Diferenças E Semelhanças Entre Os Processos De Subordinação E Coordenação Nos Períodos Compostos



Boa parte das gramáticas e demais livros teóricos de língua portuguesa que abordam o estudo do período composto estabelece a diferença entre os processos de coordenação e subordinação no nível sintático. Sendo assim, classificam as orações subordinadas como orações sintaticamente dependentes e orações coordenadas como orações sintaticamente independentes.

Outra forma de traduzir o tradicional estabelecimento das diferenças existentes entre os processos consiste na classificação da função, ou relação de dependência, que cada um desenvolve. Partindo desse pressuposto, Flávia de Barros Carone estabelece possibilidades para os arranjos sintáticos existentes dentro do período, chamando de seleção a relação de dependência tradicionalmente descrita nos períodos compostos por subordinação, uma vez que haja pressuposição unilateral, ou seja, a existência de uma oração subordinada exige a presença de uma oração principal. Contudo a existência de uma oração principal não exige a existência de uma oração subordinada em todos os casos. A relação de dependência descrita nos períodos compostos por coordenação, dentro do mesmo raciocínio, seria pautada na combinação, inexistindo pressuposição entre os termos da oração ou entre as orações, podendo cada um ocorrer sem o outro1.

Os conceitos expostos, entretanto, são considerados insuficientes, ou até mesmo arriscados, pelos principais estudiosos e pesquisadores do assunto por limitarem a compreensão dos enunciados analisados.

Como muitas distinções feitas a propósito dos fatos das línguas, porém, subordinação e coordenação não correspondem sempre a conceitos claros e inconfundíveis. Tradicionalmente, é comum identificar unidades coordenadas com unidades independentes e unidades subordinadas como unidades dependentes. Esta identificação nada esclarece ate que se defina a natureza dessa dependência, que para uns e puramente sintática, mas para outros deve dizer respeito antes ao sentido. (Azeredo, 2001, p.50)

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1CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.p.11.

As subclassificações das orações subordinadas e coordenadas são geralmente acompanhadas da lista de conectivos mais utilizados em cada um dos tipos de relações estabelecidas entre elas. Entende-se que essa lista possa auxiliar no reconhecimento e classificação das orações. É preciso considerar, entretanto, que uma abordagem sentenciosa neste momento, tende a comprometer a sensibilidade do aluno, ou mesmo do professor em sala de aula, inibindo uma análise mais profunda, resultado da investigação semântica, inclusive, do enunciado, o que pode comprometer sua classificação. A esse respeito há um exemplo clássico utilizado por José Carlos Azeredo2 .

Azeredo cita Othon Moacir Garcia, quechamafalsacoordenação a relaçãopresenteem "O dia estava muitoquente e eu fique logoexausto". A coordenação no exemplo citado, conforme afirma Garcia, só existe no que diz respeito à forma, inexistindo quanto ao sentido, porhaver uma relação de causa e efeitoentre as orações, descaracterizando uma relação de independência. Não seria de admirarque o períodocomposto tomado comoexemplo fosse classificadoemsala de aulacomoperíodocompostoporcoordenação, e a segundaoraçãocomooraçãocoordenadasindéticaaditiva, vistoque se utiliza da conjunção e, tradicionalmente classificadacomoaditiva, para ligar-se à primeira. Neste caso, a classificação do períodopassapelainterpretação de seuenunciado e análise da função exercida porsuaconjunção3.

Com base nesse exemplo, é possível supor que a diferença existente entre os processos de subordinação e coordenação se estabelece em um nível mais profundo que o tradicionalmente prescrito. Flávia de Barros Carone questiona um dos pilares, como visto anteriormente, da abordagem do período composto por coordenação ao pôr em dúvida a independência de suas orações. Estabelecendo características que chama provisórias para a coordenação4 destaca, dentre outras, a equivalência de função sintática entre os elementos coordenados e o fato de pertencerem a um mesmo paradigma, pensamento compartilhado, aliás, com José Carlos Azeredo.

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2AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.p.51.

3Voltaremos a comentar este ponto ao falar das dificuldades de interpretação dos períodos analisados.

4 CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.p.23 e 24.

Enquanto a subordinação e um processo criador de funções, a coordenação consiste em conectar unidades da mesma função ou mesma natureza.(Azeredo, 2001, p.52)

Carone prossegue, entretanto, defendendo que a independência não deve ser considerada a marca principal ou única da coordenação, alegando que há seleção, ou pressuposição unilateral, mesmo nesse tipo de construção conforme exemplifica.

As gramáticas costumam darcomotraçodistintivo das oraçõescoordenadassua "independência" ou "autonomia". Mas é bomque se equacionem comclarezaessesconceitos, jáque, emcertosentido, uma frasecomo "Masvocênão responde!" é tãodependentecomo "Se eu fosse ummágico..."_isto é, ambas pressupõem uma grandezalatente (Carone, 2001, p.61)

A diferença entre os processos reside, como afirmado por Carone, no processo de translação5 do verbo, presente na subordinação, através do qual uma oração funciona como termo subordinado, ou "subalterno"6, de outra oração. Assim o "todo", representado por uma oração, torna-se "parte" para relacionar-se com uma parte de outro "todo". Na coordenação, embora haja a dependência entre as orações em alguns períodos, as orações relacionam-se umas às outras sem que haja esse processo de translação, constituindo dois "todos" 7 que se relacionam.

Tais explicações esclarecem algumas diferenças e semelhanças entre os períodos compostos por coordenação e subordinação, de uma forma geral. Acreditamos, entretanto, conforme inferido na afirmação de Cláudio Cezar Henriques abaixo transcrita, que tais semelhanças, principalmente, existem e geram dúvidas entre determinados grupos de orações coordenadas e subordinadas adverbiais.

Convém observar que as coordenadas sindéticas e as subordinadas adverbiais têm pontos semânticos em comum, mas estruturas sintáticas diversas (adversativas/concessivas;conxclusivas/consecutivas;explicativas/causais).(Henriques, 2005, p.122)

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5CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.p.82.

6_________.p.68.

7 _________.p.71.

Faz-se necessário, então, identificar as principais diferenças e semelhanças entre esses grupos oracionais, embora este estudo descarte as orações subordinadas adverbiais consecutivas e as orações coordenadas sindéticas conclusivas, por não gerarem tantas dúvidas quanto os demais pares semelhantes.

  • Orações coordenadas sindéticas adversativas x orações subordinadas adverbiais concessivas.

Como acontece nos dois grupos a serem analisados a partir deste ponto, a diferença entre os processos é tênue e reside, sobretudo, nos processos semânticos e discursivos em que se inserem os enunciados.

As orações subordinadas concessivas são tradicionalmente descritas como expressão de um obstáculo que não impedirá ou modificará de modo algum a declaração da oração principal 8.

Ousenão, mesmoquandonãolhe doía nada (grifopróprio), se ficava defronte do relógio espiando, o queelanão estava sentindo, tambémeramaiorque os minutos contados no relógio.(Lispector, 1977)

O fato de a personagemnãosentir nenhuma dornão constitui umimpedimentoparaque o quenão estava sentindo fosse maiorque os minutos contados no relógio.

As orações coordenadas adversativas, entretanto, apresentam uma relação de contradição ou oposição ao que havia sido dito anteriormente. Uma espécie de rompimento com a lógica.

Aquele foraapenas o primeiro de muitosperíodos difíceis que tinham acabadocomseucasamento e comseubomnomemasnãocomseubomhumor e a suacapacidade de contaranedotas.(Luiz Fernando Veríssimo, 1998)

Uma vez que um problema financeiro acabe com o casamento e o bom nome de alguém, o que se espera é que também o bom-humor desse alguém se acabe.

Há concessão, então, quando há obstáculos ou impedimentos para que determinada situação não aconteça,mas a situação acontece e adversidade quando

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8BECHARA, Evanildo. Modernagramática portuguesa. 37ª. Ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2000.

algo é esperado e não acontece ou não é esperado e acontece, grosseiramente falando. Depreende-se daí que as duas construções são opostas, ou têm sua imagem invertida, como se estivessem diante de um espelho, conforme assinalado por Carone 9. Assim, uma oração coordenada adversativa poderia ser invertida, tornando-se em uma oração subordinada adverbial concessiva equivalente.

Ex: Aquele fora apenas o primeiro de muitos períodos difíceis que não tinham acabado com seu bom-humor e com sua capacidade de contar anedotas, embora tivesse/mesmo tendo acabado com seu casamento e bom nome.

  • Orações coordenada explicativas x orações subordinadas adverbiais causais.

Cláudio Cezar Henriques pretende estabelecer a diferença entre essas orações no campo semântico. Partindo desse pressuposto, explica que a oração explicativa é sempre conseqüência da oração A, que termina por pausa 10 e exemplifica em seguida.

O carro tem algum problema, [pois está soltando fumaça]

à ECPLICATIVA

O carro está soltando fumaça(,)[ pois tem algum problema]

àXCAUSAL (Henriques,2005, p.101)

Percebe-se que também aplica-se aqui a técnica do espelho, apontada por Carone, uma vez que a inversão da oração coordenada sindética explicativa resulta na oração subordinada adverbial causal e que a oração causal remeterá a um fato anterior à oração principal.

Cumpre destacar que, embora tal explicação pareça suficiente e acabada, Celso Cunha e Lindney Cintra, em sua " A Nova Gramática do Português Contemporâneo"(2007,p.598) apresentam como exemplo de oração coordenada sindética explicativa a sentença "Um pouquinho só lhe bastava no momento, pois estava com fome."

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9CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.p.76.

10HENRIQUES, Cláudio Cezar. Sintaxe Portuguesa para a linguagem culta contemporânea.5.ed. Rio de Janeiro: UERJ, 2005.P.101.

Entende-se ser a fome um fato anterior ao que, poderia ser chamado, em uma análise apressada, de oração principal, mas, partindo do pressuposto de que não ocorre o processo de translação, que caracteriza, segundo Carone, o período composto por subordinação, tal oração deve ser considerada coordenada sindética explicativa.

É importante apontar, por fim, a classificação das orações coordenadas por Evanildo Bechara, que desconsidera as conclusivas e explicativas, chamando essas de causais-explicativas. Bechara entende que essas orações não podem ser consideradas coordenadas por seu valor adverbial e por ausência de paralelismo.

Certas unidades de natureza adverbial e que manifestam valores de concessão, conclusão, continuação, explicação, causa, que fazem referencia anafórica ao que anteriormente se expressou, podem aparecer como aparentes conectores de orações em grupos oracionais: logo, pois, portanto, por conseguinte, entretanto, contudo, todavia, por isso, por isto, também, daí, então, pelo contrário, etc...Partindo desses valores semânticos, a gramática tradicional estabeleceu, entre os conectores coordenativos, as conjunções conclusivas e causais-explicativas. Realmente, nestes casos se trata de unidades que manifestam esses valores de dependência interna, semelhantes às orações subordinadas, mas no nível do sentido do texto. São unidades transfásicas, já que ultrapassam os limites de fronteira das orações.(Bechara, 200, p.478)

Tal concepção não é empregada atualmente nas salas de aula, mas constitui um exemplo das dissidências explanadas quanto às classificações que constituem o tema deste estudo. Bechara exemplifica ainda que o estudo dos processos de subordinação e coordenação ,como os estudos científicos em geral, não se apresenta definitivamente acabado e não se configura de modo consensual , nem pode ser relegado à investigação meramente sintática, embora deva também apoiar-se nesse pilar. Não é novidade o emprego da análise semântica do enunciado a fim de estabelecer sua classificação. Deve-se refletir, entretanto, sobre o papel que esta análise exerce na classificação das orações subordinadas e coordenadas, bem como de seus conectivos,em especial nas abordagens feitas nas salas de aula.

REFERÊNCIAS

AZEREDO, José Carlos. Iniciação à sintaxe do português. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BECHARA, Evanildo. Modernagramática portuguesa. 37ª. Ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2000.

CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação: confrontos e contrastes.6ª.ed.São Paulo: Ática,2001.

HENRIQUES, Cláudio Cezar. Sintaxe Portuguesa para a linguagem culta contemporânea.5.ed. Rio de Janeiro: UERJ, 2005.


Autor: Danieli Chagas


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