Gestação Substituta



Marcos Sasaki

"O desejo de ter um filho juntamente com as intenções lucrativas das empresas de engenharia genética fazem com que, a cada dia, várias crianças sejam concebidas através de reprodução assistida e criam uma situação fática que revoluciona as formas de compreender a família moderna e que clama pela promulgação de lei especial."

Nathalie Carvalho

Gestação substituta é a denominação vulgar do método de inseminação artificial heteróloga que caracteriza-sepor ser a técnica de reprodução assistida que envolve a doação de gametas de uma terceira pessoa estranha ao casal, que se dá devido à impossibilidade biológica do homem ou da mulher.

Da utilização dessa prática moderna de inseminação, decorrem dúvidas acerca dos seus efeitos. Um deles é o direito que terá a criança gerada de conhecer aquele que doou o seu material genético para sua concepção, tendo inclusive direito de pleitear direitos sucessórios.

Apesar de, em tese, não se prever o contato com aquele responsável pela doação do material genético com a criança, não se sabe se esta poderá vir a querer ver o seu direito reconhecido. Efetivamente não há uma segurança quanto a isso, ao passo, que não se pode negar o direito ao conhecimento do ser humano à sua ascendência genética.

Assim, verifica-se então, um conflito entre o direito ao conhecimento da ascendência genética e o direito à intimidade, trazendo uma nova discussão no âmbito do Direito de Família, acerca da engenharia genética.

O grande número de técnicas científicas que surgem deve ser regulamentado pelo direito, entretanto, este caminha um pouco atrasado, deixando de regulamentar inúmeras situações que já acontecem no mundo concreto, gerando assim, discussões a respeito de como lidar com elas quando o direito ainda não as regulamentou.

Entretanto, o direito não pode se abster de legislar e, assim, esclarecer a população sobre os efeitos da aplicação destas técnicas. Essa obrigação é decorrente do envolvimento de princípios constitucionais que baseiam o Estado e a vida em sociedade.

Quando há o conflito de princípios, como detectado acima, a solução é a sobreposição de um desses princípios sobre o outro, a depender do caso concreto.

Na coexistência de princípios opostos, como não há hierarquia entre eles, ensina afirma Canotilho que:

"Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objetos de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas "exigências" ou "standards" que em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade de regras contraditórias."

No caso em espeque, apesar de haverem inúmeras discussões, entendo que o direito ao conhecimento da ascendência se sobrepõe ao direito de intimidade, posto que o conhecimento da origem genética é fundamental na formação do ser humano. A natureza do conhecimento da origem biológica é de direito da personalidade de que é titular cada ser humano.

Importante ressaltar que o conhecimento da origem biológica tem íntima ligação com um dos princípios corolários da constituição pátria e princípio base do direito de família que o princípio da dignidade da pessoa humana. Negar o conhecimento da origem genética a qualquer indivíduo seria o mesmo ofender o princípio da dignidade humana.

Havemos de salientar a importância do princípio da intimidade e seu tratamento como princípio constitucional fundamental, entretanto, ao deparar-se com o princípio do conhecimento da origem genética, no caso da gestação substituta, entendo que deverá haver a prevalência deste sobre aquele.

Assim, o filho gerado desta nova técnica de reprodução artificial heteróloga, deve ter o direito de conhecimento à sua origem genética garantido, muito embora não haja ainda uma previsão legal por parte do nosso ordenamento jurídico, pondo um fim nesse tipo de discussão.

Existe entendimento no sentido de que o direito ao conhecimento da origem genética é fundado no direito de personalidade, tanto em relação ao direito à vida, quanto no que diz respeito ao direito à identidade.

No que se refere ao direito à vida e a integridade física, deve-se considerar a possibilidade, frente ao desenvolvimento da medicina nos últimos anos, de se evitar, reconhecer e curar doenças genéticas pela análise da ascendência biológica.

Nesse sentido leciona Paulo Luiz Netto Lôbo: "O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida."

No que tange ao direito à identidade, afirma Marcílio José da Cunha Neto : "Quanto ao filho, como direito inerente à sua personalidade, lhe é reservada a possibilidade de conhecer a identidade do doador. Isso se dá, em primeiro lugar, porque o direito à identidade é um direito personalíssimo e, portanto, insuscetível de obstaculização".

Acredito que os interesses do filho, independentemente de quem o gerou, devem ser garantidos. Negar esse direito ou, fazer prevalecer, nesse caso concreto, o direito da intimidade sobre o mesmo, seria tratar desigualmente a criança gerada de uma técnica médica avançada, daquele outra criança gerada pela forma convencional.

As técnicas de reprodução artificial são reflexos da evolução da medicina e são instrumentos de satisfação para aqueles desprovidos da capacidade de gerar naturalmente um filho. Entretanto, o direito deve estar atento, ao positivar as leis que venham a regulamentar essa nova realidade social.

O ordenamento jurídico não pode deixar de tutelar os direitos daqueles que serão gerados por essa nova técnica de reprodução. Não pode agir de forma a fazer o indivíduo, gerado por essa nova técnica, se sentir como um simples produto da medicina avançada. Seus sentimentos devem ser respeitados e preservados por completo, assim como os de qualquer outra criança que nasce de uma relação de reprodução normal.

Bibliografia

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1993.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001.

FARIAS, Edílson Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1996.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Reconhecimento da paternidade e seus efeitos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.


Autor: marcos sasaki


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