ATEÍSMO ANTROPOLÓGICO



ATEÍSMO ANTROPOLÓGICO

 

Alex de Sousa[1]

 

“O homem é o grande projeto e Deus a sua projeção”

(Feuerbach)

“A morte de Deus é a aurora de humanidade nova”

(Nietzsche)

“Não há Deus, mas há o ser que projeta ser Deus, isto é, o homem: projeto que é, ao mesmo tempo, ato de liberdade humana e destino que a condena à falência”

(Sartre)

 

INTRODUÇÃO

 

Neste presente trabalho, apresentaremos pensamentos relacionados ao Ateísmo Antropológico, que surge como uma das respostas ao anseio da humanidade em conhecer-se. Porém, antes mesmo de debruçarmos esta corrente de pensamento, se faz necessário conhecermos o contexto histórico que a mesma nasce. Analisando a estes aspectos expomos o nosso conteúdo da seguinte forma: Contexto histórico e influências para o surgimento do ateísmo antropológico e Os principais pensadores com suas respectivas contribuições.       

 

  1. 1.            CONTEXTO HISTÓRICO E INFLUÊNCIAS PARA O SURGIMENTO DO ATEÍSMO ANTROPOLÓGICO   

 

O homem por natureza busca conhecer-se para assim, poder encontrar o sentido de sua vida. Foram muitas as tentativas desta busca, pois de diversos modos e por vários meios, o homem procurou sanar a este mal que lhe afligia. Começou então, buscando a origem deste mundo para poder assim se situar nele, de inicio procurou sua origem na natureza, mas a mesma, o levou a pensar que talvez a sua criação estivesse além dela, e assim surge a ideia de uma força que move e não é movida. Força esta que muitos denominaram Deus, mas o homem com todo o seu desejo de conhecer-se, não se conforma com esses avanços, ele deseja muito mais que isso, pois essa força que move e não é movida ainda está muito distante dele, esse Deus Criador que é infinito, onipotente, onisciente não o ajuda a conhecer-se, mas pelo contrário, o torna mais distante de sua busca.

O homem com esse desejo de se conhecer provoca possibilidades de questionar até que ponto a existência de Deus pode realmente ter fundamento. Outrora podemos perceber que desde sempre o homem questionou sua real existência e é a partir deste questionamento que surge também a possibilidade de negar a Deus e juntamente com está negação de Deus surge o ateísmo.

 

Sócrates foi condenado à morte por ser ateu. Entretanto Sócrates não negara a Deus, mas apenas a veneração dos deuses da tradição grega. O ateísmo, no sentido próprio e atual, não só nega a pluralidade de deuses e/ou determinado culto a Deus, mas é a negação de Deus, ao menos como absolutização do próprio homem. Ora, tal negação era difícil na Antiguidade e na Idade Média. (ZILLES, 2007, p. 99).

 

A citação acima, nos ajuda a explicitar que esse processo foi lento e gradual, e muitos lutaram fortemente contra esse pensamento que aflorava. Porém, antes de criticarmos a períodos anteriores a este pensamento devemos entender que a história é formada de acordo com seu contexto social vigente e bem sabemos que Antiguidade (em alguns contextos) e Idade Média não nos ofereceram espaço para uma liberdade de expressão. Cada um destes períodos tinha a sua peculiaridade. Mas com chegada da Idade Moderna surge o antropocentrismo, e este por sua vez, nos trás uma grande contribuição para o surgimento e crescimento do ateísmo. Portanto, quando as correntes antropológicas buscam no próprio homem o seu entendimento surge o ateísmo moderno com o intuito deslocar Deus do centro colocando o homem em seu lugar.

 

  1. 2.            OS PRINCIPAIS PENSADORES COM SUAS RESPECTIVAS CONTRIBUIÇÕES

 

Como vimos no contexto histórico surge na modernidade “tal ateísmo que penetrou em todas as camadas sociais e, sob o pretexto de cientificidade, ameaça a fé em Deus e o cristianismo. O homem passa a autodeterminar-se de maneira atéia (ZILLES, 2007, p. 99). O ateísmo moderno desenvolveu algumas linhas de pensamento e uma delas é o antropológico, que têm como ideologia, não ser possível o homem libertar-se sem antes negar a Deus, sendo assim, postula total autonomia econômica e política do homem, sem nenhuma referência a valores religiosos ou metafísicos. Temos como seus principais representantes Feuerbach (o precursor), Nietzsche e Sartre.

 

2.1  Ludwig Feuerbach (1804 – 1872)

 

Ludwig Feuerbach nasceu em Landschut (Baviera) no dia 29 de julho de 1804. Em 1823 iniciou, em Heidelberga, o estudo de teologia, passando depois para a filosofia. Em 1824 começou a freqüentar as aulas de Hegel em Berlim; em 1828 obteve a livre-docência na Universidade de Erlangen. Morreu nas imediações de Nuremberga, aos 13 de setembro de 1872. Suas principais obras são: Crítica da filosofia hegeliana (1839), A essência do cristianismo (1841), Princípios de uma filosofia do futuro (1843), A essência da religião (1845), O mistério do sacrifício ou o homem é o que ele come (1862), Espiritualismo e materialismo (1866).

Feuerbach como o pai do ateísmo moderno nos trás grandes contribuições nesta nova maneira de se pensar Deus, não como um ser existente em si mesmo, mas sim, como uma projeção daquilo que o homem deseja ser. Essa sua maneira de pensar vai provocar de forma indireta ou direta o surgimento de todas as outras linhas de pensamento ateísta. Feuerbach era obcecado pela teologia, tanto é que ele mesmo resume sua evolução espiritual nos seguintes termos: “Deus foi meu primeiro pensamento; a razão, o segundo; o homem, o terceiro e ultimo”.

Para entendermos o ateísmo de Feuerbach é preciso antes de tudo, sabermos que sua nova filosofia trás como ponto de partida o ser real, não a consciência ou o pensamento, que são derivados ou secundários da realidade fundamental que é a natureza, ou seja, o pensamento provém do ser, mas não o ser do pensamento. Portanto, a sua crítica a religião está justamente no que concerne a essência, pois o homem considera a sua essência separada de si como Deus. Como causa disto, surge à necessidade de atribuir a Deus tudo aquilo que ele (o homem) deseja, ou seja, para Feuerbach a ideia de Deus e seus atributos tem o caráter de “hipostatização: o homem projeta todas as suas qualidades positivas numa pessoa divina e faz dela uma realidade subsistente, diante da qual ele se sente esmagado como um nada ou, pelo menos, como um miserável pecador” (MONDIN, 1987, p. 93). O homem faz da hipostatização porto seguro para todas as suas necessidades.

Na defesa de seu ateísmo antropológico Feuerbach não busca suprimir a religião, mas apenas deseja nos alertar contra as ilusões causadas por ela, inclusive no que concerne a hispotatização.

 

O ateísmo é, então, o caminho necessário para o homem redescobrir sua dignidade, reconquistando sua essência perdida. A questão do ser ou não ser de Deus torna-se a questão do ser ou não ser do homem. A este homem, assim definido, Feuerbach dá o lugar que Hegel dera ao absoluto. O homem (espécie) converte-se no ser supremo, na medida de todas as coisas e de toda a realidade. (ZILLES, 2007, p. 106).

 

 

Portanto, finalizando a nossa reflexão sobre o pensamento de Feuerbach concluímos que ele defendia um ateísmo consciente, onde rejeitava toda e qualquer interpretação que partisse de um além metafísico ou religioso, ou seja, sua doutrina se encerra dizendo que Deus não existe, ao menos de maneira separada do homem e da natureza. Seu ateísmo é insuficiente para caracterizar sua posição, mas pelo menos ele o designa no seu aspecto negativo. Positivamente afirma a realidade da natureza e do homem. Logo, podemos dizer que sua posição é de “inversão”, pois seu objetivo é a elaboração de uma antropologia humanística. Enfim, sabemos que ainda hoje o pensamento Feuerbachiano nos é de grande influência.

“Feuerbach morreu com 68 anos de idade. Mas as questões por ele formuladas perduram e não mais devem ser ignoradas. Seu drama é também o drama do homem contemporâneo que simultaneamente rejeita Deus e aceita o divino. Substitui-se a “religião de Deus” pela “religião do homem”. Devemos reconhecer que, por um lado, teólogos e igrejas muitas vezes defendem Deus contra os homens, o além contra o aqui. A religião histórica muitas vezes defendeu Deus às custas da humanidade, o ser cristão às custas do ser homem. Na história do cristianismo muitas vezes Deus foi fabricado de acordo com os anseios e as necessidades ou finalidades do momento, criando Deus à sua imagem e semelhança. Muitas vezes a Igreja católica também usou de Deus para cuidar de seus próprios interesses. Por isso, sob alguns aspectos, a crítica de Feuerbach é pertinente enquanto se refere a manifestações históricas do cristianismo” (ZILLES, 2007, p. 118).

 

2.2  Friedrich Nietzsche (1844 – 1900)

 

Friedrich Nietzsche nasceu em Röcken, na Alemanha, no dia 15 de outubro de 1844. Estudou filosofia na Universidade de Bonn e Lípsia. Lecionou por algum tempo em Basiléia, mas por motivos de saúde, renunciou à cátedra em 1879. A sua fama começou a se difundir justamente quando, encerrado em sua loucura, não podia mais tomar conhecimento do fato. Morreu aos 25 de agosto de 1900. Suas obras foram: Humano, demasiadamente humano (1878), A alegre ciência (1882), Além do bem e do mal (1885), A genealogia da moral (1887), Assim falou Zaratustra (1891). Ainda se fala em uma obra sua A vontade do poder que ficou incompleta.

O ateísmo defendido por Nietzsche nasce justamente desta nova concepção cultural humanística, onde o homem deve emancipar-se através do ato puro de recusa a Deus. Sendo assim, o homem devia estar voltado para a sua vida concreta e não para algo distante de si. Nietzsche ao contrário de Feuerbach deseja a destruição da religião, pois a mesma só torna o homem apenas um ser servil, mesquinho, fraco, imaturo, decadente. Como Feuerbach ele busca demonstrar que a filosofia deve estar a serviço da vida concreta do homem.

Seu ateísmo tem como centro o interior do próprio homem, no seu sentimento de potência. Segundo ele, o homem é capaz de superar-se a si mesmo, ele pode sair deste estado mesquinho que a religião o impõe, ele pode se tornar um super-homem ou um além-homem. Mas, para isso, Nietzsche nos diz que “o homem tem que passar por uma dupla metamorfose: a primeira transforma-o de resignado camelo (o homem bom, obediente, humilde, religioso, moralista) num agressivo leão (o espírito livre, autônomo, legislador de si mesmo, senhor absoluto dos próprios atos, que se libertou das amarras morais e religiosas); a segunda metamorfose transforma-o de furioso leão em inocente criança, que admira e ama a realidade em todas as suas manifestações e pronuncia um festivo e transbordante sim à vida” (MONDIN, 2005, p.147).

Com esta dupla metamorfose realizada, Nietzsche parte para o massacre do cristianismo e o rotula como uma religião antinatural, ou seja, a origem da religião nada mais seria que apenas uma autonegação, uma expressão da decadência da vida. A vontade de ser encontra nela seus limites. Sendo assim, temos que acabar com a religião e consequentemente também com seu Deus, então matem Deus e seremos livres.

Com a formulação da morte de Deus morre também todos os valores que antes giravam em torno dele. Valores estes, que para Nietzsche são dissociados da vida, tornando-a mais hostil, ou seja, esses valores em si nada são; são apenas criação do homem. Para ele a morte de Deus nada mais é que uma decisão existencial do próprio homem.

 

Para Nietzsche, a fórmula Deus está morto não é enunciado de um fato de verificado nem lamúria de alma enlutada, nem a ironia de inteligência lúcida. É uma decisão existencial do próprio homem. Veja-se que Nietzsche não afirma “Deus não existe”, nem “não creio em Deus”. Afirma “quero que Deus não exista” (ZILLES, 2007, p. 118).  

 

Vejamos então que Nietzsche não está preocupado em criticar os argumentos dos seus adversários, ele apenas os despreza, pois classifica a doutrina dos mesmos como uma doença. Para ele Deus é apenas um pesadelo que leva a uma fuga do mundo e das grandes tarefas humanas. Quando Nietzsche mata Deus nos perguntamos então o que vem depois de sua morte? Para ele a resposta é clara e evidente: “se Deus morrer, seu lugar deve ser ocupado pelo homem que acredita em si mesmo”. É importante percebermos que a sua afirmação da morte de Deus deverá ser entendida apenas como uma interpretação da situação presente e futura para levar a serio o ateísmo.

Concluímos dizendo que o ateísmo de Nietzsche, como todo o ateísmo moderno em geral, apresenta-se como um novo humanismo, com nova ética que pretende libertar definitivamente o homem de sua alienação religiosa.

 

2.3  Jean-Paul Sartre (1905 – 1980)

 

Jean-Paul Sartre nasceu em Paris aos 21 de junho de 1905. Estudou filosofia na École Normal Supérieure. Iniciou a carreira literária como jornalista, passando mais tarde para o teatro. Quando começou a segunda guerra mundial, foi chamado às armas, caindo prisioneiro dos alemães em 1940. Nos anos após-guerra foi o filósofo mais popular da França e o mais discutido da Europa. Tentou também, mas sem êxito, formar um movimento político. Aproximou-se do partido comunista Francês, assumindo em relação a ele o papel crítico externo, com a intenção de estimulá-lo e melhorá-lo. Suas obras mais importantes são: A imaginação; o ser e o nada. Ensaio de uma ontologia fenomenológica; A crítica da razão dialética. Das obras teatrais rememoramos: As moscas; o diabo e o bom Deus. Dos romances: A náusea.

O existencialista Jean-Paul Sartre falando de seu ateísmo afirma que Deus não tem existência real, ele não passa de uma simples hipostatização dos ideais humanos. Vemos que Sartre comunga das ideias de Feuerbach e de Nietzsche, ou seja, para ele Ser homem é tender a ser Deus; o homem é fundamentalmente desejo de ser Deus.

 

Afirmar que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o ser humano (ZILLES, 2007, p. 186).     

 

Sartre em seu existencialismo nos mostra que o projeto fundamental da realidade humano é justamente que o homem é o ser que projeta ser Deus. Ele nos explica isso partindo da teoria do ser-em-si e o ser-para-si. “A paixão do homem é ser-em-si, já que o ser-para-si (ou o ser da consciência) é um puro nada. Mas como desejo do ser-em-si (isto é, do ser objetivo de fato), a consciência tende para o ideal de uma consciência que seja, com a simples consciência de si mesma, o fundamento do seu próprio ser-em-si” (MONDIN, 1987, p. 203). Deste modo, este ideal que se pode chamar de Deus não passa de uma projeção do homem, querendo dar fundamento ao seu ser, ou seja, o homem nada mais é do que aquilo que se faz de si mesmo.

Para Sartre o homem projeta-se continuamente e persegue fins transcendentes para poder existir, mas está transcendência constitutiva do homem não é relação com Deus. Fica claro então, que o seu ateísmo não é uma tentativa de demonstrar que Deus não existe, mas sim uma tentativa de dizer que se ele existisse nada mudaria. Pois, o homem independente de Deus só existe à medida que se realiza; não é nada além do conjunto de seus atos. Sartre da mesma forma que Nietzsche nega Deus para afirma o homem.

Concluímos a nossa abordagem do pensamento ateísta de Sartre focalizando o seu desejo de apresentar um existencialismo, em estilo popular, como humanismo, definindo o homem pela ação, pondo seu destino nele próprio. Queria explicar o homem e o mundo a partir do nada. Seu ateísmo foi também postulatório, ou seja, não racionalmente provado.  

 

CONCLUSÃO

 

            Chegando ao término do nosso trabalho, concluímos que o ateísmo antropológico apresentado pelos pensadores Feuerbach, Nietzsche e Sartre, ateísmo este moderno, buscou de modo geral: apresentar um novo humanismo; uma nova ética que deseja libertar definitivamente o homem de sua alienação religiosa; postulou a negação de Deus para recuperar o homem em sua humanidade integral; transferiu a fé em Deus para o outro (Deus: nada). Estes pensadores ateístas antropológicos propuseram a velha problemática da conciliação do ser necessário e do ser contingente, do infinito e do finito, da coexistência de Deus e do homem, o problema do humanismo cristão e da esperança cristã. O desejo maior destes pensadores eram gerar uma ascensão do homem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ESTRADA, Juan Antonio Diaz. Deus nas tradições filosóficas: Da morte de Deus à crise do sujeito, v. 2. Tradução Maria A. Diaz. São Paulo: Paulus, 2003. (coleção filosofia)

 

PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino. (org.) Deus na filosofia do século XX. Tradução Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2002.  

 

MONDIN, Batista. Curso de filosofia: os filósofos do Ocidente, v. 3. Tradução Benôni Lemos; Revisão João Bosco de Lavor Medeiros. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1987. (coleção filosofia)

 

MONDIN, Batista. Quem é Deus: elementos de teologia filosófica. Tradução José Maria de Almeida. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. (coleção filosofia)

 

ZILLES, Urbano. Filosofia da religião. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2007. (coleção filosofia)

 


  1. Estudante do Curso de Licenciatura em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e letras de Cajazeiras.

 


Autor: Alex De Sousa


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