O Morro do Ouro, de Eduardo Campos



A peça "O Morro do Ouro", de Eduardo Campos, é um marco do teatro cearense. Alternando-se entre o drama e a comédia, é uma obra que aborda a realidade da periferia de Fortaleza. Encenada pela primeira vez em 1963, a peça busca expor o cotidiano da comunidade do Morro do Ouro, uma das primeiras favelas de Fortaleza. Durante a década de 60, obteve um grande sucesso de público, sendo, até hoje, uma das peças mais vistas no Ceará, ajudando a estabelecer o nome de Eduardo Campos dentre os mais importantes do teatro de nosso Estado.

Seguindo uma das estruturas clássicas do teatro ocidental, a peça é dividida em três atos, sendo o segundo ato fragmentado em dois quadros. Ao longo do primeiro ato, a realidade do Morro do Ouro é apresentada, bem como os personagens que norteiam o enredo. Tem-se a descrição da vida numa favela e seus aspectos deprimentes e promíscuos, assim como o contraste entre a periferia e os ricos edifícios ao fundo. É nesse ambiente que os personagens são inseridos, tais personagens são tipificados seguindo seus papéis sociais: a prostituta Madalena, o contrabandista Zé Valentão, o bodegueiro Seu Patrício, o apontador de "jogo do bicho" Ezequiel, o Aleijado e sua mulher, a Monitora e as Assistentes Sociais da Aldeota e assim segue. São todos representantes de um universo que reflete as conseqüências da miséria e do isolamento social.

As relações entre os personagens e o contexto em que se inserem são explicitados no primeiro ato, como o namoro de Madalena e Zé Valentão, o interesse de Seu Patrício pela prostituta, a desonestidade de Ezequiel, também chamado de Seu Fortuna, que conta seus sonhos para que todos apostem no "jogo do bicho", e a falácia dos empregados do Dr. Gervásio, o político demagogo. Porém, a normalidade da degradação do local é quebrada ao fim do primeiro ato, quando Madalena anuncia a vinda de sua mãe.

No segundo ato, Madalena busca modificar suas roupas e sua casa para que sua mãe, Dona Elvira, não saiba que sua filha é prostituta. É neste ponto da peça que Eduardo Campos explicita seu lado folclorista: o "Boi Surubi", carregado de contrabando, entra em cena. A polícia descobre o plano de Zé Valentão, que foge, e a confusão toma conta da favela. É em meio a isto que chega Dona Elvira, que exulta de felicidade e fervor religioso ao pensar que sua filha manteve-se "virtuosa". A partir da chegada de Elvira, a realidade da comunidade muda. As assistentes sociais não têm dúvida: houve um milagre no Morro do Ouro.

O terceiro ato confirma a nova realidade do local, a novena é um sucesso. Ezequiel passa a vender imagens e medalhas de santos, Madalena age como uma moça eivada de pudores, as senhoras da Aldeota aparecem para verificar o milagre. Porém, a volta de Zé Valentão quebra esta nova realidade ao confrontá-la com a antiga. O fim da peça mostra a possibilidade de uma mudança real de Madalena, assim como da comunidade.

Percebe-se que a intenção principal de Eduardo Campos foi a de ironizar a realidade, criando cenas de humor em que a denúncia do abandono e preconceitos se mesclam aos aspectos cômicos. A campanha política do Dr. Gervásio, que busca iludir a população pobre com falsas promessas, a pesquisa das assistentes sociais, que se dá num clima de falso puritanismo, ausência de solidariedade e estranhamento da realidade do povo, e a visita das senhoras da sociedade são os pontos altos desta ironia ácida, que chocou a sociedade de Fortaleza na década de 60 por seu caráter de denúncia de uma situação de injustiça social.

Eduardo Campos escreveu um drama urbano que prova a desumanidade de um sistema que permite um fosso enorme a separar miseráveis e ricos, polarizados entre o Bem, a população favelada, e o Mal, a burguesia alheia ao sofrimento dos pobres. E, por isso, em alguns momentos, a peça adquire um teor trágico, que provoca um sentimento de revolta no espectador ou no leitor. Entretanto, a ironia e o humor são perfeitamente utilizados para estabelecer uma tragicomédia bem sucedida.

"O Morro do Ouro" é uma peça que, mesmo após mais de 40 anos, permanece atual ao mostrar as mazelas de nossa sociedade. Sua leitura é válida para todos aqueles que procuram uma visão social crítica mesmo durante uma leitura leve, e ver sua encenação vale como um ótimo entretenimento, que garantirá diversão e reflexão. A obra de Eduardo Campos mostra-se atemporal e capaz de ser apreciada tanto por jovens leitores quanto por críticos literários e dramaturgos experientes.


Autor: Paulo Araújo


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