Violência Urbana: Hábito, Sobrevivência Ou Desamparo?



RESUMO

A problemática acerca da violência urbana desperta na sociedade contemporânea sensações praticamente desconhecidas pelos brasileiros até a metade do século XX, o terror, o medo e a insegurança. A desigualdade social é um fator gerador das ações violentas, pois a doutrina do consumismo exacerbado, ideologicamente disseminados nos meios de comunicação, impulsiona uma parcela da população a desejar bens de consumo que não podem possuir em virtude de suas condições financeiras. A convivência com as ações violentas faz com que o indivíduo venha a acostuma-se com o ambiente agressivo que o cerca. É a naturalização da violência. A todo instante o cidadão presencia atos violentos oriundos dos mais diversos setores sociais, considerando-os normais. Mas quando ela transgride a esfera do particular e começa a habitar a pública gerando comoção popular, a sociedade volta-se contra o Estado clamando-o por ações eficientes que possam combater a violência que na maioria dos casos está associada à marginalidade. Tendo em vista a deficiência dos órgãos estatais em controlar os distúrbios de violência que são gerados no meio familiar, recorrem-se às ciências humanas, como a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia e o Direito para diagnosticar os sintomas dessa anomalia social. Os mecanismos de controle estatal, como a polícia, e a implementação de políticas públicas para a diminuição das ações agressivas são deficitárias. O sistema prisional encontra-se falido, despossuído de qualquer meio que possa atuar efetivamente na prevenção e combate ao crime organizado. Palavras-Chaves: ações, brasileiros, contemporânea, consumismo, desigualdade, Direito, Estado, familiar, ideologia, marginalidade, população, Psicologia, sociedade, social, violência.


INTRODUÇÃO

 

 

A violência urbana vem a preocupar-nos diariamente, sobretudo pelo grau de desenvolvimento alcançado tanto em termos de freqüência quanto de intensidade.

Determinar um diagnóstico aprofundado de suas origens, as quais somos todos conhecedores de suas variedades, não é tarefa fácil, e por isso vem convocar aqueles a quem interessa o cultural, o político, o social e o relacional a formular hipóteses quanto ao seu tratamento. Convém primeiramente a manifestação de um pouco de cautela ao examinar a matéria, pois um pensamento afirmativo ou negativo mal elaborado a respeito da sua temática pode gerar interpretações equivocadas pela comunidade universitária a quem se destina esse trabalho acadêmico.

No entanto, a partir de nossos conhecimentos adquiridos pelo estudo de algumas ciências sociais, como a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e o Direito, assim como o entendimento que possuímos a cerca da violência como manifestação sociocultural, em especial daquela violência que se revela nos centros urbanos, nós gostaríamos de principiar algumas vias de reflexão, com a expectativa de que aquilo que tem valor no aprendizado clínico possa colaborar para elucidar uma problemática que pertence ao campo estendido do político, do econômico e do social.

É possível pensar aquilo que se passa no seio da sociedade como uma manifestação desarticulada do que costumeiramente se produz no plano emocional, uma vez que tudo fica desprendido quando a violência não encontra outros objetos senão o próprio indivíduo que a pratica. Na problemática do comportamento social o mundo externo, ou seja, o cultural, é o grande modificador dos objetos que constituem o mundo interno, e a violência é projetada aí. Hoje em dia, as pessoas atentam primeiramente contra a base estatal, ou seja, as suas próprias famílias. É contra os objetos familiares (pais, mães e irmãos) que elas se exacerbam inicialmente, como se aniquilassem a si próprias, num movimento de auto-flagelação, a menos que se trate de uma violência dirigida a outros indivíduos fora do ambiente familiar encontrados na sociedade.

É a partir desse ponto que se inicia a discussão a respeito do tema proposto, onde o indivíduo transgride a esfera familiar e passa a atuar em ambiente mais aberto, sujeito não apenas a sansões morais, mais principalmente às jurídicas formadas por um conjunto de normas cuja finalidade é frear o ímpeto humano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VIOLÊNCIA URBANA: HÁBITO, SOBREVIVÊNCIA OU DESAMPARO?

 

 

Em um país cujas oportunidades são insuficientes, o povo de nossa pátria encontra-se à margem de um colapso social por não saber o que fazer para garantir a sua sobrevivência.

Se, de um lado, temos leis que asseguram a todos o direito à liberdade de pensamento, ao trabalho e ao lazer (Art. 5º, IV e XIII CF) do outro temos incessantes jornadas de trabalho que ao serem completadas têm consumido por inteiro as forças daqueles que estão na frente de batalha: os trabalhadores. No fim de um dia exaustivo, eles não querem outra coisa a não ser descansar para que no próximo comessem a mesma rotina laboral. Levando-se em conta os que conseguem de forma até heróica um mau e remunerado emprego que, como já dissemos, não irá proporcionar o gozo efetivo de todas as suas necessidades, assim como as de sua família, entram naquela parcela da populaçãoque vivem à margem de uma sociedade sitiada pela violência.

Logo, a vontade de se obter os desejados bens de consumo vistos na TV é tentadora. Isto desperta o anseio naqueles que não podem contar nem se quer com o mínimo a volição em possuí-las a qualquer custo, ficando então a mercê dos mais variados intempéries, sejam eles de natureza econômica, política e até mesmo legal. O brasileiro fica inconformado. Sem perder o otimismo, ele vai tentando dá um jeito até onde puder, e, só então, quando não mais consegue a solução que deveria ser dada pelo Estado através de ações políticas, sociais, econômicas e legais, volta-se contra ele e, numa atitude de total desespero, passa o mesmo a fazer justiça com as próprias mãos, buscando a autodefesa ou satisfação de suas necessidades básicas.

Instaurando a guerra contra o Estado declara-se também contra o indivíduo, o cidadão, que paga seus impostos, e este por não ter o que comer paga pela omissão dos agentes estatais. O brasileiro marginalizado, por não conseguir realizar seus desejos e necessidades básicas, acaba transgredindo a desrespeitando as normas de conduta, que por conseqüência faz uso de ações violentas para garantir seus objetivos, ou seja, a manutenção da ordem, ocorrendo a naturalização das ações agressivas em nossa sociedade.

Pelo exposto, aceitar o pensamento de que a violência possa ser naturalizada é uma tentativa de diluir o terror e o medo que ela provoca, de se subordinar aos seus efeitos, e de não se implicar com as possibilidades, mesmo pequenas, de sua transformação.

A forma natural de como nos acostumamos com a violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de seu sempiterno. Resignado à idéia, internalizada pela repetição da frase de que somos violentos por natureza, o indivíduo curva-se ao destino e termina por aceitar a existência da violência, como admite a certeza da morte. A acomodação deste hábito mental é tão maléfica e potente que, quem quer que se declare contra este preconceito, arrisca-se a ser estigmatizado de idealista, ou otimista.

Se olharmos o problema de acordo com a Psicologia, observamos que Freud, em seu artigo, "Pulsões e seus destinos", nos diz que inicialmente o mundo se apresenta primeiramente para a criança sem diferenciação mas, logo, ganha matizes diferentes dependendo das qualidades de prazer implicadas nas experiências. Descobre nos objetos os que são prazerosos e afasta de si aquilo que se constitui como motivo de desprazer, mesmo aquilo que provém de seu próprio interior. O mundo exterior, ou seja, o cultural, fica assim dividido em uma parte prazerosa que se incorpora e um resto que é estranho e hostil. O sentido primitivo do ódio é o da relação contra o mundo exterior, alheio ao ego. "Sentimos repulsa ao objeto que não proporciona prazer (como, por exemplo, a situação de miséria em que muitas pessoas vivem) e o odiamos. Este ódio pode intensificar-se até a tendência à agressão contra o objeto e o propósito de aniquilá-lo." E ele conclui afirmando que: "O Ego odeia, perturba e persegue com propósitos destrutivos a todos os objetos que chega a supor como fonte de sensações de desprazer, constituindo uma privação até mesmo da satisfação sexual ou da satisfação de necessidades de conservação ou de sobrevivência. Pode-se, inclusive, afirmar que o verdadeiro arquétipo da relação de ódio não procede da vida sexual, mas da luta do ego por sua conservação e manutenção."

A partir do que foi exposto, observamos que o crescimento desenfreado da violência urbana, em suas múltiplas modalidades – crime comum, crime organizado, violência doméstica e a violação de direitos humanos – tem uma origem a qual não podemos ignorar, a desigualdade social. Tal agravo constitui um dos maiores entraves da sociedade brasileira nas últimas décadas, pois o sentimento de medo e insegurança diante do crime exacerbou-se entre os mais distintos grupos e classes sociais, como sugerem não poucas sondagens de opinião pública.

Trata-se de um problema que promove ampla mobilização da sociedade – como nos casos de homicídios dolosos que envolveram o menino João Hélio na cidade do Rio de Janeiro e a menina Isabela na cidade de São Paulo - o que se pode observar através das sondagens de opinião, através da insistente atenção que lhe é conferida pela mídiaimpressa e eletrônica e através da multiplicação de fóruns locais, regionais e nacionais que vem promovendo impacto sobre o sistema de justiça criminal, influenciando a formulação e implementação de políticas públicas de segurança e justiça (também chamadas de políticas públicas penais). Neste domínio, o sistema de justiça criminal vem se mostrando completamente ineficaz na contenção da violência no contexto do estado democrático de direito. Problemas relacionados à lei e à ordem têm afetado a crença dos cidadãos nas instituições de justiça, estimulando não raro soluções privadas para conflitos nascidos nas relações sociais e nas relações intersubjetivas.

Embora tenha despertado o interesse acadêmico e científico por problemas relacionados ao crescimento dos crimes, à organização das instituições encarregadas de exercer controle social, em especial a polícia e as prisões, aos efeitos do crime organizado, sobretudo o narcotráfico, sobre as instituições da sociedade civil e da sociedade política, ainda não alcançamos o patamar ideal para sairmos, como afirmara Rousseau, desse Estado de Natureza. De modo geral, as políticas penais são orientadas de acordo com o conhecimento acumulado por intermédio de culturas organizacionais agenciando os mais diversos interesses corporativos e, não raro, impedem que problemas reais possam ser efetivamente atacados a curto, médio e longo prazo.

Por fim, para que possamos solucionar a problemática do nosso falido sistema prisional, assim como buscar soluções eficientes para a diminuição das desigualdades sociais, devem existir a priori políticas públicas eficazes orientadas por um ordenamento jurídico coerente, confiável e eficiente que consistirá certamente na mudança dos hábitos culturais do povo brasileiro, onde os levará a uma evolução do seu estado de consciência e só assim estarão aptos para a construção de modelos de justiça e de controle social sólidos mas também adequados ao Estado democrático de direito.

CONCLUSÃO

 

 

Diante do quadro crítico e caótico em que se encontra a nossa sociedade, onde o império da lei é sucumbido pela corrupção camuflada de jeitinho brasileiro, como futuros argumentadores do direito, temos o dever social de formular idéias que anulem a generalização dos atos de violência praticados nos centros urbanos.

Iremos principiar pela educação, tema amplamente debatido por políticos e teóricos dos mais diversos campos do conhecimento, que constitui um espaço privilegiado de convívio e de formação da pessoa, precisa ter qualidade e se integrar à comunidade onde está inserida. É comprovado que as instituições escolares que permanecem abertas nos finais de semana, para uso da comunidade, conseguem quase eliminar o vandalismo em suas dependências. Quando uma pessoa é capacitada por uma formação educacional adequada tem melhores oportunidades, o que garante a estabilidade individual perante o sistema estatal vigente.

Quando nos reportamos ao seio familiar, vemos que o primeiro contato do indivíduo com situações agressivas ocorre em sua própria residência. O trauma psicológico causado por ações violentas deixam seqüelas irreversíveis durante toda a sua vida, e isto o levará a externar toda a sua patologia no meio social em que vive.

Sobre a sociedade, antropologicamente o que salta aos olhos é uma crescente tendência à redundância nas relações sociais. Os grupos se fecham e as redes sociais se restringem, ficando cada vez menos permeáveis ao contato e a interação com indivíduos e categorias sociais diferentes. Esse fechamento implica, portanto, um empobrecimento dos relacionamentos, diminuindo as possibilidades de contatos e trocas entre distintos grupos e categorias sociais.

No que compete aos órgãos repressores e opressores, grande parte das ações necessárias estão na gestão urbana de competência municipal. Como a segurança pública é tarefa dos Estados, é preciso haver integração entre as esferas policiais no combate a criminalidade principalmente a organizada. As intervenções policiais devem atuar simultaneamente em duas instâncias: a imediata, a repressão eficaz da violência, e a de longo prazo que implica em aprofundar o conhecimento sobre a origem da violência, assim como a sua intensidade de forma sistemática, sendo estruturas secularmente consolidadas.

O Estado, em todos os níveis, tem demonstrado uma incapacidade crônica na abordagem das raízes da violência urbana, que cada vez mais nos acua e nos choca. A pobreza não é um fenômeno natural, é um fenômeno político, fruto da violência e da violação ontológica dos direitos de um homem sobre o outro. Pode-se constatar, no dia-a-dia, a falência do Estado em garantir as mínimas condições de cidadania para a população de nosso país, desde o mercado de trabalho, passando pela educação, saúde, e transporte, para desaguar na insegurança generalizada. Os níveis federal, estadual e municipal revelam-se muito pouco capacitados para organizar e coordenar atividades básicas que garantam minimamente a qualidade de vida da sociedade. A crescente percepção da corrupção generalizada só agrava o referido quadro em que indivíduos e categorias sociais vivem sob a permanente sensação de desmoralização e ameaça à sua integridade física e moral. A violência urbana é conseqüência inevitável de uma sociedade no qual dois terços da população economicamente ativa estão desempregados.

Por fim, seria difícil suscitar idéias a respeito da violência sem considerarmos algumas de suas causa e eventuais conseqüências da sua problemática. Com isso, é dever da sociedade protestar, pressionar e cobrar do poder público, medidas emergenciais que possam diminuir impacto destruidor e maléfico causado pelas ações de violência. Contudo, cabe também a ela, através de seus diferentes setores e segmentos, organizar e procurar novos caminhos para a consolidação da nossa frágil cidadania, onde o Estado Democrático de Direito possa cumprir o seu objetivo principal, garantir o meios legais para que alcancemos o tão sonhado bem-estar social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002.

S. Freud, " Pulsões e seus destinos ", in Obras Completas, Buenos Aires, Amorrortu, v. XIV, 1993, p.131.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social [1762]; Ensaio sobre a origem das línguas. 2a.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

__________ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens [1755]; Discurso sobre as ciências e as artes [1750]. São Paulo: Martins Fontes, 1993.


Autor: Wilson Machado


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