O mendigo e o mamão do político



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     O ano não me lembro mais, proximo ao ano 2000. Eu  caminhava sozinho, por volta das dez horas da manhã, em uma importante e movimentada rua de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Em determinado momento observei com atenção uma cena que nunca mais esqueci, um mendigo revirava o lixo de uma residência em busca de comida. Ao encontrar alguma coisa, o homem começou a comer com muita vontade, como se já há alguns dias não se alimentasse, comia como se aquele fosse um banquete. Buscando estudar melhor aquela situação me aproximei do homem, pude ver que ele havia encontrado e comia algumas cascas de mamão, possivelmente resto do café da manhã da família que morava naquela casa, mas que naquele lixo estavam misturadas a toda espécie de resíduos. Fiquei constrangido com a cena, embora, infelizmente, não fosse a primeira, e nem tenha sido a última vez, que vi um ser humano comendo restos de alimentos retirados de um saco de lixo. 

     Observando mais atentamente percebi que aquela era a casa de um importante advogado, político influente, que naquele momento retirava seu carro da garagem. Não pude deixar de pensar no contraste, aquele advogado sempre foi um dos homens de confiança de um dos governadores mais importantes do Mato Grosso do Sul. Quis o destino que os restos do ilustre homem público fossem o desejum daquele senhor andarilho. Naquele dia alimentei dignamente aquele homem, mas, jamais deixei de pensar em qual seria a sua história de vida. Quem foram seus pais? Teria irmãos, mulher, filhos? O que o levou a perambular pelas ruas?

     Ao longo dos 32 anos que moro em Campo Grande adquiri o hábito de conversar com mendigos. Sempre foram muitos vagando pela cidade. Quase sempre, antes do advento do famigerado crack, eram muito solícitos e sempre tinham uma história interessante para contar. Mendigos e moradores de rua quase sempre passam despercebidos aos olhos das pessoas, mas têm história. Todos têm passado, não raras  vezes, um passado de fartura. Sempre me causou estranheza que embora oficialmente o poder público tenha casas de auxílio e programas que possam ajudá-los, é sempre a sociedade civil organizada quem melhor acolhe e supre suas necessidades. 

  Lembrei-me deste caso e resolvi registrar. Por coincidência, o governador e o político influente citados por mim foram condenados por desvio de recursos públicos, muitos anos após este triste episódio. O mendigo possivelmente já morreu. 


Autor: Hamilton Aparecido Pipoli


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