O Sonho de dona Quinha



O sonho de dona Quinha

                                   Léa Mattar Leister

 

            Em pleno século XXI, ainda, algumas pessoas, trazem em si, o ranço de uma educação arcaica, em que a mulher era vista como um ser inferior - enquanto solteira, devia obediência ao pai, e depois de casada, era posse do marido.

            Dona Quinha era dona de casa, analfabeta e obedecia cegamente a seu marido, seu Zé. Homem seco de sentimentos que era literalmente seu algoz.

Dona Quinha passou sua vida ali, confinada entre as paredes de sua casa, e dos muros de seu quintal. Só teve um filho, cujo parto realizado em casa teve algumas complicações, por isso, nunca mais engravidou. Só via seus pais uma vez por ano, no Natal. Não conhecia o centro comercial da própria cidade onde morava, nunca havia ido a um supermercado. Seu Zé é quem fazia as compras.  As roupas eram todas feitas por ela, inclusive as íntimas. Na casa de seu Zé, as coisas funcionavam como ele queria e ordenava.

Um dia ele comprou uma televisão só para ele. Nem a mulher nem o filho podiam tocar um dedo naquele aparelho. A mulher lhe preparava um prato e ele almoçava e jantava assistindo ao jornal, enquanto ela e o filho comiam na cozinha. Dona Quinha odiava aquele treco, pois, enquanto seu Zé fazia as refeições lá na sala, lá da cozinha ela o ouvia praguejando contra o governo, contra os políticos e contra tudo o mais que pudesse.

Um dia, na hora do intervalo do jornal, passou uma propaganda sobre um ferro elétrico a vapor. Dona Quinha, passando pela sala em direção ao quarto ficou maravilhada, nunca tinha visto nada igual, ela parou em frente à televisão e ficou extasiada com tamanha praticidade. Aos gritos, seu Zé fê-la voltar de seu êxtase, então, aquele aparelho passou a ser o seu “sonho de consumo”, pois, o ferro de passar que possuía era tão antigo que o rabicho ainda era do tipo removível, e, de vez em quando a resistência precisava ser trocada, mas, seu Zé achava que era um luxo desnecessário comprar algo moderno, já que aquele ainda servia muito bem.

Dona Quinha encheu-se de coragem e lhe pediu um ferro daquele tipo, moderno, a vapor e bonito. Porém, seu Zé arregalou os olhos, encostou o dedo no nariz dela e disse aos berros – Veja se tenho cara de palhaço, você acha que meu dinheiro é capim? Ela encolheu-se, e de medo, ficou muda por um bom tempo. Seu Zé saiu batendo tudo e foi trabalhar, e nunca mais se tocou no assunto. Porém, todas às vezes que ela ia passar roupas, se imaginava segurando um aparelho daquele que saía um vaporzinho gostoso que umedecia a roupa e que ficava tudo bem passadinho.

            Valdo era o único filho do casal e tinha muita pena da mãe, mas não podia fazer nada. Com quatorze anos, conversou com a diretora de sua escola, explicou sua situação e passou a estudar à noite para poder trabalhar durante o dia, queria se tornar o mais rápido possível independente e seguir seu caminho, pois ele não suportava o pai. Ele sempre dizia – Mãe, um dia eu vou tirar a senhora dessa prisão.” Ela o abraçava, o acariciava e dizia que estava tudo bem, que ele não amargurasse o seu coraçãozinho de menino. 

            Anos depois, na casa de seu Zé, a televisão já era de última geração, porém o ferro de passar ainda era o mesmo. Um dia, enquanto seu Zé jantava alguém o chamou no portão. Era voz de mulher. Ele ficou tão perturbado que saiu rapidamente deixando a televisão ligada. Ele se demorou, o jornal terminou e começou a novela. Dona Quinha passou pela sala para ir até a porta e ver de quem se tratava, pois mesmo não ouvindo bem as palavras sabia que ele brigava com alguém lá fora. Ao passar em frente à televisão viu Juliana Paes nua em pelos. Paralisou-se, não conseguiu dar mais nenhum passo. Ficou envergonhada, como se ela estivesse invadindo a privacidade da atriz. Colocou as mãos nos olhos e olhava por entre os dedos. Como uma criança que quer entender algo, levava a cabeça a um lado ao outro, enquanto lá fora o “bicho pegava”.

            De repente seu Zé entrou feito um furacão, ele estava roxo, dona Quinha assustou-se, ficou envergonhada e amedrontada, pensou que ele iria agredi-la por vê-la ali olhando para o aparelho, porém, seu Zé, resmungou algumas palavras e caiu durinho no chão, enfarte fulminante.

            Dias depois do enterro, o filho a levou para providenciar sua pensão, ela não entendia nada, mas, em companhia do rapaz sentia-se feliz e segura. Andava pelas ruas como se estivesse num parque de diversões, tudo era novidade.

            Recebeu um seguro espetacular e passou a receber uma pensão que nem em seus sonhos imaginara. Disse Valdo – Mãe, agora a senhora poderá comprar o quiser e terá que fazê-lo, já que trabalho longe e não poderei assumir esse compromisso. Vou te explicar o que fazer e tudo ficará por sua conta, tá?

            A primeira coisa que dona Quinha fez foi comprar uma mesa de passar e um ferro a vapor do mais moderno, e nem se preocupou com o preço.

            À noite, dona Quinha serviu o jantar para o filho na sala, fê-lo ligar a televisão, armou a mesa de passar, colocou a cesta com as roupas para passar numa cadeira e preparou seu ferro maravilhoso. Depois andou para lá, andou para cá, e, olhava para sua aquisição com tanto prazer que parecia ter adquirido algo raro. Seu filho jantava e assistia ao jornal, mas, em silêncio a observava. Então dona Quinha abriu a porta da sala, parou na soleira, olhou para o céu como se seu Zé pudesse vê-la e ouvi-la, então, fazendo “uma banana” falou – Zé, oi aqui pro cê!

 

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Autor: Léa Mattar Leister


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