PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA NA ATUAL REALIDADE PROCESSUAL PENAL



PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA NA ATUAL REALIDADE PROCESSUAL PENAL.

Jailton Luiz de Vasconcelos Araújo Júnior. Serventuário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito de Garanhuns – FDG/AESGA. Graduado em Licenciatura para o Ensino de História pela Universidade de Pernambuco – UPE. Aluno do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processual Penal da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.

INTRODUÇÃO 

A nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, e como conseqüência decorrente do Princípio do Devido Processo Legal foi adotado pela doutrina, bem como nas legislações, o denominado Princípio da “Presunção de Inocência”.

Ainda nesse sentido, o art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, “toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada”, o que também foi reiterado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres, de 2 de maio de 1948, e ainda, no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU.

Nesse contexto legal, alguém que fosse acusado de praticar alguma infração penal, militaria em seu favor, uma “presunção de inocência”, até que sobreviesse uma sentença penal condenatória irrecorrível o declarando culpado.

É com base nesse princípio, que este artigo procurará através de sucinta explanação abordar questões quem impliquem na “presunção de inocência” de uma pessoa que esteja sendo imputada de praticar infração penal, nesse novo cenário processual penal, especificamente com as reformas sofridas pelo CPP no ano de 2008 e 2012. 

  1. PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA 

A doutrina afirma que o princípio da “presunção de inocência” desdobra-se em três aspectos, a saber: a) no momento da instrução processual, como presunção relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual[1].

É importante destacar que tal princípio não trata de uma presunção absoluta, caso contrário, uma eventual sentença condenatória transitada em julgado não a eliminaria, no entanto, a “presunção de inocência” é relativa.

Atualmente a doutrina e a jurisprudência têm entendido que existe apenas uma tendência à presunção da inocência, ou seja, alguém acusado de praticar alguma infração penal é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Dessa forma, a melhor denominação para o aludido princípio é de “Princípio da Não-Culpabilidade”. Por isso, a nossa Constituição Federal não “presume” a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado[2]. A nossa Constituição, com efeito, não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré-processual) quanto a fase processual propriamente dita (ação penal)[3].

  1. ESTADO DE INOCÊNCIA E DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE COM O ADVENTO DA LEI 12.403/12. 

Superado o conceito do Princípio do Estado de Inocência, necessário se faz uma reflexão no que diz respeito às mudanças trazidas ao Código de Processo Penal em relação à prisão em flagrante delito, já que com as novas inovações trazidas pela aludida lei, muitos debates surgiram a respeito do tema.

Pois bem, muito se tem discutido a respeito da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, por parte do juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, podendo o mesmo também, relaxar a prisão ilegal, ou conceder a liberdade com ou sem fiança, conforme inteligência do art. 310 do CPP. A principal crítica realizada com essa inovação concerne justamente na conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, desde que as medidas cautelares diversas da prisão se revelem inadequadas ou ineficientes, quando o juiz está apenas de posse do auto de prisão em flagrante, o qual composto apenas dos depoimentos da vítima quando possível, das testemunhas e ouvida do autuado, além dos demais documentos pertinentes, sem qualquer elemento material eficaz, consistente no auto, capaz de dar suporte técnico ao magistrado para possível decisão de necessidade da custódia cautelar provisória.

É cediço que sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado e, isto sim, violaria o princípio da presunção da inocência[4].

Para a decretação da prisão preventiva de alguém, o magistrado deverá observar os pressupostos e requisitos autorizadores para tal medida, previstos nos artigos 311, 312 e 313 do CPP, e o questionamento surge a partir do momento em que o magistrado de posse do auto de prisão, sem os elementos instrutórios necessários para aferição da necessidade, materialidade e indícios de autoria poderá dar uma decisão devidamente fundamentada pela custódia preventiva do autuado, imputado de praticar uma infração penal.

Se um dos pressupostos para decretação da prisão preventiva é a prova da existência do crime (prova da materialidade delitiva), como poderá o magistrado, de posse de um auto de prisão em flagrante delito de um autuado, imputado de supostamente cometer um delito de estupro, “mediante conjunção carnal”, onde logicamente sabemos que o Estado não é capaz de proceder a uma perícia sexológica, em um lapso temporal de 24 horas, para acompanhar e instruir o auto de prisão em flagrante fundamentará sua decisão nessa materialidade - direta – evidenciando em sua decisão que há materialidade delitiva?

Frise-se ainda o fato de, se o magistrado ainda não tem as informações completas no auto de prisão que possam dar sustento a afirmação da presença da materialidade delitiva, o que dizer então quanto às informações que subsidiarão na aferição da periculosidade do agente, uma vez que certamente, não haverá tempo necessário para que o Estado colha e disponibilize recursos mínimos para tais informações, como os antecedentes criminais do autuado?

Dessa forma, o que se tem verificado é que na homologação do flagrante, o magistrado tem mantido a prisão em flagrante delito, afirmando que naquele momento não tem os subsídios completos para aferição dos pressupostos necessários à decretação da prisão preventiva do autuado, quando não for o caso de relaxamento da prisão ilegal, como da concessão da liberdade com ou sem fiança. Sendo assim, em que consistiria a manutenção do autuado preso por falta de pressupostos, os quais não aferidos naquele momento, pela falta de amparo técnico e eficaz do próprio Estado?

A manutenção do estado flagrancial tem sido o argumento utilizado pro alguns magistrados, que depois de recebido o auto de prisão em flagrante, não tem elementos mínimos necessários que dêem suporte para a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, optando por não conceder, naquele momento, a liberdade, sem fiança, quando se estiver diante de crimes que não sejam afiançáveis.

Nesse ponto, pelo que foi abordado quanto ao Princípio do Estado de Inocência, que apesar de ter efeito relativo, verifica-se que a luz de tal princípio, não há vedação na decretação da prisão preventiva, uma vez que a presunção de não-culpabilidade poderá ser mitigada, no entanto, quando o magistrado observar que no auto de prisão em flagrante não há elementos instrutórios suficientes para o embasamento na fundamentação para decretação da prisão preventiva, por falta de suporte material mínimo exigido, deverá conceder ao autuado, a liberdade, e aplicar desde logo medida cautelar diversa da prisão naquele momento, que seja eficaz e suficiente para não prejudicar a instalação de futura ação penal.

  1. 3.    DA PONDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA E DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE

 

A Lei nº 12.403/12 trouxe inovação ao ordenamento jurídico, instituindo medidas cautelares diversas da prisão, além de estabelecer que a prisão preventiva somente deverá ser decretada quando estas medidas não forem suficientes ou adequadas.

Desta feita, implica na necessidade de se demonstrar, através de elementos fáticos extraídos do caso concreto, a real necessidade de se decretar a prisão preventiva, demonstrando ainda que a futura ação penal, alvo principal da medida cautelar, não estaria devidamente protegido, ante a aplicação de medidas cautelares diversas do encarceramento.

Como se sabe apesar de prevista em nossa Constituição Federal, a prisão preventiva é medida excepcional e sua imposição só se sustenta quando presentes os seus requisitos autorizadores.

Então o que dizer da controvérsia gerada a respeito da decretação da prisão preventiva, ainda quando o juiz só está de posse de um auto de prisão em flagrante, ou seja, ainda em fase de investigação policial, onde certamente não há qualquer pedido de prisão por parte do órgão acusador, o qual, de acordo com a lei, é só comunicado da prisão em flagrante?

Temos visto que muitos magistrados decretam a prisão preventiva quando recebem o auto de prisão em flagrante, sem qualquer requerimento do Ministério Público, como também não convertem a prisão em flagrante em preventiva, no entanto mantêm o autuado preso, sem qualquer decreto de prisão, porém determinando que há um estado flagrancial e que tal estado deverá perdurar até que sejam os autos instruídos com provas que dêem suporta técnico para aferição da necessidade de decretar a prisão preventiva., numa afronta ao princípio do estado de inocência.

Há nesse jogo uma ponderação de princípios, quais sejam, o do Estado de Inocência ou da Não-Culpabilidade e o do In Dubio Pro Societate. No entanto, num Estado Democrático de Direito, antes os princípios explícitos e implícitos insculpidos em nossa Constituição Federal, não deve o Estado se prevalecer de instrumentos que tornem medidas de ultima razão a regra supostamente garantir o que não se garante.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Dessa forma, ante tudo o que fora brevemente abordado, tem-se que diante de um caso de recebimento de um auto de prisão em flagrante, onde a pena privativa de liberdade, cominada ao delito, for superior a quatro anos de prisão, mesmo estando diante de crime grave, não poderá o magistrado, sem antes ouvir o órgão acusador decretar de plano a prisão preventiva do autuado, devendo no caso concreto, determinar a aplicação de medida(s) diversa(s) da prisão, que seja(m) eficaz(es) ao resguardo e proteção efetiva da futura ação penal, com também, se for o caso conceder liberdade e somente em casos específicos, desde que extremamente necessário e devidamente fundamentada decretar a prisão preventiva, mas não como regra, em virtude de se ferir os princípios do Devido Processo Legal, Da Paridade de Armas, e como conseqüência, do Estado de Inocência.

REFERÊNCIAS 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva.  2009; 

MIRABETE, Julio Fabbrine. Processo Penal. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Atlas.  1998; 

PACELLI. Eugênio Oliveira. CURSO DE PROCESSO PENAL. ATUALIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL – Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011. 


[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva.  2009. p. 44.

[2] MIRABETE, Julio Fabbrine. Processo Penal. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Atlas.  1998. p. 42.

[3] PACELLI. Eugênio Oliveira. CURSO DE PROCESSO PENAL. ATUALIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL – Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011.

[4] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva.  2009. p. 267.


Autor: Jailton Luiz De Vasconcelos Araújo Júnior


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