A Crise Americana E As Empresas Brasileiras



Como o Brasil, o “B” do “BRIC”, reagirá à quebra do sistema de crédito imobiliário americano e de seus principais ícones financeiros?

Apesar das propagandas otimistas de solidez, de fato, os efeitos já se manifestam e as piores conseqüências são as mais lentas, pois mesmo após o retorno a uma virtual estabilidade do sistema, continuarão corroendo, principalmente, as pequenas e médias empresas brasileiras, que lutam pela sobrevivência à custa de empréstimos e financiamentos.

Trata-se de uma pergunta difícil que, possivelmente, exige uma resposta ampla e complexa. Porém, sem a pretensão de analisar os cenários globais ou as consagradas teorias econômicas, podemos imaginar os principais impactos desse grande imbróglio, levando em conta a nossa vivência no tão sofrido dia-a-dia dos pequenos empreendedores.

Não seria surpresa percebermos alguns efeitos diretos no mercado, sendo que o primeiro deles atingiria, certeiramente, o sistema de crédito. A bem da verdade, a palavra “atingiria” não é a mais adequada, pois de fato, o mercado já foi atingido nos termos de restrição e na oferta de empréstimos, principalmente aos pequenos e médios tomadores. Basta uma rápida pesquisa nos juros de curtíssimo prazo, nas contrapartidas exigidas e nas restrições de tempo dos empréstimos.

Em um país onde a inflação tem sido administrada pelo controle do crescimento interno (aquecimento de consumo) a partir da variação dos juros (custo do dinheiro), não é difícil imaginar quão profunda e anestesiante pode ser a restrição de crédito. Com menos dinheiro no bolso, o consumidor acaba sendo contido pelas terríveis taxas do cartão de crédito e o empreendedor, pelo custo exorbitante do capital de giro. O primeiro deixa de consumir e o segundo deixa de sobreviver.

Uma das vertentes do alardeado índice de crescimento atual no poder de compra das faixas de baixa renda, tem sido, por certo, o alongamento dos prazos dos empréstimos com taxas mais competitivas e atraentes ao consumidor – prazos extremamente longos e parcelas aparentemente baixas.

Outro fator decisivo que muitos analistas comentam, mas que poucos, efetivamente, tecem considerações profundas e compreensivas, é o Real, nossa moeda, excessivamente valorizado, não apenas por diminuir os preços dos produtos importados, mas por gerar efetivas distorções estruturais de longo prazo nos princípios de sustentação dos sistemas produtivos e de prestação de serviços no país. Poucos se metem a analisar e comentar nessa seara, pois essas raízes são complexas, profundas e cercadas de marimbondos!

Fundamentalmente, o cenário de crescimento dos últimos 12 meses aliado à facilidade de crédito e aos preços mais competitivos surgidos com as importações mais baratas, tem impulsionado vários segmentos-chave da economia brasileira. Isso tudo aumenta a possibilidade de novos investimentos externos para os setores produtivos – que gozam de linhas de crédito fácil, atrativas e baratas para os grandes grupos empresariais (vetado aos pequenos empresários!) – e maior condição de compra ao consumidor, gerando, portanto, aquecimento no consumo.
 
De uma forma e de outra, pois o poder de compra e o aquecimento do mercado não são efeitos diretos e cartesianos desta ou daquela condição isolada, o fator determinante nessa equação é único – mais dinheiro na mão de quem compra.

Quer seja por aumento de renda, por empréstimos alongados e juros mais baixos, por preços menores dadas as condições de câmbio agindo nas importações, quer por incentivo político, eleitoreiro ou, até inesperado, o que vale, no final das contas, é o dinheiro disponível para consumir e trazer movimento crescente ao segmento produtivo do país.

Alguém, afinal, pode discordar disso?

Entretanto, na primeira estocada dessa grande crise, em meio ao aumento das incertezas e ante a desvairada volatilidade das bolsas de valores no mundo, as taxas de juros sofrem extremas pressões – seja pelo temor inflacionário do governo, ou pelos impactos da redução de disponibilidade de recursos – encurtando prazos e, enfim, freando o consumo.
 
Está lançada, assim, a grande onda desse choque!

Como podemos imaginar, esse impacto é composto por três fases – como fossem três estágios de uma onda: iniciando pequena e rápida, crescendo e derivando-se em forças em um momento intermediário, para em seu ápice final, configurar a grande onda de impacto que todos os economistas desenham em suas análises.

Assim, poderíamos dizer que o primeiro estágio da onda – o menor, mais rápido e específico – impacta, certeiramente, os pontos mais vulneráveis do consumo e do crédito. Esse estágio inicial já está, comprovadamente, presente no mercado, trazendo os efeitos silenciosos do maremoto. Na esfera dos negócios, atinge, imediatamente, as pequenas e médias empresas, segmento esse que financia suas operações e atividades a partir do empréstimo de curtíssimo prazo – o famigerado capital de giro (esse termo gera temíveis calafrios aos empreendedores).

O estágio intermediário dessa grande onda – aquele que tem maior amplitude, interferências e derivações de curto e médio prazos – é o que afeta as tendências dos sistemas produtivos, resultando numa série de fatores e manchetes que acabam derrubando as demandas de compra de produtos e serviços, e, em última instância, anestesiando e desequilibrando o comércio. Quem vive no dia-a-dia das empresas conhece bem a expressão: o mercado está morto!

A terceira e mais contundente fase dessa onda reflete as duas anteriores e gera profundas conseqüências estruturais, aquelas que afetam os fundamentos e os rumos da economia no médio e no longo prazos.

Se a onda menor pode impactar direta e rapidamente o público comprador, é também a mais suscetível a uma recuperação efetiva e imediata, normalmente, por meio de mudanças rápidas na política econômica funcional, buscando reatar a confiança do mercado comprador.

Na sua outra extremidade, fica fácil compreender o choque no perfil de médio e longo prazos ao imaginarmos, como exemplo, a forma com que a quebra de oferta de crédito pode afetar um dado segmento produtor, como a agricultura.

Tomando esse exemplo, podemos entender que ao viver dificuldades de financiamento na época do plantio, o efeito direto no longo prazo é o risco da quebra de safra. Com menos recursos o plantio pode ser menor, mais demorado (comprometendo os períodos de semeadura) e de menor qualidade (restringindo a preparação e a adubação do solo, o tratamento de pragas, o armazenamento, etc.), gerando menores volumes à colheita em momentos futuros – momentos esses em que, talvez, a estabilidade econômica já tenha sido alcançada e o tempo tenha relegado tal crise ao esquecimento.  

Colheitas menores ante a demanda constante e crescente, por certo, geram custos e preços maiores, e, portanto, repasses inflacionários. O resto, nós, estruturalmente, sabemos como funciona...

Assim, ainda que assistindo a quebradeira no quintal alheio, as conseqüências acabam, efetivamente, impactando os nossos mercados produtores e consumidores, mesmo que as vozes mais renomadas do cenário econômico e político preguem a total isenção. Afinal, não tem jeito, quando não há dinheiro, quando o seu custo é alto, e quando surgem restrições ao crédito, tanto quem compra quanto quem produz, acabam sofrendo da ausência de recursos, onde quem pode mais chora menos.

Enquanto que os governantes capitalizam manchetes nos grandes números e tendências futuras, as pequenas e médias empresas brasileiras subsistem dos detalhes e dos movimentos específicos da economia no dia-a-dia, diferentemente dos grandes conglomerados que podem gerar grandes déficits e péssimos resultados por longos períodos e, ainda assim, serem amparados pelo desempenho global de seus grupos controladores.

Como dizemos – a inflação é a maior preocupação institucionalizada do país, assim como uma gripe causa aflitivo temor a um convalescente de tuberculose, mas não podemos esquecer que as pequenas e médias empresas vivem do caixa, do giro e do crédito – sem isso, não adianta muito ficar ouvindo que está tudo bem e que estamos devidamente medicados...
    
Roberto A. Trinconi
CEO
EdgerSense Consulting
The Business Management Intelligence Company

 
Autor: Roberto A. Trinconi


Artigos Relacionados


O Que Nao Poderia Esconder

Se Eu Pudesse...

O Brilho Do Sol

Visão Que Conecte

Amor MatemÁtico

Gabriela

Senti Uma Dor No CoraÇÃo