Inseminação Artificial Post Mortem



Milena Caggy

Diversos entendimentos doutrinários existem a acerca da possibilidade de realização ou não da inseminação artificial posterior à morte daquele que doa seu material genético.

Uma corrente defende que não há essa possibilidade, uma vez que "a criança nascerá sem a perspectiva de conhecer seu pai e de dispor da figura materna e paterna concomitantemente em sua vida, ferindo o princípio da paternidade responsável, pois o falecido não pode gerar um ser humano, mesmo que o doador deixe expressa manifestação de vontade a favor da inseminação post mortem".

Uma segunda corrente defende a possibilidade da realização da inseminação post mortem, atrelando à sua fundamentação a condição ede prévia e expressa concordância do cônjuge ou convivente, pois, em termos gerais, não se pode impor uma paternidade que não existe e que não é desejada".

No caso da técnica conceptiva post mortem ainda sequer há embrião no momento do falecimento do ex-cônjuge ou ex-companheiro.

Percebe-se que as novas técnicas de inseminação artificial permitem a utilização de material de filiação biológica após a morte do cônjuge ou companheiro, de modo que o homem ou a mulher que houver conservado seu material genético, esperma ou óvulo, poderá autorizar que terceiro, especialmente seu cônjuge ou seu companheiro, utilize do mesmo após o seu falecimento.

Nesse sentido registra Guilherme Calmon:

"(...) é possível que o sêmen, o embrião, e também o óvulo – quanto a este, as experiências científicas são mais recentes – possam ser criopreservados, ou seja, armazenados através de técnicas próprias de resfriamento e congelamento, o que possibilita, desse modo, que mesmo após a morte da pessoa seu material fecundante possa ser utilizado, em tese, na reprodução medicamente assistida"[1].

No âmbito do direito comparado, não existe no Brasil, uma legislação proibitiva da inseminação post mortem, tal como acontece na Alemanha e na Suécia. Paradoxalmente na França, veda-se a inseminação post mortem, determinado que o consentimento expresso sem vida perde o seu efeito.

De forma covergente, José Carlos Teixeira Giorgisesclarece que "a possibilidade de aproveitamento do material depositado para uso depois da morte do doador é assunto controvertido nos diversos ordenamentos jurídicos" acrescentando que "é procedimento vedado nas legislações alemã, sueca, francesa.

As regras espanholas também não permitem a inseminação post mortem, embora garanta os direitos do nascituro, desde que exista uma declaração feita em escritura pública ou testamento. Na Inglaterra ocorre a sua aceitação, mas sem direitos hereditários, salvo disposição em documento expresso. A lei portuguesa também o interdita, seja no casamento ou na união de fato"[2].

Temos, portanto, que a técnica de reprodução artificial post mortem é questão ainda não pacífica no ordenamento jurídico brasileiro, permitindo assim, as mais diversas interpretações. Uma questão polêmica surge, que é justamente como se definir a qualificação jurídica do nascido, mediante procriação artificial, ocorrida após a morte do de cujus.

Acerca dessa discussão, dispõe a doutrina Eduardo de Oliveira Leite que"quanto à criança concebida por inseminação post mortem, ou seja, criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos, pela utilização de sêmen congelado, é situação anômala, quer no plano do estabelecimento da filiação, quer no do direito das sucessões. Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão". E conclui: "solução favorável à criança ocorreria se houvesse disposição legislativa favorecendo o fruto de inseminação post mortem".

Ainda pelos pensamentos do mesmo autor, a inseminação post mortem não se justifica, pois não existemais um casal, o que poderia acarretar perturbações psicológicas graves em relação à criança e à mãe, concluindo quanto à descordância dessa prática[3].

Indaga-se se haverá, ou não, possibilidade de estabelecimento do vínculo de paternidade, no caso de inseminação, fertilização ou outra técnica conceptiva post mortem.

Guilherme Calmon assevera que " (...) no estágio atual da matéria no direito brasileiro, não há como se admitir, mesmo com vontade expressa deixada em vida pelo falecido, o acesso da ex-esposa ou ex-companheira às técnicas de reprodução assistida homóloga, diante do princípio da igualdade em direito entre os filhos (...)".

Entendo que a técnica de reprodução artificial post mortem deve ser aceita e posta em prática, além do mais, não considero razoável o fundamento da sua não aceitação residir no fato de que a criança ficará confusapsicologicamente.

Quantas crianças, não nascem sem pais e, nem por isso, ficam perturbadas ou loucas? E aquelas que nascem no seio de uma família, tida como não tradicional, tais como a família monoparental, ou aquelas que são formadas por casais homossexuais? As crianças possuem a capacidade de entender a situação, desde que devidamente explicada e exposta.

De repente, era um desejo do de cujus, antes de morrer e também de sua mulher. Não se pode proibir que as pessoas, mesmo depois de mortas realizem aquilo que, em vida não conseguiram, sob o simples fundamento de que "pode ser que cause esse ou aquele efeito".

Esse tipo de proibição não pode ser fundamentado com simples probabilidades. A utilização da técnica de reprodução assistida post mortem deve ser posta em prática e a sua proibição só vem a afirmar que em alguns pontos, por não haver legislação a respeito, o direito ainda age de uma forma retrógrada.

Bibliografia

ALDROVANDI, Andréa e FRANÇA, Danielle Galvão. A reprodução assistida e as relações de parentes. Disponível em http://www.jusnavegandi.com.br. Acesso em 12/set./2008.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

GIORGIS, José Carlos Teixeira. A inseminação póstuma. Disponível em http://www.espacovital.com.br. Acesso em 12/09/2008.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos e jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horisonte: Del Rey, 2001.




Autor: milena caggy


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