um assimilador. Nós continuamos a devorar estrangeiros. Problemas gramaticais estão entre os menores no rumo em que navegamos na busca da unidade, a qual vale infinitamente mais do que o ouro, a que tanta gente e tanta coisa o português sacrificou. Nós podemos corrigir os erros de nossa história, sem sacrificar Portugal. Justamente por isso a rejeição portuguesa da unificação ortográfica pareceu ao Brasil pequeno escolho de um cabo das Tormentas de que tentamos fazer o cabo da Boa Esperança.     

O português é a língua materna e oficial do Brasil. Vergonhoso é que em manuais de produtos eletrônicos haja texto no que seria um "português do Brasil" e outro ainda no que seria simplesmente o "português".  Para nós, brasilianos, o "português do Brasil" é simplesmente português. Se algum qualificativo fosse preciso acrescentar à língua, seria para distinguir o português europeu como "português lusitano". Este, aliás, tende a desaparecer, condenado pela redução demográfica portuguesa, enquanto em 2050 o Brasil terá 220 milhões de lusófonos, cujo sotaque encanta os próprios portugueses. Entretanto, mesmo desaparecendo na Europa, Portugal continuará a existir no Brasil. Eis por que os portugueses devem um pouco mais de deferência e acatamento ao Brasil.

Da mesma forma como o Brasil continua e supera Portugal, a língua portuguesa no Brasil é a continuação e enriquecimento do português lusitano. Colocando-se contra o Brasil, negando-se a aceitar a ortografia comum proposta no Acordo, Portugal agiria contra si mesmo, condenar-se-ia ao isolamento e a um passado sem futuro, porque o futuro de Portugal é o Brasil. A língua do Brasil é a mais portuguesa, porque mais distante, mais realizou a grande saga das águas e do vento. Portugal é apenas a calmaria, até mesmo em terra. O Brasil está para Portugal como o mar está para a praia.

No Brasil estão duzentos milhões de lusoparlantes de um bom português. Quem o fala mal admira quem o fala bem e busca imitá-lo no falar da norma culta, salvo o caso de alguns linguistas sectários de uma diversidade destruidora. Nada que uma boa escola não possa resolver.

Nisso resultou a grande aventura ultramarina portuguesa, que na língua portuguesa, como em outros campos da civilização, o Brasil continua e engrandece. Por que seria Portugal a desbaratar a sua própria herança? Por que Portugal deixaria incompleta a grande travessia?

Nossa língua fez-se de movimento e o perigo das águas ainda assalta o casco de nossas caravelas. Mas da gávea descerá o grito anunciando nossa chegada a porto seguro. E saídos das águas tenebrosas e revoltas da história, ouviremos em português o canto da glória do Brasil. Então, nas terras de onde viemos e estamos, haverá um só território, e neste território, uma só nação, e nesta nação, uma só raça, e desta raça uma só será a língua portuguesa.


Autor: Chauke Stephan Filho


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