Os gregos e o nascimento da política



Os gregos e o nascimento da política

1-A ORIGEM Para não cometer injustiça, nem superpor alguma ideia ou supervalorizar uma sociedade, vamos partir da ideia de que a política nasce no momento em que os primeiros seres humanos resolveram viver juntos. Nesse “momento” perceberam que a vida em grupo era muito mais complexa e complicada do que se pode imaginar. Percebem que as vontades e necessidades individuais provocavam conflitos e desconforto. Perceberam que a liberdade, na vida grupal, é sempre condicionada, pois as liberdades individuais estavam sempre em atito devido às neces-sidades individuais. Perceberam que para preservar a liberdade precisavam abrir mão de direi-tos individuais. Enfim, perceberam que para preservar a liberdade, a individualidade e sobre-viver em grupos, precisavam criar normas. Nasceu, assim, a política como expressão da vida grupal, das normas e das necessidades individuais. Essa situação foi o que o inglês Thomas Hobbes descreveu como sendo a guerra de todos “contra todos”. Como essa situação implicaria a extinção da sociedade, os indivíduos optam por delegar seus direitos ao Estado, responsável pela normatização da vida social. Ou, como propôs J. J. Rousseau, dizendo que os homens viviam em paz, antes da sociedade, mas ao formar sociedade e se manifestarem as necessidades individuais, esses indivíduos acabam se corrompendo. Dessa forma aquele ser bom, se tornou mau, corrompido pelo grupo. Daí sua afirmação de que o homem é bom, mas a sociedade o corrompe. Nasce, assim a política como mecanismo pelo qual se desenvolve a habilidade de conciliar interesses antagônicos, permi-tindo a convivência relativamente pacífica, mas, ao mesmo tempo que um grupo se sobrepõe ao outro, porque recebe por delegação, os poderes dos indivíduos que compõem o grupo. Daí a ideia de contrato social. Dessa forma o subjugado acredita ser ele quem decide os rumos da sociedade quando na realidade delegou os poderes de decisão àqueles a quem elegeu como seu representante. Eis uma limitação da democracia! Disso podemos concluir que a política é uma consequência da sociedade. Nasceu quando nasceram os grupos humanos com necessidades de vida social e normas para a vida em grupo. Nasceu para ajudar os grupos a sobreviverem enquanto grupo, sobrepondo-se às necessidades individuais. Talvez por esse motivo é que nos dias atuais tenha ocorrido tamanho descredito em relação à politica, pois se percebe, cada dia mais que a política, criada para ajudar nos rumos da soci-edade está produzindo sua perdição. Aquels que são escolhidos para representar a sociedade acabam se representando e defendendo interesses contrários às necessidades da sociedade que lhe delegou poderes. Não que as pessoas ou a sociedade seja o mal em si, mas porque aqueles que se fazem "políticos" disseminam não as coisas boas para o que foram eleitos, mas as ma-landragens que vicejam feito erva daninha na horta. Esse é o quadro a partir do qual podemos nos recordar de um tango do argentino Enrique Santos Discépolo reescrito em 1986, por Raul Seixas. Nele o "maluco beleza" atira pra todo lado, entretanto acerta não só na descrição do ser humano prenhe de maldades, mas princi-palmente ao descrever aos representantes do povo visto que não representam o povo. Examine bem pra ver se uma bala não lhe atingiu também. Se atingiu, reveja sua perspectiva ideológi-ca. Se não atingiu, repense sua pratica na sociedade. E agora leia a letra da música que está disponível em: http://letras.mus.br/raul-seixas/221824/: E se desejar ouvir a música acesse o clip que está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=MtoZLEJMLDU. Analise a letra: Cambalache. “Que o mundo foi e será uma porcaria eu já sei/ Em 506 e em 2000 também/ Que sempre houve ladrões, maquiavélicos e safados/ Contentes e frustrados, valores, confusão/ Mas que o século XX é uma praga de maldade e lixo/ Já não há quem negue/ Vivemos atolados na lamei-ra/ E no mesmo lodo todos manuseados/ Hoje em dia dá no mesmo ser direito que traidor/ Ignorante, sábio, besta, pretensioso, afanador/ Tudo é igual, nada é melhor/ É o mesmo um burro que um bom professor/ Sem diferir, é sim senhor/ Tanto no norte ou como no sul/ Se um vive na impostura e outro afana em sua ambição/ Dá no mesmo que seja padre, carvoeiro, rei de paus/ Cara dura ou senador/ Que falta de respeito, que afronta pra razão/ Qualquer um é senhor, qualquer um é ladrão/ Misturam-se Beethoven, Ringo Star e Napoleão/ Pio IX e D. João, John Lennon e San Martin/ Como igual na frente da vitrine/ Esses bagunceiros se mistu-ram à vida/ Feridos por um sabre já sem ponta/ Por chorar a bíblia junto ao aquecedor/ Século XX 'cambalache', problemático e febril/ O que não chora não mama/ Quem não rouba é um imbecil/ Já não dá mais, força que dá/ Que lá no inferno nos vamos encontrar / Não penses mais, senta-te ao lado/ Que a ninguém mais importa se nasceste honrado/ Se é o mesmo que trabalha noite e dia como um boi/ Se é o que vive na fartura, se é o que mata, se é o que cura ou mesmo fora-da-lei” Então, pra onde vamos, neste mundo? E o que fazer com esses “ladrões, maquiavélicos e safados”? A partir de onde chegamos a isto?

2 A GRÉCIA DOS PRIMEIROS TEMPOS Dessa constatação nos vem uma indagação: porque é tão comum lermos e ouvirmos a a-firmação que foi no mundo grego que nasceu a política? Talvez a primeira resposta esteja na afirmação de que a questão não está bem colocada. As relações políticas nascem com os primeiros agrupamentos humanos; dentre os gregos apare-cem alguns elementos que, pelo menos até onde sabemos, não haviam sido experimentados por outros povos. Entretanto é necessário levar em conta algumas observações: nem tudo que lemos ou falamos sobre a Grécia se aplica a toda a Hélade; o maior volume de informações que dispomos sobre a Grécia provém de Atenas. Diz Maria B. B Florenzano (1986, p. 10) que “o grosso da documentação que hoje nos disponível sobre a Grécia Antiga provém de Atenas. […] o fato de não ter existido uma unidade política entre as diversas cidades que compunham a Hélade tornou impossível uma sistematização” que pudesse nos dar clareza de como era es-sa sociedade. Isso implica dizer que não temos com afirmar que “a sociedade grega” tinha esta ou aquela característica política, social ou econômica. Primeiro porque, na antiguidade, não existiu uma sociedade grega, mas várias cidades com características especificas. Comentando isso Floren-zano (1986, p. 11) afirma, por exemplo, que na civilização micênica, embora se falasse o gre-go, “não existiram cidades, mas pequenos Estados que contavam com uma centralização eco-nômica e política bastante acentuada”. Quando buscamos informações sobre a sociedade da Grécia antiga, uma das fontes é Ho-mero e seus dois poemas épicos: Ilíada e Odisseia. Entretanto, hoje se sabe, os escritos de Homero não podem ser assumidos como documentos descritivos da história, mas como do-cumento literário. Por isso somente se presta indiretamente à informação histórica. E, dessa forma, pode-se tomar a Ilíada apresentando informações do mundo arcaico e micênico e a O-disseia trazendo informações sobre a sociedade anterior ao período Clássico. O centro dessa sociedade é o Oikos, que embora traduzido por casa ou família, em Home-ro assume a conotação de uma “unidade econômica, humana, de consumo e de produção. O oikos tem um chefe guerreiro à testa, juntamente com sua família, mas os seus componentes não são os únicos dos oikoi. Estes compreendem também todos os servidores e escravos; os bens imóveis: a terra e as casas; e os bens móveis: ferramentas, armas, gado, etc., dos quais depende a sobrevivência do grupo” (Florenzano, 1986, p. 14). Do ponto de vista político, portanto aí está uma importante indicação: a liderança política está nas mãos de um “chefe guerreiro”. A eles cabia não só a defesa do oikoi, mas também a provisão de todas as necessidades do grupo. Esse chefe, além das suas posses, em geral deti-nha, também outras habilidades, como aquelas descritas por Homero na pessoa de Ulisses. Com a invasão dos dórios a civilização micênica entrou em decadência. Entretanto sua he-rança, possivelmente sincretizada com elementos da civilização dórica, evidenciou a estrutura política mencionada por Homero. No universo micênico, segundo Mario C. Giordani, (1972, p. 91) “cada chefe é, em seu domínio não muito extenso, um senhor todo poderoso que possui o direito de vida e de morte sobre seus dependentes mais próximos: parentes e escravos”. A-inda segundo Giordani, ocorreu uma posterior estabilização e a partir disso se solidificaram as relações entre as tribos e disso resultou a prática de organizar assembleias e posteriormente as confederações de tribos ou um conselho de reis. Nessa confederação se elegia um represen-tante, ou o “rei dos reis”. Assim nasceu a “primeira forma de Estado” nesse universo grego. Isso ocorria em Micenas, da mesma forma que ocorrera em Creta, sociedade na qual o rei, embora exercesse uma função sacerdotal era também um chefe guerreiro. O rei Minos detinha em suas mãos “além do poder executivo, o legislativo e judiciário. A administração governa-mental era centralizada”, diz Giordani (1972, p. 56). Nota-se, portanto, a presença de um sis-tema político no qual se observa a prevalência da força como sustentáculo da política. Em síntese, podemos dizer que tanto no universo micênico como no cretense a história das ideias políticas, no período arcaico, se fundamenta não em uma proposta de democracia, mas na força dos reis guerreiros que alicerçam seu poder na capacidade guerreira. Estamos, ainda, numa sociedade em que a política se fundamenta na força. Mas também aí se pode observar as raízes da principal contribuição dos gregos à teoria política. Mesmo os reis guerreiros criaram um sistema de diálogo: as confederações e as assembleias. Essas, possivelmente, sejam as raí-zes da democracia.

3 A POLÍTICA CRIADO PELOS GREGOS Qual foi, então, a originalidade dos gregos, para a política? Sabemos que os persas, os egípcios, e mesmo pequenas civilizações, como os hebreus, já haviam criado seus Estados e com isso já haviam criado as bases para as relações políticas tanto internamente, como na relação com povos vizinhos; tanto na relação com os amigos como na relação com os inimigos. As sociedades orientais, entretanto, possuíam um elemento em comum, que as diferenciavam da sociedade grega. Nelas o monarca exercia um misto de poder religioso e político. Os monarcas detinham poder de vida e de morte sobre seus súditos; eram senhores e proprietários das terras e dos súditos. Eram reis, mas também eram sacerdo-tes e deuses. Talvez o exemplo mais popularizado disso seja o Egito e seus faraós. Podemos dizer que a política no mundo oriental se explica não tanto pelas relações políti-cas mas, principalmente a partir do conceito de modo de produção asiático. Entre os gregos as relações sociais e políticas mudam. Aparece uma nova perspectiva: a-quela que nasce das assembleias. Além disso a sociedade incorpora um elemento não novo porque já estava presente nos povos anteriores, mas reconfigurado para o modelo grego. Tra-ta-se da figura do escravo. Nasceu o modo de produção escravista. Esse personagem, o es-cravo, permitiu ao chefe guerreiro virar cidadão; permitiu que a sociedade grega se reconfigu-rasse; de um mundo agro-pecuário passou a ser um universo urbano. Nasceu a polis ou a uni-dade política a partir de onde o cidadão se evidencia para o bem não do indivíduo, mas dos cidadãos. Ao redor do trabalho escravo foi que as cidades estado se fundamentaram. Agora não mais se apoiando na ação guerreira, mas na pratica do diálogo e dos debates que ocorrem nas as-sembleias. Florenzano (1986, p. 24) sugere que a mais importante criação anterior ao período clássico foi justamente a pólis, uma vez que “a polis será o quadro histórico em que a civiliza-ção grega desenvolver-se-á. Ela pode ser definida como 'uma comunidade autônoma politi-camente', uma cidade-estado, ainda que estes conceitos não exprimam perfeitamente todas as suas características, pois além da independência política a pólis ideal deveria ser auto-suficiente no plano econômico” A presença da polis pode ser apontado como um dos elementos que dificultaram a centra-lização política do universo grego. Lembrando que alguns elementos são definidores da polis como espaço político: uma ágora como espaço de reunião dos homens livres e uma acrópole como espaço defensivo e votivo. Será dentro da pólis que se evidencia a presença do cidadão, com plenos direitos em oposição ao “escravo-mercadoria” e o estrangeiro, desprovido dos di-reitos da cidadania. Da contraposição e necessária interdependência entro o escravo e o cidadão é que se de-senvolve a democracia. “Á medida que o cidadão vai se libertando do exercício direto das ati-vidades econômicas (atividade no campo, essencialmente), para se dedicar às tarefas políticas, vai sendo substituído pelo escravo, como força de trabalho” (Florenzano, 1986, p. 26). Disso decorre a afirmação de que a politica grega, ou a democracia, nasceu na polis, da es-cravidão e da autonomia do cidadão. Não esquecendo que essa situação exclui da ação políti-ca, ou seja, dos debates e decisões nas assembleia, todos os que não são cidadãos: as mulhe-res, as crianças, os estrangeiros, os escravos. Daí podermos dizer que, efetivamente os gregos inventaram a democracia. Mas ela chegou até nós com alguns vícios de nascimento. A pratica da exclusão, uma vez que a nossa experi-ência de democracia se caracteriza não pela participação pessoal e direta, mas pela representa-tividade. Lá o cidadão defendia diretamente seus interesses, mas algumas classes e categorias sociais estavam excluídas das instancias de decisão; aqui, embora haja a possibilidade de par-ticipação, pelo voto, na realidade apenas se cria a figura da representatividade, pela qual a grande maioria da população também fica excluída das decisões políticas.

FLORENZANO, Maria B. B. O mundo antigo: economia e sociedade. 6 ed. São Paulo: Bra-sileiense, 1986.

GIORDANI, Mario C. História da Grécia 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1972

Neri de Paula Carneiro Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador Rolim de Moura - RO


Autor: Neri P. Carneiro


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