Pessoas em situação de rua e reforma agrária - duas fases da mesma lua



Profissionais sociais que atuam em frentes relacionadas com a pobreza e a indigência puderam perceber com certa facilidade que o contexto mais amplo influiu diretamente no perfil das pessoas que passaram a viver em “situação de rua”.

Se nas décadas de 70 e 80 você encontrava uma certa sazonalidade no crescer do número de trabalhadores eventuais vivendo nas ruas; a situação atual é de trabalhadores na ativa vivendo em situação de rua.

Exemplo claro do que estou afirmando é a situação da construção civil. Anteriormente, “peões de obra”  se alternavam entre a vida nos alojamentos das construções nas quais trabalhavam e o viver nas ruas. Trabalho braçal e intenso, estas funções eram exercidas por pessoas com baixa escolaridade e que recebiam o suficiente para sua sobrevivência e quando desempregados ficavam sem trabalho e sem teto já que o quantum recebido mal dava para o dia-a-dia, que dirá para prover os momentos de desemprego.

Com o crescimento do desemprego em todo o país, pessoas com escolaridade passaram a aceitar tarefas como aquela que aqueles “peões”  realizavam o que modificou em muito as condições oferecidas a estes trabalhadores.

De certa feira, em que discutia com desempregados o fato das construtoras não mais alojarem seus trabalhadores, ouvi de um deles, por nome Mário,  a seguinte explicação:

A senhora pensava que a construção civil dava alojamento por ser boazinha? Que nada! Precisava fazer isso para ter trabalhadores. Hoje, como gente que tem casa aceita trabalhar na construção, a indústria da construção civil não precisa mais dos alojamentos... é uma questão de lógica”.

Hoje, os empresários deste setor tem uma preocupação com a fidelização, na medida em que investem na capacitação de seus trabalhadores e tem ações de diversas naturezas voltadas para a manutenção do vínculo destes trabalhadores com a sua empresa.

Enquanto alguns trabalhadores são qualificados e fidelizados, muitos outros encontram-se desempregados e em situação de rua.

Atuando junto a pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo, na década de 90, a Fraternidade Povo da Rua discutia alternativas de sobrevivência e propôs uma parceria com o MST – Movimento em Terra visando identificar, dentre o povo de rua, pessoas que almejassem o retorno ao campo e que, portanto,poderiam se juntar aos milhares de trabalhadores rurais em luta pela Reforma Agrária.

Naquela ocasião, havia um grupo discutindo uma nova modalidade de assentamento que, por estarem próximos de grandes metrópoles e terem dificuldades em conseguir grandes glebas de terra, estavam propondo uma alternativa que era a construção de Comunas da Terra.

As Comunas da Terra vem se configurando como uma nova concepção de assentamento na medida em que se propõem a organizar Núcleos de Economia Camponesa situadas próximos aos grandes centros urbanos.  Estes assentados migraram de suas terras na busca de oportunidades de trabalho no campo e nas cidades, muitos dos quais chegaram a passar por períodos longos de desemprego e de desabrigo chegando a viver em situação de rua em grandes cidades como São Paulo.

As Comunas da Terra foram concebidas visando assentar famílias em áreas menores do que aquelas utilizadas nos assentamentos tradicionais, entendendo-se que 2 a 5 hectares de terra são suficientes para garantir a subsistência do grupo familiar. A produção é planejada visando a diversificação e a exploração racional dos recursos naturais como solo, água e meio ambiente, constituindo-se em experiências de produções orgânicas ou ecológicas de cereais, horticultura, frutas e pela criação de pequenos animais.

Estando próximas dos grandes centros, estas Comunas da Terra constroem processos de venda direta  ao consumidor e beneficiamento da produção com pequenas agroindústrias. Parte das famílias articuladas nos assentamentos em referência vieram do campo, e parte de cidades como São Paulo onde viviam em situação de rua. O encontro destas duas realidades é parte do processo de trabalho da Fraternidade Povo da Rua que, desde a década de 90 vem atuando frente a este segmento e apoiando a construção de alternativas de sobrevivência.

A proposta de produção nestas Comunas da Terra estão baseadas em cinco elementos: (1) o vínculo das pessoas com o trabalho, a propriedade social da terra e a produção agroecológica realizadas em cooperação com os demais assentados; (2) a propriedade da terra coletivizada e não privatizada, garantindo-se o caráter social da terra e impedindo os efeitos da especulação imobiliária. As produção são familiares, associativas, cooperativas e comunitárias; (3) a matriz de produção é constituída a partir de um padrão produtivo e tecnológico, ecológico ou orgânico, respeitando os recursos naturais em todas as situações. O lugar de produção deve ser limpo e espaço onde se pratique a reciclagem do lixo, e procure garantir que seja um lugar bonito, saudável, arborizado, com espécies frutíferas, com flores, etc.; (4) cooperação e solidariedade nos diversos aspectos da vida e do trabalho. No aspecto das atividades econômicas como: produção, beneficiamento e comercialização e principalmente, nas atividades estratégicas, produção de fertilizantes orgânicos, produção de sementes e mudas, irrigação, beneficiamento da produção e a venda da produção utilizando a marca da Reforma Agrária e desenvolvendo parcerias com outras organizações do campo e da cidade, como: instituições públicas, onde terá como princípio básico a cooperação nas mais diversas formas e experiências, núcleos de produção familiar, associações, cooperativas e prestação de serviços regionais. O fundamental é a socialização dos meios de produção; (5) desenvolvimento sociocultural, estimulando-se a urbanização das famílias e agrupando-as em comunidades, agrovilas, núcleos de moradia, etc.;

Os núcleos de moradia não deverão ser muito grandes, em torno de no máximo 50 a 60 casas, para isso, a divisão dos lotes deverá contemplar as necessidades das famílias permanecem agrupadas em núcleos. Planejar as comunidades de forma a buscar maior sociabilidade e com condições mínimas de infraestrutura social, garantir espaço, de preferência onde esteja centralizado posto de saúde, escola, campo de futebol e quadras poliesportivas, salão de festas religiosas e culturais, também para teatro, vídeo, danças, shows e cursos em todas as áreas como produção e beneficiamento da produção, mas também nas áreas de saúde, música, atividades culturais, etc, ciranda e parque infantil.

A proposta das Comunas da Terra não se restringia às unidades de produção, mas  propunha a constituição de núcleos sociais onde as pessoas convivessem e desenvolvessem um conjunto de atividades comunitárias nas esferas da cultura, do lazer, da educação, da religião, etc..

Das primeiras reuniões, ocorridas em 1996, participaram 250 famílias, 45 das quais eram formadas por pessoas em situação de rua. Após uma luta que durou 18 meses, durante o qual eles estiveram acampados em sete locais diferentes, em fevereiro de 1998, 63 famílias foram autorizadas a se instalar na Fazenda Monte, que havia sido desapropriada. Destas, 27 eram formadas por pessoas que haviam vindo da rua. Outras 30 famílias, ficaram na estrada próximo do local e apoio aos companheiros.

Nestes catorze anos, estas famílias viveram muitos conflitos internos relativos à vida coletiva, isso sem contar com as situações de desavenças interpessoais e as brigas com vizinhos. No entanto, o saldo é positivo e o modo de agir e a postura aponta uma solidariedade que tem permitido a sobrevivência de todos.

Decisão dos técnicos do INCRA que sugeriam a divisão daquela terra entre 41 famílias e justificavam isso com dois argumentos: a baixa fertilidade do solo e a distância do assentamento e a sede da fazenda. Ainda que haja dificuldades a superar, a maioria destas pessoas tem participado de uma agrovila e busca a produção coletivamente.

Assim sendo, a Comuna da Terra Dom Tomás Balduíno é hoje uma realidade. Situados na Fazenda São Roque, e Franco da Rocha, as 63 famílias que começaram esta luta em  7 de setembro de 2001, numa primeira ocupação de terra no município de Arujá; hoje estão instalados na Fazenda São Roque onde as famílias foram assentadas em lotes de 3 hectares. As casas foram construídas em processo de mutirão; e eles produzem para o consumo e comercializam o excedente. A produção vai na linha da agroecologia com frutas, verduras e legumes, criação de pequenos animais.


Autor: Maria Magdalena Alves


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