O Show De Truman



O filme "O Show de Truman", do diretor Peter Weir e do roteirista Andrew Niccol, conta a história de Truman Burbanks, um homem de 30 anos que imagina levar uma vida simples na pequena cidade de Seahaven quando, na verdade, é o protagonista de um programa de TV visto por quase 2 bilhões de pessoas em 220 países. Ao redor de uma esplendorosa atuação de Jim Carrey no papel de Truman, o enredo é construído de forma que nos faz refletir sobre a atuação da mídia e seus efeitos.

O nome de Truman nos remete a True Man, um homem verdadeiro que está, desde o seu nascimento, 24 horas por dia na tela da TV. E este homem vive em Hollywood no maior estúdio do mundo, uma obra gigantesca que pode ser vista do espaço, assim como a Muralha da China, batizada de Seahaven, uma cidade perfeita para abrigar, proteger e enclausurar. Haven, em inglês, significa refúgio, lugar seguro, ao mesmo tempo em que lembra a sonoridade de heaven, que quer dizer paraíso.

A perfeição cotidiana de Truman é marcada por uma vida pacata e rotineira em seu trabalho de vendedor de seguros. Quando tal rotina é quebrada por uma sucessão de eventos, que se liga a lembranças, Truman passa a duvidar de sua realidade, vendo-a como uma mera ilusão, enquanto todos os que convivem com ele tentam convencê-lo do contrário. Dessa maneira, podemos ver a situação vivida por Truman como uma leitura do Mito da Caverna de Platão.

Paralelamente às descobertas e desventuras de Truman preso ao mundo criado para ele, vemos a atuação do produtor, diretor e criador do Show de Truman, Christof (interpretado por Ed Harris) e as reações do público em frente à TV, exemplificado por garçonetes e freqüentadores do Truman Bar, um bar temático dedicado ao programa, por dois seguranças de um estacionamento, que atravessam as madrugadas acompanhando Truman, por duas idosas, que vêem o programa abraçadas a uma almofada com o rosto de Truman estampado, e por um homem que assiste à TV mesmo quando está na banheira.

Christof coordena o monitoramento ininterrupto de Truman através de mais de 5 mil câmeras, dita fala dos demais "personagens", como Meryl (Laura Linney), esposa de Truman, e Marlon (Noah Emmerich), melhor amigo do astro, e é o responsável pelas "novidades" do Show, isto é, pela vida de Truman Burbanks. Pela onisciência e onipresença de Christof, pode-se compará-lo a um Deus (como seu próprio nome já sugere). De fato, é isto que ele é para Truman, inclusive na opinião do próprio criador do Show, pois este se sente responsável pelo nascimento de Truman, imagina conhecê-lo mais que ele mesmo e não se opõe à idéia de decidir sua morte.

Também é possível fazer uma comparação de Christof ao Grande Irmão da obra 1984, de George Orwell, embora o personagem do cinema prefira passar despercebido, ao contrário da onipresença imposta pelo Grande Irmão no romance.

É de Christof a citação que mais claramente corrobora a idéia de discussão filosófica, mesmo não muito profunda, presente no filme. Ao ser indagado sobre o porquê de Truman jamais ter desconfiado de sua real condição, o diretor afirma: "Aceitamos a realidade do mundo no qual estamos presentes, é simples".

O público do Show de Truman é retratado como um ente passivo, que consome o produto da mídia irreflexivamente, buscando entreter-se e emocionar-se segundo a vontade dos produtores do Show. Esta relação mídia – público é bem exemplificada na cena em que Truman reencontra seu pai. Num jogo de câmeras e música, Christof leva o público às lagrimas. Todos vêem o programa estáticos, comovidos por uma vida que não é a deles, seja durante o trabalho, durante o banho ou durante a madrugada.

Na verdade, por mais que se enfatize que O Show de Truman é o show da vida, o público parece não se importar com o fato de que aquele na tela da TV é um ser humano real tendo sua vida conduzida por uma rede de televisão, tal qual ocorre, mesmo que em escala (obviamente) menor, nos reality shows. A privação de liberdade imposta a Truman desde seu nascimento é conhecida pelo público, já que é sempre dito que ele foi a primeira criança adotada legalmente por uma empresa. Se o cárcere a que Truman é infligido não comove o público, sua reificação como propriedade privada tampouco.

O Show de Truman também funciona como um grande expositor de produtos, desde a imagem de Truman, vendida como estampa de almofadas, até as casas de Seahaven, passando por roupas, facas, cervejas e cortadores de grama. Isto é, Truman e todo o mundo que o cerca está à venda.

O papel da audiência é somente o de consumir produtos e emoções pré-fabricadas. Apenas uma personagem, Sylvia (Natascha McElhone), uma ex-figurante do show que tenta revelar a verdade a Truman, contrapõe a visão dos produtores e da multidão de telespectadores, ao desejar que Truman liberte-se de sua prisão. A crítica à passividade e à insensibilidade do público é explícita na última cena do filme. Após Truman confrontar seu mundo e seu "Deus" e abandonar de vez Seahaven, provocando o fim do Show, os seguranças do estacionamento apenas desejaram saber o que estaria passando em outro canal.

Os meios utilizados por Christof para manter sua criatura em um cativeiro perfeito por 30 anos são vários. Além de incutir em Truman um medo do mar, que circunda Seahaven, através da "morte" de seu pai, os meios de comunicação são essenciais para o convencimento de que a realidade é plausível e não há necessidade de mudanças, pois a vida já é perfeita. Jornais, rádio e televisão buscam manipular Truman para que aceite como banais fatos extraordinários, como a queda de um holofote do "céu", para mostrá-lo que Seahaven é o melhor lugar do mundo e para lembrá-lo de valores morais, como a importância da família.

Um outro ponto interessante é o uso, em alguns momentos, de câmeras em posicionamentos não convencionais, ao simular micro-câmeras escondidas espalhadas por Seahaven. Tal uso remete a uma faceta que permeia a própria concepção do filme, a metalinguagem quanto à produção audiovisual.

Em tempos de sucesso de programas como o Big Brother Brasil, a crítica explícita ao público passivo e o levantamento de uma discussão sobre os reality shows, geradas mesmo por uma observação superficial do filme "O Show de Truman", são válidas, ainda mais quando aliadas a uma obra que, paradoxalmente, também realiza um dos propósitos básicos das produções de Hollywood, o entretenimento.


Autor: Paulo Araújo


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