Resenha Sobre A Imagem



No primeiro capítulo, "A parte do olho", AUMONT (1993) esclarece os processos físicos, orgânicos e psicológicos acionados na formação da imagem. Partindo de uma explicação de caráter teórico e científico, o autor explica o surgimento da teoria da percepção visual, que teve início na antiguidade e foi aprimorada na era moderna, por artistas, teóricos e cientistas como Leonardo da Vinci. Segundo o teórico, os desempenhos do olho incluem transformações ópticas, no qual o autor compara o ato de ver com o principio da câmara obscura, em que a luz refletida penetra por um orifício e, por meio do princípio de captura, forma uma imagem na parede do fundo. Esse processo ocorre de forma semelhante no olho humano, onde a luz é percebida na retina. Para o autor, a maneira como um olho vê, é comparável à maquina fotográfica no que diz respeito à parte ótica do processamento da luz. Isso porque, além das transformações ópticas, ocorrem também as químicas e nervosas, e aí os processos da visão humana são singulares. AUMONT esclarece que a luz é uma informação codificada, que o sistema visual localiza e interpreta quanto a sua intensidade, seu comprimento de onda, sua distribuição no espaço, de modo a produzir a visão. Esta pode ser de dois tipos: fotópica - percepção de um objeto iluminado pela luz diurna - ou escotópica – visão noturna, de fraca intensidade. Através do comprimento de onda dá-se a percepção da cor, que é definida pela comparação do matiz, da saturação e da luminosidade.

A questão do tempo está presente no processo de formação da imagem, ela se aplica no que concerne aos estímulos visuais que variam com a duração, aos movimentos constantes do olho humano e na percepção que não é instantânea e passa por vários estágios de percepção.

Para o autor é importante entender que na percepção visual é de grande valia ter clara a percepção do espaço, porque ela explica a relação do corpo e do deslocamento com a visão em si.Além disso, noções como gradiente de textura, perspectiva linear, entre outros, são informações de relevância nas imagens concretas como fotografias, pinturas, etc, pois correspondem à visão de um objeto no espaço.

Depois de passar do visível ao visual, AUMONT passa a tratar o imaginário.Assim, o autor expõe a atenção visual como um elemento essencial do ato de olhar. Esta atenção pode ser central, focalização nos aspectos mais importantes do campo visual; ou periférica, consideração pelos fenômenos deslocados do eixo, os elementos periféricos. Outro ponto importante é a busca visual, no qual o autor esclarece que o olhar sobre determinada imagem não é feito de maneira global, de uma só vez, mas centrando-se em alguns pontos mais providos de informação, ação definida como fixação sucessiva.

A respeito da percepção das imagens, o autor chama a atenção para a dupla realidade destas, pois numa imagem visual plana como uma pintura, uma fotografia, percebe-se um arranjo espacial semelhante ao que seria visto em uma cena real. É um processo simultâneo de percepção como um fragmento da superfície plana e como um fragmento do espaço real, fenômeno que AUMONT classifica como psicológico e afirma que a dupla realidade e aprendizagem desenvolvem-se com a idade e a experiência. O princípio da maior probabilidade é um ponto interessante no imaginário das imagens, pois nele o autor esclarece que o cérebro, diante de configurações ambíguas, escolhe a mais provável. Esse procedimento ocorre também na visão real. Na conclusão da primeira parte, o autor esclarece que não há imagem sem a percepção de uma imagem, ou seja, ela depende do espectador que a compreende, arbitrariamente ou não, inventa e dá a ela um sentido cultural quase imediato. Mas o processo em si de percepção de uma imagem é universal e inerente à espécie humana.

O segundo capítulo, "A parte do espectador", aborda uma componente bastante subjetivo do processo visual, o espectador. Parafraseando AUMONT (1993, p. 77) o sujeito não pode ser definido de forma simples, pois sua relação com a imagem é definida pela sua capacidade de percepção, pelo conhecimento prévio, pelos valores e gostos e por sua vinculação num contexto. Ao analisar a imagem e seu espectador o teórico questiona porque se olha uma imagem e sua resposta imediata é que a imagem, por estar vinculada ao domínio do simbólico, é a mediação entre o espectador e a realidade.Na relação da imagem com o real, o autor adota como referencial as reflexões de RUDOLPH ARNHEIM (1969) que coloca na imagem um valor de representação, pois representa coisas concretas, um valor de símbolo, já que representa coisas abstratas e um valor de signo quando representa um conteúdo amplo, que não vem expresso por caracteres. Além do mais, a imagem é dotada de função, que pode ser: simbólica, epistêmica – quando a função de conhecimento é atribuída à imagem, estética, função hoje indissociável da arte e da imagem que visa obter um efeito estético.

Com base em GOMBRICH (1965), AUMONT norteia sua teoria. Para ele, relação entre espectador e imagem é uma atividade recíproca: ao mesmo tempo que o espectador a constrói, ela também o constrói. Assim ele entra na esfera do reconhecimento, atividade que não é um processo de mão única, porque a arte representativa, ao imitar a natureza proporciona um prazer no seu espectador, que é influenciado na maneira de apreender a realidade. Este reconhecimento está ligado à rememoração, esta se torna acessível através dos esquemas – processos mentais que o espectador realiza e relaciona com a informação que está recebendo – que possibilita conhecer características mais gerais de períodos e relacioná-los a imagens vistas pela primeira vez.

Ainda seguindo GOMBRICH, AUMONT relata o papel do espectador: o observador constrói seu conhecimento através da percepção visual e de seu conhecimento prévio preenchendo as lacunas da representação. Por isso, AUMONT (1993, p. 88) coloca que a parte do espectador é projetiva, e que este tem um papel ativo.

A ilusão representativa é abordada com relação à imagem. Desse modo, o autor afirma que só existe ilusão se duas condições são satisfeitas: a condição perceptiva, na qual o sistema visual deve ser incapaz de distinguir entre dois ou mais conteúdos de percepção; e a condição psicológica, em que o sistema visual entrega-se a uma interpretação do que percebe. Assim, a ilusão só se produz quando produz um efeito verossímil, ou seja, quando o espectador crê que a imagem vista pode acontecer de fato na realidade. Dialogando com a condição psicológica, encontra-se a base sociocultural, em que o objetivo da ilusão é tornar a imagem mais crível como reflexo da realidade.

Quando teoriza a ilusão na representação, AUMONT (1993, p. 103) esclarece três conceitos importantes na teoria do espectador: representação, ilusão e realismo, impressões que podem ser vividas pelo receptor da obra. Então, coloca que a representação é arbitrária, ou seja, não respeita leis ou regras e é resultante do arbítrio de alguém, mas essa é uma tese que não pode ser sustentada totalmente. O teórico afirma que na representação o espectador consegue ver uma realidade ausente. Já a ilusão é o fenômeno psicológico que, em determinadas condições psicológicas e culturais, é provocado pela representação. O realismo, por sua vez, é um conjunto de regras sociais que gera a relação entre representação e o real de modo aceitável.

Na tentativa de despertar a impressão de realidade, o cinema é o gênero artístico que o espectador está mais investido de forma psicológica na imagem, como afirma AUMONT (1993, p. 111). Isso pode contribuir para aumentar o efeito de realidade, mas para isso é preciso que as imagens respeitem convenções de natureza plenamente históricas. Assim, entra novamente em questão a verossimilhança, que "induz a um julgamento de existência (...) já que o espectador acredita não que o que vê é real, mas que o que vê, existiu ou pode existir no real" OUDART apud AUMONT (1993, p. 111).Algo que merece destaque é a idéia de que o efeito de real pode ser utilizado como regulagem do comprometimento do espectador na imagem, ou seja, até que ponto ele pode acreditar na realidade de tal imagem. Pode-se entender este ato como o sentido crítico do espectador aflorando ao visualizar uma obra.

Um outro ramo do saber é incorporado à teoria da imagem no tópico que desenvolve "O espectador como sujeito desejante". A partir de uma perspectiva psicanalítica, que trabalha com a dicotomia consciente e inconsciente, a arte imagética passa a ser tratada como sintoma, mas não como reações de um sujeito neurótico e sim como uma produção organizada segundo regras do inconsciente.Conforme AUMONT (1993, p. 177), a imagem contém o inconsciente, e como este é "inacessível à investigação direta, só pode ser conhecido indiretamente através das produções sintomáticas que o traem".

Dentre os conceitos da psicanálise abordados no capítulo, encontra-se também a questão do afeto, das emoções e da pulsão. O afeto como uma manifestação de um sentimento relativo à imagem vista: repulsa, amor, etc. As emoções, sugerindo um efeito catártico do espectador, como o de um filme, por ter feito parte de um mundo ficcional, relacionando-se com personagens e enfrentando situações diversas. Já a pulsão, ou necessidade de ver, encontrou no cinema seu melhor exemplo, pois este conjuga a imagem visual e a narração e, conforme o autor (1993, p. 125), "articula mais manifestamente o desejo e as pulsões".

No tópico "O gozo da imagem", entra em discussão a teoria de ROLAND BARTHES (1980) em que está centrada a relação do espectador com a imagem fotográfica. O fotógrafo, para BARTHES, tem uma intenção ao fotografar determinada imagem, mas o espectador da imagem fará associações subjetivas. Assim, o lugar do espectador não pode ser universalizado, pois cada leitura é própria de um sujeito.

Na conclusão do capítulo, AUMONT esclarece o papel do espectador na teoria da imagem. A imagem, segundo ele, é sempre modelada por estruturas profundas, mas é também um meio de comunicação e de representação do mundo. Sendo assim, ela pode refletir o elemento cultural de determinado contexto.Então, quando o autor afirma que "a imagem é universal, mas sempre particularizada", é porque o sujeito que olha a imagem é levado em consideração.

No terceiro capítulo, "A parte do dispositivo", entra em consideração as condições em que a imagem foi criada e as determinações sociais de tal imagem. O primeiro aspecto abordado no capítulo é o espaço plástico e o espaço do espectador. Por espaço plástico, entende-se os elementos como a superfícieda imagem, a gama de valores – luminosidade -, a gama de cores e a matéria da própria imagem, com os quais o espectador se defronta.

Muitas técnicas evidenciadas por AUMONT (1993) esclarecem aspectos do dispositivo: os modos de visão, o tamanho da imagem, o close, a moldura – que delimita o espaço da imagem dentro da realidade. No caso da moldura o autor esclarece diversos aspectos que nem sempre são percebidos pelo espectador comum, como as funções desta que podem ser: visuais (separar a imagem do que está fora dela); econômicas (significar o valor do quadro); simbólicas (como deve ser vista a imagem, que convenções ela segue e qual seu valor); representativa e narrativa (a metáfora da janela aberta para o mundo); retórica (profere um discurso que convence o espectador de uma idéia). Somando-se a isso, o autor descreve outros recursos como o centramento, o enquadramento, a pirâmide visual, elementos que fazem parte do nível técnico do capítulo.

Dentro deste capítulo, a questão do dispositivo interligado à técnica e à ideologia é algo bastante interessante. Nele o autor parte da técnica de qualquer dispositivo para ligá-la à esfera do simbólico. Assim, a fotografia adquire um efeito sociológico, pois a arte fotográfica – arte média para BOURDIEU – pode ser estudada como prática social situada entre o divertimento e a arte. Além de BOUDIEU, outros teóricos trabalharam a relação entre a arte e a história, como ARNOLD HAUSER, BAXANDALL, citados por AUMONT (1993, p. 186). Dentro desta perspectiva, o que os teóricos constatavam era a repetição de certos motivos como, por exemplo, os textos bíblicos, o gestual da corte na Idade Média, que leva a concluir que o dispositivo da arte é influenciado por fatores sociológicos. Como AUMONT coloca: "o dispositivo é o que regula a relação do espectador com a obra" (1993, p. 188) e define-se por seus efeitos ideológicos.

Ao concluir o capítulo, AUMONT coloca que o estudo do dispositivo é um estudo histórico e depende de um contexto social determinado. Por isso, para o autor, o estudo do dispositivo pode aproximar diferentes tradições teóricas e críticas através do cruzamento de informações e do diálogo estabelecido entre os diferentes períodos.

O quarto capítulo aborda "A parte da imagem" e trata da relação que a imagem estabelece com o mundo real, ou seja, como ela o representa. Por isso, o autor inicia com a discussão de analogia, que é a semelhança entre a imagem e a realidade. AUMONT afirma que não existe olhar inocente e que, ao copiar o real, o artista dá um sentido para a sua cópia. Sendo assim, a realidade copiada está carregada de significados e simbolismos que o próprio artista coloca. Como AUMONT (1993, p. 203) afirma, "as imagens analógicas foram sempre construções que misturavam em proporções variáveis imitação da semelhança natural e produção de signos comunicáveis socialmente", então mesmo que varie o grau de analogia, ela sempre está contida na imagem.

Autores como ROLAND BARTHES, HUMBERTO ECO, CHRISTIAN METZ trabalharam na tentativa de desligar a noção de imagem de analogia. Para METZ, a analogia veicula uma mensagem que nada tem de analógica, nem visual, como é o exemplo da publicidade e da religião. Já BARTHES, ao aprofundar a questão da fotografia, afirma que a imagem não representa uma realidade desinteressada, pois toda imagem veicula muitas conotações provenientes de códigos ideológicos.

O autor retoma a questão do realismo na imagem e de início distingue realismo e analogia, pois "se a analogia diz respeito ao visual, às aparências, à realidade visível, o realismo diz respeito à informação veiculada pela imagem, à compreensão, à intelecção" AUMONT (1993, p. 207). Para o autor, os diferentes estilos de realismo são determinados pela demanda social, ou seja, ideológica.

No último capítulo da obra, "A parte da arte", AUMONT distribui a imagem em três modalidades: a imagem abstrata, a imagem expressiva e a imagem aurática.

Ao iniciar, desenvolve a imagem abstrata e esclarece que a arte abstrata é dotada de uma definição negativa, pois ela é a arte das figuras não-representativas, é uma arte na qual o seu autor evidencia sua necessidade de expressão e que, muitas vezes, se deu na contra-mão da ideologia dominante, permitindo que os artistas a inventassem. Isso trouxe para a arte representativa uma mudança radical, pois a representação perdeu seu valor absoluto adquirido na Academia. Mas, com o surgimento da fotografia e do cinema, a representação da imagem real recuperou seu status de arte.

A imagem expressiva, que é abordada em seguida, tenta definir o que significa o termo expressão. O termo pode ter uma definição pragmática que induz o espectador a certo estado emocional. Mas a emoção não é gerada somente pela imagem, e sim resultado da combinação da obra de arte com a música, por exemplo, utilizados conscientemente e de modo a suscitar comoção. Em uma definição mais realista, o termo expressão refere-se àquilo que exprime realidade, que toca o espectador e este aceita transferir emoção para a realidade representada.Há também a definição subjetiva, na qual a obra exprime informações sobre o sujeito criador. E, por último, a definição formal na qual os elementos expressivos remetem a componentes históricos, contextuais e também à situação histórica do espectador. Concomitantemente com as definições, surgem também as críticas, pois a noção de expressão é problemática, já que varia de acordo com os valores estéticos que vigoram na sociedade, também porque está sempre conexa com uma significação, assim, a expressão está dentro da obra e fora da obra, eterna e histórica, como coloca AUMONT (1993, p. 280).

Dentre os meios de expressão, o autor desenvolve o material e a forma como a imagem é veiculada, o estilo e o efeito produzido.

Na abordagem da imagem aurática, AUMONT começa com a definição de obra de arte. Por se tratar de um termo amplo, ele define de acordo com os padrões de determinados períodos, como o Antigo, tendo a Grécia como base (padrões de beleza, harmonia, equilíbrio eram obedecidos); e também no período renascentista (virtuosismo técnico, elo entre arte, conhecimento e filosofia) e, assim, deixa implícito que dependendo dos padrões de cada período, as regras mudam e o conceito de arte também, evidenciando seu dinamismo.

Dentro da concepção de arte, dois termos são importantes: o arbitrário, sobre o qual o autor esclarece que a definição de arte é de caráter relativo. O autor afirma também que se existe uma concepção dominante ou institucional de arte é que obra de arte é o socialmente reconhecido, ou seja, que faz parte do cânone.O outro termo que o autor desenvolve é a aura, que pode ser entendido como a atmosfera que a obra de arte pode mostrar para o seu espectador, que lhe dá um valor especial. Para o autor, a arte responde a uma necessidade da sociedade, primeiramente foi religiosa, desejando aproximar-se do sagrado, transcendendo as limitações humanas. No entanto, esta aura foi perdendo o seu valor e hoje a aura artística é associada à instituição e à importância histórica das obras do passado.

A estética está intimamente ligada à arte, por isso o autor desenvolve algumas posições sobre este conceito, relata a questão do Belo, passando por filósofos como KANT, HEGEL e BENEDETTO CROCE.


Ao concluir a resenha deste livro é interessante destacar a opinião do autor ao relatar o prazer que a arte proporciona, a imagem mais precisamente.

Segundo ele, esta imagem vai suscitar sensações diversas em seu espectador, mas esse prazer ou desprazer vai estar atrelado a questões ideológicas e sociais e vai depender do que o espectador considera artístico.

Para JACQUES AUMONT (1993, p. 313), o "prazer da imagem é inseparável de um suposto prazer do criador da imagem", sendo assim, autor e receptor dialogam a respeito do conteúdo da obra e uma obra realmente bela é a que proporcionou prazer ao seu autor.

Por fim, é importante ressaltar a relevância da obra A IMAGEM como material de estudo no que se refere à comunicação visual, já que trata cientificamente e esteticamente muitos conceitos relacionados a esta ciência.


Autor: Tania Regina Martins Machado


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