Notas Introdutórias ao Pensamento Político de Aristóteles: O Regime de Inclusão de Ricos e Pobres




NOTAS INTRODUTÓRIAS AO PENSAMENTO POLÍTICO DE ARISTÓTELES: O regime de inclusão de ricos e pobres.


SUMÁRIO:
1.O ser se diz de vários modos; 2. As causas da comunidade política; 3. O melhor Regime de Governo; 4. Bibliografia.


1. O ser se diz de vários modos

De acordo com a teoria do conhecimento aristotélica, o ser possui quatro princípios ou causas: a material, a formal, a motriz e a final. Tais causas podem ser separadas apenas em pensamento, pois um ser requer todas para se constituir. Assim, se tomarmos substância como substrato, ela é matéria. Mas se a substância é "aquilo de que todo resto se predica"[1], ao retirar os predicados, por exemplo, de comprimento e largura, que são quantidades, resta o algo substancial como indeterminado. Aristóteles define matéria como "aquilo que, por si, não é nem algo determinado, nem uma quantidade nem qualquer outra das determinações do ser"[2]. Neste sentido, se a substância é reduzida à matéria, está-se dizendo que a substância é algo indeterminado. E isto é incompatível com o conceito de substância, visto que, se esta contém a possibilidade de sua separação do predicado, ela, necessariamente, precisa ser determinada. Só posso separar o que consigo distinguir. Como, então, resolver este problema? Atribuindo algo que determine a matéria. Este algo é a forma. É esta que define o que o ser é. Segue-se que a substância é necessariamente um composto de matéria e forma. Exemplificando: o bronze é a matéria, a feição desta matéria é a forma, e o composto de matéria e forma é a estátua.

No entanto, a forma só se manifesta ao ser por meio de um processo, de um movimento, o que implica na idéia de um motor (causa motriz) que, no exemplo retro, seria o escultor. E, além disso, ocorre que tal movimento tende a um fim, que já está embutido no ser desde o seu nascimento. A existência do ser é a existência para a realização de algo. O "fim constitui um princípio e o devir ocorre em função do fim"[3]. É assim que o ser se apresenta no mundo e por isto ele se diz de vários modos.

2. As causas da comunidade política

Se tomarmos como objeto de estudo a comunidade política sob o olhar das quatro causas, poderemos dizer que a sua causa material são as famílias, cujo conjunto irá formar a aldeia, que, por sua vez, quando reunidas com seus pares, formará a pólis. A causa formal é a constituição desta cidade, ou seja, "a ordenação das funções de governo nas cidades quanto à maneira de sua distribuição, e à definição do poder supremo nas mesmas e do objetivo de cada comunidade"[4]. A causa motriz e a causa final são, respectivamente, o legislador e o bem supremo, que consiste na possibilidade do homem atingir sua plenitude. O homem só é acabado, no sentido pleno, na comunidade e pela comunidade. Daí nós sermos animais políticos. A vida social é um meio imprescindível para a realização plena do homem e de sua felicidade.

O objeto da ciência política é justamente o estudo da melhor forma da comunidade política. Mas antes de adentrarmos na discussão da melhor forma, faz-se imperioso que nos voltemos para a razão de existirem várias formas e para a noção de cidadania formulada por Aristóteles. Em relação ao primeiro ponto, é pontual a seguinte frase do filósofo: "a razão da existência de várias formas de constituição é a presença em cada cidade de um número considerável de partes componentes da mesma"[5]. Ou seja, a cidade é constituída por uma diversidade – comerciantes, agricultores, etc. Quanto ao segundo ponto, pode-se dizer que é cidadão aquele que participa do governo da cidade. "Aquele que tem o direito de participar da função deliberativa ou da judicial é um cidadão da comunidade na qual ele tem este direito, e esta comunidade – uma cidade – é uma multidão de pessoas suficientemente numerosa para assegurar uma vida independente na mesma"[6].

Vários critérios existem para se definir se uma pessoa é cidadã ou não, sendo que cada um destes conduz para determinados tipos de regimes. Assim, em linhas gerais, se considerarmos cidadãos apenas os mais sábios, ou o mais sábio, estaremos sendo conduzidos para um regime monárquico. Se considerarmos os livres teremos um regime constitucional (politéia) e se considerarmos os melhores (aristói), caminharemos para uma aristocracia. Cumpre, então, especificarmos as características de cada um destes regimes, que são os regimes considerados puros, não degradados, bem como, cumpre-nos especificarmos as formas impuras de tais regimes.

3. O melhor Regime de Governo

Parece que Aristóteles se vale de dois critérios para a definição da forma de uma comunidade política, o numérico, no qual se volta para o número de indivíduos que governam, e o critério que pode ser chamado de moral e diz respeito ao interesse pelo qual o governante se orienta, que pode ser pessoal ou geral. Tais critérios podem ser apreendidos quando pensamos nas questões: "Quem governa?" e "Para quem se governa?".

Assim sendo, a forma pura da monarquia é o governo de um (critério numérico) voltado para o interesse geral (critério moral). E a sua forma degradada é a tirania, em que o governante está preocupado com os próprios interesses. A Aristocracia é o governo de poucos, os melhores (aristói), no interesse geral e possui como degradação a Oligarquia, governo de poucos no próprio interesse ou no interesse de grupos. Esta forma impura pode apresentar-se sob várias espécies, sendo que tais espécies se sustentam na força do dinheiro e na hereditariedade. Já a terceira forma de governo, a Politéia, concretiza-se no governo de muitos no interesse geral e pode se degradar tanto na Democracia, que é o governo de muitos no interesse próprio, quanto na Demagogia, que é o governo de todos em que predominam as paixões e a desordem.

Nas palavras de Aristóteles: "Costumamos chamar de reino uma monarquia cujo objetivo é o bem comum; o governo de mais de um a pessoa, mas somente poucas, chamamos de aristocracia, porque governam os melhores homens ou porque estes governam com vistas ao que é melhor para a cidade e seus habitantes; e quando a maioria governa a cidade com vistas ao bem comum, aplica-se ao governo o nome genérico de todas as suas formas, ou seja, governo constitucional...os desvios das constituições mencionadas são a tirania, correspondendo à monarquia, a oligarquia à aristocracia, e a democracia ao governo constitucional; de fato, a tirania é a monarquia governando no interesse do monarca, a oligarquia é o governo no interesse dos ricos, e a democracia é o governo no interesse dos pobres, e nenhuma destas formas governa para o bem de toda a comunidade"[7].

Qual, então, é a melhor forma, dente as puras, de constituição da comunidade política, ou seja, qual é a melhor ordem (taxis) das diversas magistraturas dentro da cidade? Considerando que as diversas classes que compõem a comunidade (comerciantes, agricultores, etc) podem ser reduzidas a ricos e pobres, o melhor governo é aquele que inclui as pretensões destas duas esferas da sociedade. Ou seja, é o governo em que todos, de certa forma, participam. Os pobres tendo a proteção de sua liberdade e os ricos tendo a satisfação do poder em nome da riqueza. Cumpre observar que estas pulsões só coexistem quando limitadas de modo subordinado a um bem comum. "Modera-se...a riqueza de uns e limita-se a independência dos outros para que a pólis possa existir e cada um viver, segundo seus interesses, o melhor possível"[8].

Pode-se dizer que esta ordem é um reflexo do ideal de unidade do mundo grego. Dai o melhor regime ser aquele que é "misto", o qual, consoante Aristóteles, é denominado de Politéia, pois, conforme ensina o Professor Sérgio Cardoso, "este regime, segundo o filósofo, entende realizar um equilíbrio, um "justo meio", entre os dois partidos opostos a que pode ser reduzida a cidade, de modo a garantir sua influência ativa nas decisões do governo"[9]. RDC, 2006.

4. Bibliografia

- ARISTÓTELES. METAFÍSICA. Tradução de Giovanni Reale. São Paulo: Edições Loyola, 2002;

- ARISTÓTELES. POLÍTICA. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.

- CARDOSO, Sérgio. PENSAR A REPÚBLICA. Organizador: Newton Bignotto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

_________________________ . : _________________________




Autor: Rafael De Conti


Artigos Relacionados


A Concepção Do Divino Em Aristóteles

PolÍtica ComunitÁria

Pasma Imaginação

A Partir De Valores Éticos Um Novo Brasil

País De Duas Faces

A Meméria Brasileira Na Ação Da Cidadania

Um País Dentro De Uma Cidade.