Ética: Da Grécia Ao Cristianismo



Neri de Paula Carneiro

O ser humano pode ser caracterizado de diversas formas. E uma delas, com certeza, é sua dimensão social em que se manifestam as posturas éticas e políticas, graças às quais podem ser construídas as relações sociais.

Resta saber, como nossa sociedade se estruturou com os valores que observamos atualmente?

Nossa sociedade é tributária da sociedade grega e romana. Nossos padrões e conceitos ético-morais originam-se nessas duas sociedades. A reflexão ética, entretanto provém dos gregos.

A ética que nós defendemos provém da idéia de valores. Essa, por sua vez desenvolveu-se a partir das indagações socráticas e das classificações aristotélicas. Foram aprimorados pelos sofistas, pelos pensadores helenistas até chegar à reestruturação feita pelo cristianismo.

Costuma-se dizer que o período áureo da filosofia antiga corresponde ao tempo de Sócrates, Platão e Aristóteles. Nesse período se definiu a Dialética Socrática, a dicotomia Platônica e a Metafísica Aristotélica, entre outros pontos centrais do pen­samento dessa tríade. Destacando-se que com Aristóteles se fundamenta também a Política e a Ética, mostrando que o ho­mem é um animal, não só racional, mas também político e como tal vivendo numa coletividade em que são necessárias, além das normas jurídicas, as normas de convivência.

Para estas reflexões estamos seguindo o esquema do texto de Marilena Chauí (2005), que não trata do pensamento de Platão, ao discutir a ética. Não se deve esquecer, entretanto, que a maior parte das informações sobre Sócrates são originárias de Platão, que não está sendo comentado aqui.

Alertamos, também, que estas reflexões nasceram como subsídio para aulas de ética profissional, ministradas na Faculdade de Pimenta Bueno – FAP, par os cursos de Administração de Empresas, Sistema de Informação, Letras e Pedagogia, a partir de 2005. portanto não são textos conclusivos, mas material de apoio.

1- Postura socrática

Sócrates, pelas ruas de Atenas indagava a seus interlocutores: o que é a coragem, a justiça, a amizade... Respondiam-lhe que isso eram virtudes. E o que é virtude? Agir em conformidade com o bem, respondiam os atenienses. O que é o bem? As indagações socráticas mostravam ao interlocutor que o aquilo que ele imaginava saber era o que lhe havia sido ensinado quando criança, e, nem sempre verdadeiro.

"Após um certo tempo de conversa com Sócrates, um ateniense via-se diante de duas alternativas: ou zangar-se com a impertinência do filósofo perguntador e ir embora irritado; ou reconhecer que não sabia o que imaginava saber, dispondo-se a começar, na companhia de Sócrates, a busca filosófica da virtude e do bem" (Chauí, 2005, p 311).

Os atenienses se irritavam com Sócrates por que se percebiam em dois erros: "confundiam valores morais com os fatos constatáveis e sua vida cotidiana (...); tomavam os fatos da vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes" (Chauí, 2005, p 311). Na realidade as pessoas confundiam (e ainda confundem) fatos e valores. Valorizavam uma conduta corajosa, sem entender o que é a coragem; valorizavam uma conduta justa, mas não sabiam o que era a justiça.

As perguntas socráticas visavam buscar o sentido e a razão de ser dos costumes estabelecidos (valores transmitidos de geração em geração); visavam saber as disposições de caráter que levavam alguém a transgredir ou a respeitar os valores estabelecidos.

"As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos pela determinação de seu ponto de partida: a consciência do agente moral. É sujeito ético ou moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é bem não poderá deixar de agir virtuosamente." (Chauí, 2005, p 311)

2-A classificação aristotélica

A Sócrates devemos as origens da reflexão moral; mas é a Aristóteles que devemos a organização dos saberes como teoréticos, realidades independentes da ação ou vontade humana; e práticos, que só existem como conseqüência de nossas ações. A ética e a política são, portanto, saberes práticos.

Também provém de Aristóteles a definição dos campos da ética que não se esgota na reflexão sobre a virtude, o bem e a obrigação, mas à deliberação e a escolha. Assim sendo, para as realidadesque são determinadas por leis universais não cabe análise ético-moral. "Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e existir, depende de nossa vontade e de nossa ação" (Chauí, 2005, p 312). Assim sendo não deliberamos sobre o que é necessário, mas sobre o que é possível.

À idéia de consciência moral, de Sócrates, Aristóteles acrescenta a idéia de vontade guiada pela razão. É ainda de Aristóteles outra definição das diferenças entre o que é por natureza e o que é por vontade.

"A importância dada por Aristóteles à vontade Racional, à deliberação e à escolha o levou a considerar, entre todas as virtudes, uma delas como condição de todas as outras e presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática."(Chauí, 2005, p. 314)

3- Os sofistas

Antes destes dois pensadores, entretanto, não podemos nos esquecer dos Sofistas. Pensadores que rivalizaram com Sócrates, mas que apresentaram algumas inovações na reflexão sobre os costumes. Reale e Antiseri (1990, p. 73) afirmam que aos sofistas se deve uma verdadeira "revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da phisys e do cosmo para o homem e aquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade. É compreensível, portanto, que a sofistica tenha feito de seus temas predominantes a ética, a política, a retórica, a arte, a língua, a religião e a educação, ou seja, aquilo que hoje chamamos a cultura humana".

Da ética sofistica talvez uma das afirmações mais importantes seja esta, de Protágoras, dizendo que:

"o homem é a medida de todas as coisas, das que são por aquilo que são e das que não são por aquilo que não são". Radicaliza ainda mais a subjetividade ao afirmar que "tal como cada coisa aparece para mim, tal ela é para mim; tal como aparece para ti, é para ti" (Protágoras, apud Reale; Antiseri, 1990, p. 76)

O Legado Grego, ou sua herança, para a reflexão éticae para a postura moral, consiste nos seguintes princípios:

Os seres humanos aspiram pelo bem pela felicidade, a ser alcançados pela conduta virtuosa;

A virtude é uma excelência alcançada pelo caráter o qual determina a consciência do Bem;

A conduta ética é aquela em que o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar.

Com essas idéias se encerra o período considerado clássico do pensamento Ocidental.Após a morte dos pensadores clássicos seus discípulos se espalham. Surgem outras escolas e correntes de pensamento. É quando se desenvolve o Helenismo e a partir dele o cristianismo

4- O Helenismo

Posteriormente a atuação de Sócrates, Platão e Aristóteles começa o período que se convencionou chamar de Helenismo. Período que vai da con­quista das Alexandre Magno, da Macedônia, até a completa dominação romana, por volta do século I aC. O que vem a ser o Helenismo? Em poucas palavras é a cultura grega misturada com elementos das culturas orientais.

Pode-se ler em Chalita (2005, p. 73):

"As póleis haviam perdido muito de sua autonomia; antes, as cidades gregas eram praticamente autônomas, e naquele período tiveram de se subordinar à dominação Macedônia (...). Assim, o espaço público, que no passado era tão valorizado, perdeu muito de sua importância. Ao mesmo tempo, as conquistas de Alexandre Magno colocaram os gregos em contato com elementos culturais de diversos povos, introduzindo na Grécia novos conceitos sobre o mundo e o modo de viver e agir em sociedade"

E continua, falando sobre a filosofia:

"As correntes filosóficas que floresceram no período helenístico tinham como principal preocupação a vida do ho­mem e seu convívio social. Os três grandes filósofos anteriores também tinham se concentrado nessa questão, chegando mesmo a delinear projetos completos de organização social, como no caso de Platão e Aristóteles; essas doutrinas tinham um aspecto em comum: a polis era o seu alvo, isto é, através do seu correto planejamento a felicidade individual seria atingida. Diante do novo contexto, em que a cidade não era mais uma instituição tão sólida como no passado, as novas correntes de pensamento colocaram a vida do indivíduo no centro de suas reflexões." (Chalita 2005, p. 73):

5- Algumas Correntes

O fato é que o mundo, como os gregos haviam conhecido, não existia mais. Novas e permanentes questões se impunham: como encontrar a felicidade? Como devia se comportar o indivíduo, nessa nova sociedade? Qual o sentido da existência? Essas e outras questões foram respondidas através de algumas correntes de pensamento e de posturas sócio-religiosas:

O Ceticismo iniciou se com Pirro (360-272aC), que fundou sua escola a partir das influências sofridas do Bramanismo. Os céticos diziam que era impossível conhecer verdadeiramente qualquer coisa. Afirmavam a existência, mas acreditavam ser impossível ao homem atingir a verdade das realidades. Dessa forma, para eles a filosofia não deveria buscar a verdade, mas afirmar sua inacessibilidade.

A conseqüência dessa postura é que os valores sociais deveriam ser extintos ou desprezados. Chalita (2005, p. 75) afirma que para os céticos "para ter a felicidade, o indivíduo deveria dirigir uma indiferença absoluta aos costumes e aos acontecimentos da vida. O homem feliz seria aquele que tivesse atingido o estado de ataraxia, palavra grega que designa a imperturbabilidade, o estado de paz tal como concebido pelo ceticismo. A própria palavra ceticismo diz respeito às idéias dessespensadores; deriva da palavra grega askesis, que significa exercício de meditação: cético, ao pé da letra designa uma pessoa pensativa, absorvida em si mesma e, portanto, 'ausente' do mundo." De "askesis" também deriva a palavra ascese, na linguagem religiosa.

O Estoicismo foi criado por Zenão de Cítio (320-250 aC), cidade da ilha de Chipre. A questão dos estóicos era a felicidade. Como agir para viver bem consigo mesmo e com a sociedade? perguntavam-se os estóicos.

"A felicidade, para os estóicos, era um estado de tranqüilidade plena, que só podia ser atingido por meio da prática virtuosa. Por sua vez, a virtude era definida como uma negação constante, que consistia na indiferença dirigida a todas as experiências da vida; o estado que seria atingido com esta prática é descrito pelo termo grego apatheia. Em outras palavras, o homem não deveria se preocupar com questões relacionadas com a morte, não deveria se esforçar pelo enriquecimento material, nem deveria sofrer com o cansaço. O único valor, segundo os estóicos, é a sabedoria, que é alcançada com o cultivo do pensamento, que por sua vez é a única atividade em que vale a pena se empenhar Em resumo, trata-se de uma indiferença direcionada a toda formade prazer e de sofrimento. Tanto as experiências dolorosas quanto as prazerosas são irracionais, conforme a doutrina do estoicismo, porque são paixões, ou seja, vícios, portanto, o mal supremo." (Chalita, 2005, p. 76):

Esta corrente de pensamento teve uma longa duração e influenciou fortemente o Império Romano e o Cristianismo

Os Estóicos, por sua vez, foram influenciados por uma corrente que se originou na mesma época de Sócrates, com Antístenes (445-365aC). Era o Cinismo que afirmava ser a maior virtude de um homem, viver livremente em relação a qualquer acontecimento da vida. Isso implicava viver livre das normas, costumes e conveniências sociais, vivendo somente daquilo que é essencial à vida: o alimento e o sono. Tudo o mais eram regras impostas pela sociedade e devem ser desprezadas. Entre as coisas que os cínicos consideravam como fúteis estavam o poder, a riqueza, e o reconhecimento social. Dessa forma o principal e primeiro objetivo da vida dos cínicos era a pobreza e a simplicidade das relações.

A denominação cínico vem do grego "Cynos" que significa cão. Consideravam-se como cães ao mesmo tempo vigilantes, latindo contra os falsos valores e sem pudor de se posicionar em público, assumindo os valores nos quais acreditavam. Um dos maiores expoentes dessa corrente foi Diógenes que vivia em absoluta pobreza, afrontando asociedade de sua época, pelas suas posturas radicais.

Já o Epicurismo (ou hedonismo), fundado por Epicuro (341-270aC) defendia a idéia de que a filosofia devia servir para libertar o homem de seus medos: morte, destino, divindades. Afirmava Epicuro que a pessoa, como todas as realidades, são formadas de átomos que com a morte se dispersam e se desfazem. Nada é duradouro, afirmava. Sendo assim ninguém deve se preocupar com a vida nem com a morte, pois nada há, além desta vida. Tudo se acaba com a morte. Da mesma forma as pessoas não deviam se preocupar com as divindades pois estas, na verdade desprezam os humanos, por isso os homens deveriam desprezá-las, também.

O Epicurismo – ou hedonismo, como também ficou conhecido – defendia que a única finalidade da vida é buscar e conseguir o prazer. Não o prazer dos instintos, das paixões – que estes escravizam – mas o prazer advindo da razão. O verdadeiro prazer seria a completa superação de todos os desejos para não sentir nenhuma necessidade.

O ser humano deve procurar: a amizade, o pensamento, a apreciação das coisas belas, a arte, a poesia, pois são caminhos que levam à felicidade. Sendo que a plena felicidade vem da paz espiritual, atingida pelo completo autodomínio ou a superação dos os medos e desejos, agindo apenas guiado pela vontade.

Essas correntes de pensamento não criaram nenhuma originalidade na interpretação do mundo ou dos comportamentos. Foram isso sim, formas de contestarão dos valores estabelecidos, visto que esses valores haviam produzido uma sociedade corrompida. Dessa forma, mais do que corrente filosófica, pode-se dizer que essas foram algumas correntes de posturas éticas que se propunham a reinterpretar a moral decadente das sociedades decadentes em que viviam seus adeptos.

Dessa forma pode-se concordar com Máttar (1997), ao afirmar que o pensamento dessa época misturou elementos gregos, romanos, orientais. Diz o autor que "o ecletismo é uma importante característica da filosofia da época" (Mattar, 1997, p. 28). O ecletismo que foi uma das características do mundo romano, o qual exerceu forte influência sobre nossa sociedade.

6- O Mundo Romano

Foi dentro desse contexto de decadência moral da sociedade, principalmente grega, que se estabeleceu o helenismo e ao declínio desse movimento e do poderio macedônico, aparece e cresce, cada vez mais, o poder Romano. Isso mostra que em cada momento histórico em que se manifesta um vazio moral, político ou de qualquer valor, haverá espaço para o crescimento de uma nova liderança e de novos valores.

Originando-se no século VIII aC, Roma foi crescendo mediante suas conquistas militares; e como crescia militarmente, anexando novos territórios, necessitava estabelecer bases ideológicas para se manter e crescer mais. Dessa forma os romanos recriam o mundo grego e outros mundos dos conquistados. Assim uma característica importantes dos romanos foi a incorporação dos valores dos vencidos para tornar esse valor um elemento a ser usado não contra o vencido mas a favor do vencedor. Isso explica uma das principais concepções romanas que foi a organização de um excelente código jurídico. Foram os romanos que estabeleceram um dos princípios básicos da moral que entrou para a reflexão jurídica. O principio de que para cada direito adquirido existe um dever a ser cumprido.

Além disso, os romanos, reformularam o foco da sociedade. Enquanto os gregos focalizavam a organização de sua sociedade na polis, e naquilo que os cidadãos estavam convencidos de que era o melhor, os romanos centralizam sua sociedade na família e no estado. E dentro da família cabia um espaço privilegiado à mulher, pelo menos em relação às demais sociedades antigas. As mulheres em primeira mão educavam as crianças e de alguma forma interferiam na vida cotidiana. Não chegavam a assumir postos de comando ou de governo, mas eram, em geral, conselheiras de seus esposos.

Para a sociedade romana a educação teve um papel importante. Ela acontecia no ambiente familiar, tendo o pai e a mãe papéis decisivos.

"Numa educação centralizada na formação do caráter moral das pessoas, é evidente que a família desempenha papel muito importante. O pai é o principal responsável pela educação dos filhos, mas o caráter prático do povo romano atribuiu especial importância à mulher nessa tarefa e em outras relacionadas com o lar (...). Embora não chegasse a participar da vida pública, a mulher exercia grande autoridade dentro da família" (Piletti; Piletti, 1988, p. 74)

Junto a isso está a reflexão sobre o Estado e a manutenção de suas instituições. Entre os romanos, já se manifesta uma preocupação com os pobres, não para eliminar a situação de pobreza, mas para impedir que tomem o poder. Criaram instituições que desviavam a atenção do pobre do centro do poder ou da busca de riquezas. Era a base da política do "pão e circo"

Foi, também, essa a razão da implacável perseguição ao exército de Spartacus, o escravo que se rebelou. Não foram dizimados por que contestaram o poder da república, mas por que poderiam ser seguidos por outros revoltosos. Sendo assim era necessário que se procedesse a uma punição exemplar a fim de que a idéia de revolta popular não se ampliasse e os pobres não quisessem ampliar a luta em busca de direitos.

O fato é que dentro do mundo romano estava sendo gestada a raiz principal do mundo ocidental, que teve por base não mais o poder do chefe da tribo, como no mundo antigo, nem o intelecto, como no mundo grego, mas a lei, a ordem, a família, a vida pública e política: a vida baseada na norma positiva. Lembrando que um dos pilares do corpo jurídico romano foi o Estoicismo. Pelo menos aquele que vem do "Jus Naturale" que, segundo Máttar (1997) era muito mais uma "filosofia, com influências do estoicismo e sua concepção de uma ordem racional da natureza, que seria a corporificação da justiça e do direito" (Mattar, 1997, p. 29)

Além disso, se é verdade que no período helenístico surgiu um princípio de Ecletismo, o Mundo Romano foi essencialmente eclético. O que chamamos de Mundo Romano cresceu e sobreviveu em função de posturas ecléticas que significou a incorporação de valores dos vencidos aos valores já presentes na sociedade dominante; aprenderam os romanos que não se vence o derrotado só com as armas, mas principalmente quando se usa sua cultura para mantê-lo dominado.

Em síntese, a vida romana pode ser analisada a partir dos seguintes aspectos ou momentos de atividades: vida doméstica, onde se dava o princípio da educação e os primeiros ensinamentos dos valores sociais. A vida militar, para ampliar e manter os territórios. A vida honrada sendo que a honra devia ser preservada acima de tudo, inclusive da própria vida; tanto que a solução para a desonra era o suicídio. A vida pública e política através da qual se defendiam os ideais da sociedade. A vida justa ou virtuosa com base na legalidade originada nos códigos de leis.

7- Para uma Ética Cristã

Vivemos num mundo que já recebeu inúmeras denominações, estereótipos e clichês. Talvez uma das formas que mais caracteriza tudo isso é a expressão: "mundo ocidental". Esse mundo ocidental tem mais um apelido. O "mundo ocidental" foi onde se formou a "civilização ocidental, cristã".

O mundo ocidental não é problema. É, em parte, um conceito geográfico – embora também esteja impregnado de uma ideologia. Mesmo assim ainda é fácil de ser compreendido. O problema desse mundo em que se coloca a civilização ocidental é o "cristão".

Aí o bicho pega. Principalmente, nos dias atuais em que o discurso ético é buscado como algo importante a ser seguido e ensinado às novas gerações.

Nosso mundo ocidental, e cristão, é resultante de uma porção de pequenos – mas profundos – incorporações de mundos; ou é resultado da fusão de várias concepções filosóficas; é eclético. Nosso mundo é resultante de elementos da cultura e da filosofia grega; é resultante do helenismo e dentro do helenismo vieram para nosso mundo várias correntes filosóficas de cunho ético: o hedonismo-epicurismo, o cinismo, o estoicismo... Essas correntes influenciaram a civilização que os romanos organizaram com base no ecletismo que é uma forma de recolher o que se considera positivo em várias correntes e viver utilizando tudo isso.

E agora é que vem o que nos interessa: de dentro do mundo romano – que é resultante desse conjunto anterior – nasce o cristianismo.

Todas essas posturas e filosofias e correntes de pensamento influenciaram no aparecimento do Cristianismo que é uma nova proposta de vida social. Na seqüência e já com toda a carga do cristianismo se desenvolvem as bases para a Idade Média que é superada pelo renascimento e o mundo moderno que colocou as bases para o mundo contemporâneo: o mundo, ou a sociedade cristã ocidental.

Sabemos que as sociedades se organizam ao redor de alguns valores. A sociedade cristã não foi diferente. Nasceu ao redor das pregações de um rapaz descontente com os valores vigentes que, ao contestá-los, formou um grupo de seguidores. Nesse aspecto as origens do cristianismo, quando se olha as posturas de Jesus de Nazaré, se assemelham à de outras correntes de pensamento e podem ser comparadas tanto ao Ecletismo como ao Cinismo e Hedonismo. A postura, a argumentação de Jesus de Nazaré também se assemelha à postura de Sócrates. Seus seguidores, porém, após sua morte, portaram-se e assumiram valores do estoicismo para dar consistência à doutrina cristã.

Jesus, entretanto, na sua postura e na sua prática incorpora elementos do judaísmo (ele era um judeu), embora os tivesse condenado e rejeitado muitas de suas práticas, fazendo uma revisão dos valores judaicos. Assumiu a postura de um mestre grego que falava a um grupo de discípulos e à multidão, em lugar aberto. Bebia e se divertia valorizando o momento presente como se isso fosse a vida e valoriza a vida como se ela fosse um momento ao estilo dos hedonistas. Comportou-se como o mestre bramanês ou hindu, retirando-se para o silêncio da meditação e oração. Mas foi, ao mesmo tempo, revolucionário ao dizer que os pobres e excluídos eram os escolhidos em detrimento dos ricos e poderosos, fazia-se acompanhar de mulheres, como discípulas, num mundo machista. Foi contraditório pois falou quando deveria fazer silêncio e silenciou quando deveria falar...

Dessa forma quando vamos olhar para o período de transição entre o mundo romano e o mundo cristão precisamos ter presente duas concepções de mundo: a dos romanos que é a valorização do Estado e a do cristianismo que é a valorização da pessoa. E quando queremos fazer a transição da atuação de Jesus de Nazaré para o cristianismo precisamos considerar que, também aqui, estamos diante de posturas distintas. O cristianismo acaba se institucionalizando, criando estruturas e se enrijecendo, opondo-se à prática de Jesus de Nazaré que agia e se comportava como pessoa livre e sem as amarras de normas e deinstituições. Sua ética, portanto era muito mais em função e em favor da pessoa que da preservação de instituições e valores tradicionais. O cristianismo passa a ser uma organização que valoriza as instituições e, muitas vezes não considera a pessoa.

Estamos diante de duas posturas éticas e de duas cosmovisões. Uma é aquela que se pode vislumbrar nos escritos do novo testamento e que nos apresentam as ações e aquilo que podemos chamar de ética de Jesus. E outra aquela do Cristianismo e que se verifica ao longo da história do pensamento cristão. Essa nem sempre coincide com aquilo que se lê nos evangelhos sobre aquilo que teria feito Jesus de Nazaré. O que seria a ética de Jesus, presente nos textos neotestamentários permanecem inalterados. Já a Ética Cristã foi se alterando. Começou como discursos apologéticos, transformou-se em Patrística e na Idade Média passou a ser Escolástica. A Ética Cristã se adequou, à reforma, fazendo-se "contra-reforma"; e nos tempos atuais mantém a capacidade de adequar-se aos tempos e ao longo dos tempos, adaptando-se ao esmo tempo que se mantém inalterada.

Dessa forma, enquanto o Estado Romano – dentro do qual nasce o cristianismo – se impôs pela força e pela incorporação do vencido, a ação de Jesus se insere dentro de um mundo que nasce de posturas pessoais e subjetivas. Já seus seguidores, e os que criaram o cristianismo precisaram criar normas e instituições. Dessa forma, para manter o espírito de Jesus, o cristianismo se afasta de Jesus. Para falar de Jesus, deixa de agir como Jesus. Para manter a memória do mestre, afasta-se do mestre.

E assim se faz a ética cristã: distante e distando daquilo que é sua essência. O modelo único seria o seguimento daquilo que o filho do carpinteiro ensinou. Mas para fazer isso o cristianismo se institucionalizou. Dessa forma se faz o mundo ocidental, Cristão: contraditório.

Referências

BRANDÃO, Sílvia R. R A Vocação Humana: uma Abordagem  Antropológica e Filosófica. disponível em http://www.hottopos.com/vidlib7/sb.htm acessado em 15/01/ 2005

CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. 2ª ed. S. Paulo: Ática, 2005.

CHAUÍ, Marilena. Convite á Filosofia. 13 ed. S. Paulo: Ática, 2005.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993

FEDRO. Fábulas, São Paulo: Escala, [2006?]

MÁTTAR, J. Filosofia e Administração. S. Paulo: Makron Books. 1997.

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia Cultural. Iniciação, teoria e temas. Petrópolis: Vozes, 1982.

MONDIN, Batista, Introdução à Filosofia. S. Paulo: Paulinas, 1980

__________, O Homem, quem é ele?, 2ª ed. S.P: Paulinas, 1982.

NASCIMENTO, Miltom Meira, Ética. In. Chauí, Marilena, et al: Primeira filosofia: lições introdutórias. São Paulo: Brasiliense. 1984.

NIETZSCHE, F. (a) Além do bem e do mal. S Paulo: Escala, [2006?].

__________, (b) A Genealogia da Moral . S Paulo: Escala, [2006?].

__________, (c). Assim falou Zaratustra 4 Ed. R. Janeiro: civilização Brasileira. 1986.

PERONI, Vera. Política Educacional e papel do Estado: no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2003.

PILETTI, Claudino e PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1988.

REALE, Geovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia (v. 1). São Paulo: Paulinas, 1990

TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia Cultural. 9ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2002.


Autor: NERI P. CARNEIRO


Artigos Relacionados


O Que é Etica?

O Discurso / Mídia / Governo

Ética E Moral

PolÍtica ComunitÁria

Educação Física E Qualidade De Vida

Escola E A Formação De Um Sujeito ético-político

A Moral E A Ética Do Homem