A Irrenunciabilidade Dos Alimentos



Milena Caggy

"A irrenunciabilidade dos alimentos cria um sobressalto para todos que passaram pela infeliz experiência de um casamento ou de uma união mal sucedida pois, a qualquer momento, poderão ser acionados pelo antigo parceiro, mesmo que isto ocorra muitos anos após a extinção do relacionamento."

Marcelo Truzzi

O direito define os alimentos como sendo um conjunto de meios necessários à subsistência de uma pessoa, envolvendo, além dos alimentos naturais (gêneros alimentícios em espécie), tudo aquilo que um ser humano necessita para satisfazer suas necessidades.

A obrigação de alimentar é respaldada no princípio da solidariedade familiar, decorrendo de determinados tipos de relação, quais sejam: as decorrentes do pátrio poder, devendo os pais assistir aos filhos menores; as que decorrem do dever dos filhos maiores assistir aos pais na velhice, carência ou enfermidade e finalmente, os alimentos devidos a título de indenização (que se refere ao dever do cônjuge de prestar pensão alimentícia ao outro que dela necessitar e também aos alimentos indenizatórios que decorrem de sentença proferida em ações de responsabilidade civil onde se reconheça a perda ou diminuição da capacidade laborativa de uma pessoa, que, portanto, fará jus a assistência material por parte do ofensor).

A doutrina ainda menciona os "alimentos testamentários", previstos pelo testador como ato de última vontade e sujeitos a regras específicas do direito sucessório.

São características dos alimentos: a impenhorabilidade, imprescritibilidade, incompensabilidade, transmitibilidade, irrenunciabilidade, dentre outros.

O legislador atribuiu interesse público à impossibilidade de abdicar desse direito, conforme dispõe o art. 404 do Código Civil, in verbis:

"Art. 404. CC. Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos".

Esse é o entendimento do professor Washington de Barros Monteiro:

"Em segundo lugar, irrenunciável é o direito a alimentos. Consoante lição de LAURENT, o encargo alimentar é de ordem pública, imposto pelo legislador por motivo de humanidade e piedade. Por isso mesmo, não pode ser renunciado. (...). Não é válida, portanto, a declaração segundo a qual um filho vem a desistir de pleitear alimentos contra o pai. Embora necessitado, pode o filho deixar de pedir alimentos, mas não se admite renuncie ele tal direito".

Insta salientar que, em se tratando da irrenunciabilidade dos alimentos devidos aos menores, esta é decorrente da sua condição de menor incapaz, sendo vedada absolutamente a sua renunciabilidade pelos pais, tendo em vista não ser lícito renunciar um direito que não lhes pertence.

Entretanto, no que tange aos alimentos de natureza indenizatória, essa renunciabilidade é possível desde que presentes alguns requisitos que possibilitem tal renúncia.

A renúncia ao direito aos alimentos decorre, normalmente, da liberdade dos cônjuges, entretanto ambos devem possuir condições financeiras suficientes para sua subsistência, inclusive em momento posterior à separação.

Ao ser fundamentado no ato de liberalidade dos cônjuges, o ato de renúncia deve estar expresso em um termo de acordo, caso contrário será compreendida como simples dispensa provisória da obrigação alimentar.

Portanto, é exigida do disponente a manifestação inequívoca de desejo de abdicação, não se admitindo, pois, a renúncia tácita, salvo em casos específicos, previstos em lei.

A renúncia não pode ser presumida, nem mesmo com a inércia do exercício desse direito, até porque o não exercício de um direito pode sujeitar o seu titular a uma outra forma de extinção das obrigações, como por exemplo a prescrição.

Nesse diapasão, é o entendimento do professor Caio Mário, in literis:

"(...) a manifestação do renunciante há de ser inequívoca, (...). É preciso jamais confundir renúncia com a inércia do titular. Pode este, segundo repute de sua conveniência, deixar de exercer um direito, sem que sua atitude negativa possa traduzir-se em abdicação de suas faculdades. Embora não utilizado, o direito persiste íntegro, de vez que o não-exercício é uma forma de utilização, que pode ser retomada oportunamente. Ao revés, aquele que renuncia perde essa faculdade, porque seu direito se extingue. Se, contudo, a inércia conduzir à prescrição ou decadência do direito, dá-se o seu perecimento, mas por outra causa (...)" .

A jurisprudência vem firmando posição nesse sentido, expedindo entendimentos convergentes, conforme citações a seguir:

"Dispensa de alimentos que não se confunde com renúncia – Admissibilidade de pedido posterior – Hipótese em que houve modificação da situação financeira da autora, ficando com rendimentos insuficientes para seu sustento".RJTJSP 71/28.

"Dispensa de alimentos – Possibilidade de pedido posterior – A mulher que dispensa pensão pode a qualquer tempo pleiteá-la se não se envolveu afetivamente com terceiros e se não deu causa, voluntária ou inadivertidamente, à sua situação atual de penúria".RT 566/93

"(...). Assentado que, na sistemática legal vigente, a falta de cláusula sobre a obrigação alimentar ou a dispensa ou renúncia da prestação alimentícia não impedem a formulação da pretensão pela mulher, posteriormente (Yussef Said Cahali, in Divórcio e Separação, Ed. RT, 1978), forçoso é reconhecer que a carência decretada foi medida açodada. Até porque, ao que tudo indica, no caso houve por parte da apelante mera dispensa em ser pensionada pelo ex-marido, em função de seu trabalho. Como tal dispensa não implica em abdicação de um direito, mas, simplesmente, no seu não exercício, a posterior alteração de sua situação econômica enseja à mulher postular alimentos. Assim, fica afastada a carência da ação, saneando-se o processo e abrindo-se dilação probatória"TJSP. Ap. nº 119.719-1, rel. Des. Manoel Carlos, RT 659/72.

Diante de todo o exposto, percebe-se que, no caso dos alimentos, mais especificadamente os indenizatórios, a renúncia é instrumento que deve ser somente utilizado em casos expressamente autorizados e transacionados pelas partes, tendo em vista sua natureza de extinguir uma obrigação que é, por demasiado, essencial à subsistência de um ser humano.

A importância do instituto da renúncia é indiscutível, uma vez que possibilita o exercício do direito de liberdade e livre escolha do indivíduo. Entretanto, diante dos seus amplos e significativos efeitos, deve ser tratada de forma cautelosa, obedecendo todos os critérios que assegurem a estabilidade dos indivíduos envolvidos.

Bibliografia

CAHALI, Yussef Said, Dos Alimentos, 2ª ed., São Paulo: RT, 1993.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: direito de família. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, V. 2, 2002.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, V. 3, 2001.

WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003.


Autor: milena caggy


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