Em Defesa Da Impenhorabilidade Do Imóvel Residencial Do Fiador De Locação



DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEORIA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

ODETE CAMARGO DE CAMPOS

EM DEFESA DA IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL DO FIADOR DE LOCAÇÃO

Porto Alegre

2008

INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar com base na Constituição federal e na Emenda Constitucional número 26/2000 e inciso VII, do artigo 3º da lei 8009/90, que admite a penhora do imóvel residencial do fiador de locação, por obrigações decorrentes da fiança de locação. Sobre o assunto surgiram duas correntes: uma sustentando a possibilidade da penhora do bem de família do fiador locatício e outra, com fortes argumentos baseados nos princípios constitucionais, sustentando ser impenhorável o bem de família, também nos caso de fiança de locação.

A questão resultou polêmica, inclusive havendo divergências de votos, nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, tendo predominado o entendimento de que não existe incompatibilidade entre a lei e a emenda mencionada.

Nos filiamos, a corrente que sustenta a impossibilidade de penhora do bem de família do fiador de locação, sob o fundamento de que a previsão legal de possibilidade de penhora do bem de família do fiador de locação, não tem nenhuma eficácia, tendo em vista ter a Emenda Constitucional 26/2000 incluído a moradia, no rol dos Direitos Sociais e por tratar-se de norma de eficácia plena e de aplicação imediata.

Invoca-se a aplicação dos princípios constitucionais, como o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana, que também servem de fundamentos para impedir a possibilidade de penhora do bem de família do fiador de locação, tendo como base a Constituição que é a Suprema das Normas, a Lei Maior, a Lei Fundamental do Estado. Sendo que, é a partir dela que se delineia a organização política que o Estado adota e disciplina os direitos e garantias do cidadão. Sendo que, como ponto de partida, busca-se ainda, esclarecer requisitos constitucionais que devem ser obedecidos, ou seja, princípios e garantias fundamentais estabelecidos na esfera constitucional que, ao serem analisados, claramente vislumbra-se a existência de e uma incompatibilidade, que gera a impossibilidade de aplicação do artigo 3º da Lei 8009/90, por afrontar Princípios Constitucionais.

Para por um fim ao conflito e afastar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador de locação, acredita-se ser necessária a conscientização dos operadores do direito, dos juristas, em especial dos juízes, aplicadores do direito, que o façam no sentido horizonte das constituições, de forma a atender os mecanismos de aplicação da lei, obedecer aos princípios e garantias consagrados pela Constituição Federal e a Função Social dos Contratos, garantindo assim a proteção ao bem de família do fiador de locação, instituto consagrado desde 1939, com lei denominada homestead, na República do Texas.

1 A IMPORTÂNCIA A CONSTITUIÇÃO NA APLICAÇÃO DA LEI 8.009/90

Para abordar o tema referente à Inconstitucionalidade ou inaplicabilidade do inciso VII, do artigo 3º, da lei 8009/90, deve-se partir, inicialmente, de uma abordagem sobre a importância da efetivação das normas constitucionais, dado o caráter da lei e da norma jurídica, que excluem toda e qualquer arbitrariedade em face da Supremacia da Constituição.

O constitucionalista Paulino Jacques acentua competir aos tribunais apreciar a Constitucionalidade das Leis, além de ministrar justiça aos postulantes, no grau e forma legais. Aduz ser esta a mais relevante de suas atribuições, por não ser só jurídica, mas também política, na acepção aristotélica e ruiana, salientando que possuir atribuição política é coisa diferente de conhecer de "questão política". Porém, nada mais vago do que essas "questões políticas", que Marshall, o criador da doutrina, definia como sendo aquelas que diziam respeito à nação e não aos direitos individuais. Na época do chief justice, princípios do século XIX, era possível fazer uma separação nítida entre interesse nacional e interesses individuais, a fim de verificar se a questão, era ou não política. Hoje, isso não mais ocorre, porque esses interesses se acham de tal forma entrelaçados, por força da marcha socializadora do Direito, que quase não se pode, distinguir um interesse nacional de um interesse individual.[1] Pontes de Miranda refere que, desde que a questão política, envolva um direito individual ferido, pode dela conhecer o poder judiciário.[2]

A verdade, é que não se pode como disse Rui Barbosa, na conferência de Haia (1907) levantar muralha entre o direito e a política, tão avassaladora é esta, entendida como a ciência e arte de governo, não é apenas questão de conveniência, oportunidade e acerto, mas também de interesse nacional com repercussão em interesses individuais.[3]

Na realidade a questão de inconstitucionalidade das leis, é também questão política latu sensu, porque diz respeito à sujeição da ordem legal à Ordem Constitucional e interessa a toda a nação podendo, portanto, o poder judiciário pode dela conhecer.[4]

A idéia da Supremacia da Constituição foi desenvolvida e globalizada por Hans Kelsen, com a criação da pirâmide Kelsiana, muito embora o primeiro reconhecimento significativo de tal superioridade tenha acontecido por meio de jurisprudência americana, em um caso que ficou mundialmente famoso e ganhou o nome de Marbury X Madison, no qual a Suprema Corte Americana se viu confrontada com o desafio de aplicar a Constituição e com isso fazer justiça ao caso, porque a lei era contrária a ela ou aplicar a lei, cometendo, na verdade um atentado à própria constituição formal. O caso foi encaminhado ao juiz John Marshall que, numa belíssima exposição demonstrou que decretar a inconstitucionalidade de uma lei estava ínsito à própria função jurisdicional, sendo desnecessária, a existência de determinação expressa neste sentido, na medida em que o controle apresenta-se inerente ao exercício da jurisdição.[5]

Mais tarde, por direito, por direito expresso (algumas Constituições de Estados-membros da América do Norte; Constituição Federal de 1891, art. 70 §1º, a, b. Constituição do México, 1917, art. 05; Constituição de Weimar, art. 19; Constituição Brasileira de 1934, arts. 76 81 e 179).[6]

Assim, constata-se que, as normas superiores servem de fundamento às normas inferiores. A validade das normas de grau imediatamente inferior decorre da validade da norma situada no plano imediatamente superior e assim, sucessivamente até a norma suprema.

Importante salientar, que transcorridos 19 anos da Promulgação da Constituição, parcela excessiva da regras e princípios nela previstos continuam ineficazes.

Bernard Schwartz esclarece que o poder de interpretar as leis implica forçosamente na função de determinar se elas estão em conformidade com a Constituição, ou não; e se não estiverem, declará-las nulas e ineficazes. Como a Constituição é a Suprema das leis, quer as do Congresso, quer as dos Estados, é dever e obrigação do judiciário, cumprir apenas isso. Caso contrário os atos do Legislativo e do Executivo se tornariam na realidade supremos e incontroláveis, não obstante as proibições ou limitações estabelecidas pela Constituição Federal, sobrevindo em conseqüência usurpações de caráter evidente e perigoso, sem qualquer remédio ao alcance dos cidadãos.[7]

O Ordenamento Constitucional Brasileiro aponta para um Estado forte intervencionista e promovedor, na esteira daquilo que, contemporaneamente entende-se por Estado Democrático de direito, como acentua Streck:

O direito, no Estado Democrático de Direito recupera a sua especificidade, devendo ser, hoje, um campo necessário de luta para a implantação das promessas modernas. É importante observar, neste contexto, que em nosso país, há até mesmo uma crise de legalidade, uma vez que nem sequer esta é cumprida, bastando para tanto, ver a inefetividade dos dispositivos da Constituição.[8]

O autor acrescenta que esta inefetividade, põe em xeque, já de início, o próprio artigo 1º da Constituição, que prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que segundo este dispositivo, constitui-se em um Estado Democrático de Direito, enfatizando que a Constituição 1988 é classificável como social e inclui-se no moderno Constitucionalismo, lado a lado com as Constituições pós-guerra. E ainda, uma Constituição dirigente, contendo no seu ideário a expectativa da realização dos Direitos Humanos e Sociais que até hoje (só) negados à Sociedade Brasileira.[9]

É preciso efetivar o Texto Constitucional através de mudanças urgentes na postura dos juristas/operadores do direito, como acentua Streck:

Há que se redimensionar o papel do jurista e do poder judiciário, neste complexo jogo de forças (sociais e políticas), na exata medida em que se coloca o seguinte paradoxo: Uma Constituição rica em Direitos Individuais, Coletivos e Sociais e que, reiteradamente, (só) nega a aplicação de tais direitos.[10]

Esta efetividade nada mais é afirmar que o jurista especialmente o juiz, conforme assinala Sarlet, deve firmemente orientar sua atividade jurisdicional no julgamento de litígios de natureza pública ou nos de natureza privada, no sentido horizonte traçado pela Constituição, qual seja a edificação de uma sociedade mais justa, livre, solidária, construída sobre o fundamentalíssimo pilar da dignidade de todos os seus cidadãos.[11]

A Constituição, por ser a lei maior, caracteriza-se pela Supremacia das suas normas, lex. fundamentalis, ou sua posição como lex. superior, que resulta, dos termos dos artigos 1º, inciso III, 20, III e 100, inciso I da Lei Federal.

Ribeiro Bastos afirma que:

O postulado da Supremacia da Constituição repele todo o tipo de intervenção que venha de baixo, é dizer, repele toda a tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é sempre o contrário, vale dizer procede à interpretação do ordenamento jurídico a partir da Constituição.[12]

A Constituição deve ser analisada como algo único e indecomponível, de modo que não deixa margens de contradições entre suas normas. Isto, segundo as lições de Canotilho obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar.[13]

Constata-se que a Constituição é o fundamento da ordem jurídica, como ensina Souza, emergem dela as regras fundamentais da organização social, política e econômica. Centram-se as demais normas jurídicas vigentes no Estado, assevera que pelo fato de ser a Constituição a Lei Maior e constituir o fundamento da ordem jurídica resultam dela conseqüências concretas relevantes. Uma delas a da inconstitucionalidade das normas que afrontam a Lei Suprema. E, acrescenta, as regras nela estabelecidas são básicas porque fundamental sistemática e sistematizadamente à ordem jurídica estatal, sendo limitadoras porque fora e contra elas a norma comum de direito não pode atentar. Ensina o autor que a regra jurídica que assim fizer será acoimada de inconstitucional e será considerada como não escrita. Tal regra de direito positivo não produzirá quaisquer efeitos, desde que assim declarado pelo tribunal constitucional competente, na forma em que a própria constituição houver estabelecido.[14]

Do que foi dito, conclui-se que o vício da inconstitucionalidade legislativa agride a própria Democracia, por implicar a violação pelo Legislador Ordinário das normas que formam os pilares do edifício democrático, visto que, a inconstitucionalidade surge a partir de um confronto com o parâmetro constitucional.

Pelo exposto, constata-se, portanto que o inciso VII, do artigo 3º da lei 8009/90, não foi recepcionado pela emenda Constitucional número 26, que introduziu no rol dos direitos sociais o direito à moradia, verifica-se também que ocorreu violação do princípio da isonomia (art. 5º caput, da Carta Magna) e aos direitos e garantias fundamentais.

Tal impasse nos leva a argumentar a favor do controle judiciário em relação à legalidade do artigo 3º da Lei 8009/90, que é o tipo de controle que consiste em verificar a concordância de um ato (regulamento, decreto, portaria, etc.), com os preceitos da Lei, deverá competir-lhe, por isso, o controle da constitucionalidade, uma vez que não deixa de ser um caso particular de controle da legalidade.

De outra parte, se o Controle da Legalidade é da rotina dos Tribunais e dos Juízes, todo o Juiz ou Tribunal deve exercer o Controle de Constitucionalidade das Leis, nos casos de sua competência, não havendo razão para se atribuir esse poder a um só órgão. Trata-se da vigilância que os Juízes e Tribunais exercem sobre as Leis e Atos Normativos que lhes são submetidos a julgamento.[15]

O Controle da Constitucionalidade das Leis pode ser alcançado por cinco formas distintas: via ação declaratória, por via de exceção, por via incidental e por via própria. Sendo que, Celso Ribeiro Bastos enfatiza que a via de ação tem por condão expelir do sistema a lei ou ato inconstitucionais e que, a via de defesa ou de exceção limita-se a subtrair alguém aos efeitos de uma lei ou ato com o mesmo vício.[16]

Constata-se que inexiste, um ataque frontal ao direito visando à decretação da Inconstitucionalidade da Norma, isso ocorre indiretamente: alguém é chamado a juízo e argúi, em defesa, a matéria de inconstitucionalidade, alega que aquela pretensão não pode prosperar, porque amparada em uma norma que traz em si, o vício maior, o da Inconstitucionalidade.

O julgador, antes mesmo de examinar o mérito da pretensão do autor, há de se pronunciar sobre a alegada Inconstitucionalidade. A decisão nestes casos produzirá efeitos inter partes, isto, é os efeitos da decisão não se estendem a todos.

É sabido que, em regra, o Judiciário somente atua na solução de casos concretos, quando se verificar lesão a direito. Entende-se que a simples existência de uma Lei Inconstitucional é atentatória a segurança jurídica do cidadão porque a norma Inconstitucional é incompatível com a norma jurídica.

Em relação ao tema proposto, neste trabalho, pode-se exemplificar com o seguinte caso: numa ação de execução contra um fiador de locação, onde ao ser penhorada a moradia deste, o mesmo, na condição de executado defende-se alegando que a impossibilidade de penhora do bem de família, no caso de fiança locatícia, porque fora instituída por Lei Inconstitucional. Aí está o controle chamado por via de exceção, isto é, a alegação de Inconstitucionalidade é fundamento de defesa em uma ação de execução.

Entende-se que o juiz não pode declarar a inconstitucionalidade do inciso VII, do §3º da Lei 8009/90, quando argüida na ação como prejudicial ou exceção. Entretanto, como não seja obrigado a aplicar Lei Inconstitucional, o que pode fazer é afastar a sua aplicação e julgar a lide, em benefício de quem alegou a Inconstitucionalidade.

Em suma, de acordo com a regra prevista no artigo 97 da Constituição Federal, a Inconstitucionalidade de Lei ou Ato do Poder Público, só pode ser declarada pelos Tribunais, ou pelos seus órgãos especiais, onde houver. Portanto, se ao Tribunal ou ao seu Órgão Especial é que compete a declaração de Inconstitucionalidade, não pode declará-la o órgão fracionário (a câmara separada, o grupo de câmaras ou as câmaras reunidas), seja no julgamento de recursos ou de causas de sua competência. Caso o órgão Fracionário se inclinar pela inconstitucionalidade da lei (no caso do inciso VII, do § 3º, da Lei 8009/90), resta-lhe lavrar o acórdão e submeter à questão ao Tribunal Pleno.

Em conclusão, o Juiz julga a causa afastando de imediato a aplicação do inciso VII, do artigo 3º, da Lei 8009/90, e a Câmara, conhecendo do recurso interposto pelo fiador locatício, poderá inclinar-se pela Inconstitucionalidade, se achar que o juiz tem razão, e submete a questão constitucional ao julgamento do Tribunal Pleno. Concluindo que se trata de Inconstitucionalidade, restitui os autos ao órgão de onde vieram, e este órgão completa então o julgamento, se a lei impugnada foi considerada Inconstitucional, nega provimento ao recurso do exeqüente e confirma a decisão manifestou-se pela Inconstitucionalidade da lei. Deste julgamento cabe recurso ao STF.

1.2 Dos direitos e Garantias Fundamentais

O artigo 5º, § 1º da Constituição Federal contém uma norma significativa, ao prever que os Direitos e Garantias Fundamentais são diretamente e imediatamente vinculantes.

No tocante a nova concepção de direitos fundamentais, diretamente vinculantes, ensina Fachini Neto, que a administração deve pautar suas atividades no sentido de não só violar direitos, como também de implementá-los praticamente, mediante adoção de política públicas que permitam o efetivo gozo de tais direitos fundamentais, por parte dos cidadãos. Em relação ao legislador são impostos pelo reconhecimento da eficácia jurídica dos Direitos Fundamentais, deveres positivos, no sentido de editar legislação que regulamente as previsões constitucionais, desenvolvendo os programas contidos na Constituição. Afirma que não é suficiente abster-se de editar Leis Inconstitucionais, porque é imposto o dever de agir positivamente.[17] Isto quer dizer, deixar de aplicar leis que possuem contradições com a Constituição ou que não foram por ela recepcionadas, como no caso do inciso VII, do art. 3º da Lei 8009, face à sua incongruência com a emenda Constitucional número 26/2000.

Dimoulis dissertando sobre o tema refere que isso significa que os Direitos Fundamentais devem ser respeitados, pelas autoridades estatais, incluindo o Poder Legislativo que não pode restringir um Direito Fundamental de forma não permitida pela Constituição, citando Ingo Sarlet que justifica que, no caso, evidencia-se que os Direitos Fundamentais não são simples declarações políticas, mas preceitos que vinculam diretamente o Poder Estatal.[18]

Refere o autor que os conflitos sobre Direitos Fundamentais envolvem fortes interesses políticos e econômicos o que dificulta a imparcialidade do intérprete. Este conflito inicia-se, no momento em que alguém e, principalmente uma autoridade estatal, impede o exercício de um direito, invadindo a área de proteção. Segundo o autor esta intervenção é causada por normas ou omissões de autoridade imediatamente inferior à Constituição, que pode ocorrer de forma direta ou indireta, com ou sem coação, mediante ação ou omissão. Acrescenta, ainda que sejam raros os casos nos quais a legislação infraconstitucional apresenta lacunas de proteção do titular de Direitos Fundamentais, tendo em vista que na maioria dos casos, particulares respeitam os direitos fundamentais de forma reflexiva, cumprindo a legislação ordinária.[19]

1.3 Dos Direitos Individuais

O artigo 5º da Constituição Federal estabeleceu os princípios concernentes aos Direitos Individuais, onde são assegurados o direito à vida, à liberdade, à segurança jurídica e à propriedade.

Sebastiàn Tedeschi acentua a importância do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua resolução 2200 A (XXI) de econômicos de 16 de dezembro de 1966, com entrada em vigor em janeiro de 1976, como sendo o instrumento principal para a proteção ao direito à vida adequada, sendo composto por regras específicas em matéria de desabrigos forçosos, o qual prevê que uma vida adequada deve ser habitável, isto é, que ofereça espaço adequado aos seus ocupantes e protegê-los do frio, da umidade, do calor da chuva, do vento e de outros perigos para a saúde, riscos e estruturais e indicadores de outros perigos.[20]

Esclarece também o sentido do termo utilizado desalojos forçosos, como a ação de fazer sair pessoas, família e /ou comunidades dos lugares e/ou das terras que ocupam, de forma definitiva ou provisória, sem oferecer meios apropriados de proteção legal ou de outra natureza não permitindo seu acesso a elas.[21]

Segundo o autor, a legislação sobre desabrigos, desalojos, deve compreender medidas que assegurem a máxima segurança possível aos ocupantes de moradias e terras, devendo ser ajustadas ao pacto.[22]

Pela o exposto, verifica-se que a preocupação com o Direito à Vida é de cunho internacional, sendo que concomitante ao Direito de Proteção à Vida existe o Direito Protetivo à Moradia, pois ninguém poderá ter uma vida digna, não tendo garantido o Direito de Moradia, onde se insere outro princípio, que é o Princípio da Dignidade Humana, consagrado em nosso texto constitucional vigente.

A Constituição garante também o Direito de Propriedade, de forma a atender a sua função Social, através do princípio que assegura a propriedade que é o princípio diretor, e encontra-se previsto no inciso XXII do artigo 5º. O exercício do Direito de Propriedade se subordina ao bem-estar social visando o atendimento da função social (art.170 CF).

Savanotti Miranda refere que isso não significa a obrigação do Poder Público de oferecer uma propriedade para cada pessoa, mas o dever de assegurá-la, não turbá-la, confiscá-la ou tolher-lhe o exercício, salvo se o interesse público assim exigir.[23]

O Direito à Habitação ou Moradia tem sido alvo de preocupação de âmbito mundial. O tema é de natureza constitucional e possui um caráter de cunho social, e deve ser tratado com uma conjugação de diversos dispositivos da Constituição, como nos incisos II, III e IV, do artigo 1º, artigo 3º, I, III e IV, onde constam como desigualdade social, bem como a promoção do bem comum. O artigo 5º garante os direitos individuais, 6º e 7º direitos sociais e ainda, a emenda constitucional 26 de 14 de fevereiro de 2000.

O Brasil entre os Países que estão em busca de soluções neste campo, muito embora, em determinados casos, tenha negado este direito a quem já o tem, de forma a retirar deste o imóvel residencial, como no caso do fiador de locação, cujo tema é o objeto deste trabalho.

Vários tratados e convenções internacionais foram marcantes em relação ao tema, tais como: A Declaração Internacional dos Direitos Humanos, Convenção dos Direito Humanos, Sociais e Culturais, Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem; Pacto Internacional sobre todas as formas de Discriminação Racial; Convenção sobre os Direitos da Criança, Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver e o Pacto de São José da Costa Rica - Declaração e Programa de Ação de Viena da qual o Brasil é signatário, de 25.03.93.

Em nosso ordenamento, constata-se que o direito à propriedade e ou à moradia, deve se sobrepor a qualquer norma inferior ao ordenamento Constitucional, que possa acarretar a perda de tal direito, incontestável, por ser protegido em âmbito da nossa lei maior.

1.4 O Princípio da Igualdade

A Constituição também assegura o Direito a Igualdade, em seu artigo 5º caput, consagrando o Princípio da Isonomia, declarando que perante a lei, todos são iguais, sem qualquer distinção.

Celso Antonio Bandeira de Mello demonstra que há ofensa ao Princípio Constitucional da Igualdade ou Isonomia, quando a norma singulariza um destinatário determinado, adota um critério discriminador de elementos não residentes nos fatos, situações ou pessoas equiparadas, atribui tratamentos jurídicos diferentes, sendo que o discrímen estabelecido conduz a efeitos dissonantes dos interesses constitucionalmente prestigiados.[24]

Canotilho explica que:

A igualdade perante a lei não significa aplicação igual da lei, mas que a própria lei, deve tratar por igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade é dirigido ao legislador, que fica vinculado à criação de um direito igual para todos os cidadãos, isto é, o sentido de igualdade está na própria lei, é um postulado de racionalidade prática dirigido a todos os indivíduos, com as mesmas características e lei irá estabelecer previsões, iguais a determinadas situações ou resultados jurídicos.[25]

Na mesma linha de entendimento temos o ensinamento de Sahid Maluf que cita um texto de Rui Barbosa, que serve de critério para ação da lei frente ao princípio da isonomia: "a lei deve tratar desigualmente as pessoas desiguais, na proporção que se desigualem." [26]

Visto isso, verifica-se que o princípio da Isonomia ou da Igualdade, assegura a todos, indistintamente o Direito à Propriedade, bem como de que o afiançado não pode ser colocado em situação privilegiada em relação ao fiador.

1.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana é um princípio consagrado pelo art. 1º, III da Constituição Federal:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana.

Cid Castro relata que a afirmação da Suprema Dignidade da Pessoa Humana é a convicção de que essa dignidade é a raiz e fundamento dos Direitos Humanos que chegaram a ser o tópico de nossa época atual, que tem uma consistência real e objetiva sendo um reflexo de uma evidente preeminência ontológica do indivíduo humano. Refere que esta preeminência existe e se manifesta de uma forma imediata na supremacia moral que corresponde ao homem enquanto é capaz de ter consciência de seu próprio modo de ser, dentro do contexto existencial do mundo.[27]

A possibilidade de Penhora do Bem de Família em caso de fiança locatícia, ou seja, da residência do fiador de locação, não se ajusta ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, de forma a proporcionar uma sociedade mais justa e solidária.

2 BEM DE FAMÍLIA

Modernamente, podemos conceituar o Bem de Família, como sendo os bens móveis e imóveis que fazem parte do patrimônio familiar, assegurados pelo ordenamento jurídico, de forma a impedir que famílias sejam desprovidas de bens essenciais a uma sobrevivência digna.

2.1 No Direito Romano

No Direito de Romano, segundo alguns autores não existiu, propriamente, o bem de família, no sentido técnico do instituto, como ora se estuda. Sendo que, em Roma, existia o instituto da adrogatio pelo qual se agregava a uma família o pater famílias de outra, com todos os seus dependentes e com todo o seu patrimônio, visando preservar o culto e as coisas sagradas da família, o que demonstra a extrema preocupação romana na preservação do patrimônio familiar como acentua Villaça Azevedo.[28]

O Bem de Família como se vê, visa à defesa do organismo familiar e como conseqüência de seu patrimônio.

2.2 No Direito Comparado

A Proteção à Família é hoje um Princípio Universalmente aceito e adotado nas Constituições da maioria dos Países, independentemente do sistema político ou ideológico, sendo que, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, votada pelo ONU, em 10 de dezembro de 1948 estabelece em seu artigo 16.3 que "a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado", e em seu artigo 17. I diz que "toda a pessoa individual ou coletiva tem o direito à propriedade.[29]

Tal proteção envolve o bem estar da família, sendo que, para tanto, há necessidade de uma segurança no âmbito patrimonial, onde surge o instituto do bem de família que é de origem histórica, estando hoje regulamentado em diversas nações, o que requer para melhor compreensão um estudo comparativo mesmo que, superficial, visto que, o presente trabalho visa à busca de plena proteção à residência da família, e uma justificativa plena para a impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador locatício.

3 NO BRASIL

No direito Brasileiro o Bem de Família é considerado um patrimônio especial. A finalidade do instituto é a proteção da família, proporcionando-lhe moradia e segurança.

Mesmo antes do projeto Beviláqua, Coelho Rodrigues, em seu projeto ao Código Civil Brasileiro, em 1893, tratara sobre o assunto, nos artigos 2079 a 2090, sob a designação "da constituição do lar da Família" [30]

Ocorre que o instituto do bem de família só passou a fazer parte de nosso sistema legislativo, através da emenda do senador Mendes de Almeida publicada no órgão oficial, em 05 de dezembro de 1912.[31]

O Código Civil de 1916 tratou do assunto, em seus arts. 70 a 73 e o Código Civil de 2002 em seus arts. 1.711 a 1.722.

Antes mesmo, da entrada em vigor do Código Civil de 1916, no qual predominou o entendimento de que somente à família legalmente constituída era deferido o direito de instituir o benefício legal de ter sua residência a salvo das execuções por dívidas, já se buscava uma conceituação a tal bem, sendo que, de acordo com Carvalho de Mendonça o conceito de tal instituto foi apresentado da seguinte forma:

Bem de Família é uma porção de bens que a lei ampara e resguarda, em benefício da família e da permanência do lar, estabelecendo a seu respeito à impenhorabilidade limitada e uma inalienabilidade relativa.[32]

Da mesma forma, o autor em 1952, definia bem de família, adequando seus termos à época, como sendo, o prédio destinado pelo chefe de família para domicílio desta, com clausula de ficar isento de execuções por dívidas, caracterizando-o pela impenhorabilidade de que se reveste com a própria instituição, uma vez feita com a observância das formalidades legais.[33]

Com a Constituição de 1988, o direito de família tomou uma mudança de rumos consideráveis, como por exemplo, o número de pessoas que vivem sozinhas ou que se juntam sem formalidades legais, os casais sem filhos, as crianças educadas por somente um dos pais, crianças que vivem sob a guarda de terceiros, as uniões homossexuais, os agrupamentos tribais de minorias étnicas, casais que trabalham em cidades ou estados, diferentes, são fatores que não poderiam passar despercebidos num texto constitucional analítico, minucioso, detalhista.

Todos os componentes deste cenário necessitam de um teto, ou seja, precisam de uma moradia a qual merece ser reconhecida como bem de família.

3.1 Bem de Família Legal

O Bem de Família Legal é aquele que é estabelecido em lei, não dependendo, portanto, de qualquer ato para instituí-lo. Trata-se de um bem involuntário e obrigatório.

A Constituição Federal de 1988 desencadeou a lei 8009/90, instituiu o Bem de Família Legal, dispondo, em seu artigo 1º, como sendo

[...] o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer espécie de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei".

 

A referida lei em seu artigo 5º acrescenta:

[...] para os efeitos de impenhorabilidade de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Estabelece, ainda, no artigo 4º, § 2º:

Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inc. XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural".

Como se vê, o Bem de Família Legal, também é assegurado pelo art. 5º, Inc. XXVI da CF que dispõe sobre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural.

A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre meios de financiar o seu desenvolvimento.[34]

Constata-se, que o inciso XXVI, do artigo 5º, da Constituição federal, evidenciou uma grande preocupação do constituinte como acentua o constitucionalista Bulos

 

Neste inciso, a propriedade de uma classe social menos favorecida recebeu a preocupação do Constituinte. O objetivo do preceito em tela foi o de proteger a pequena gleba rural, pertencente a pessoas que a têm como meio de sustento. Pode-se dizer que aquela categoria dos pequenos proprietários rurais recebeu uma espécie de "seguro", justamente para evitar situação de miséria e de dificuldade, que quase sempre atinge as suas propriedades. '[35]

A proteção especial do Estado, ou seja, a proteção legal estende-se ao direito de propriedade e a residência da família, a qual deve ser vista sob todos os ângulos de entidades familiares e sob o prisma constitucional, com ênfase aos §§ 2º, 3º e 4º do art. 226 da Constituição Federal.

Razão assiste ao ilustre constitucionalista quando salienta, reportando-se ao texto constitucional de 1988, que convém ponderar que o direito de propriedade não pode mais ser visto como mera extensão do direito privado, isto é, como puro direito individual. Devendo ser extraído do complexo de normas constitucionais sobre a propriedade e só então será possível compreendê-lo como lídima instituição jurídica, agregando normas de direito privado, aos quais têm necessariamente de acompanhar a disciplina suprema que a constituição lhe impõe.[36]

Gomes da Silva assinala que a proteção legal não é absoluta, em razão do teor do art. 3º, da lei 8009/90, o qual admite exceções, referindo que o bem de família legal pode ser entendido como "a impenhorabilidade relativa do imóvel residencial do casal, ou da entidade familiar".[37]

Posto isso, cumpre analisar os dispositivos da referida lei, em relação ao tema a ser tratado no qual buscamos argumentar a impossibilidade da penhora sob o bem de família legal, em qualquer hipótese, assunto a ser tratado no próximo tópico.

3.2 O Bem de Família frente à Emenda Constitucional, Número 26/2000

A Emenda Constitucional n. 26, de 14.02.2000, ampliou o elenco dos denominados Direitos Sociais e incluiu a moradia entre os direitos sociais básicos, ao estabelecer no artigo 6º da Carta Magna:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.[38]

Conforme Bulos, o acréscimo procurou levar em conta uma realidade social, aduzindo que poucos brasileiros têm casa própria, salientando que não basta alçar a matéria em nível constitucional, se providências concretas não forem tomadas para que ela saia do papel. Segundo o autor o importante é que haja a concretização do dispositivo constitucional.[39]

Cumpre observar, que mesmo antes da referida Emenda Constitucional, já se delineava no artigo 7º, IV, da Constituição da República, entre outros direitos assinalados o direito a um salário que pudesse ser capaz de atender as necessidades vitais básicas entre outras a moradia.

Da mesma forma, constata-se que o inciso IX, do artigo 23 da CF, também já disciplinava o assunto, atribuindo competência comum à União, aos Estados e aos Municípios, para promover programas de construção de moradias e melhorias de condições habitacionais.

Assinala Tucci, que conseqüentemente a tais normas, o Direito à Moradia veio robustecido, pela expressa inserção no rol dos Direitos Sociais, assegurados no referido artigo 6º.[40]

Com isso, constata-se que a Emenda Constitucional número 26/2000 não recepcionou o VII, do artigo 3º da lei 8009/90, porque o Direito à Moradia, um Direito Social, deriva de uma norma constitucional auto aplicável, isto é, de eficácia plena e aplicação imediata e direta, que diz respeito à dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III da CF).

3.3 Hipóteses Previstas na Lei, que Admitem a Penhora do Bem de Família

O artigo 3º da Lei 8009/90, admite a penhora do bem de família em determinados casos, estabelecendo que:

A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal e trabalhista, ou de outra natureza, salvo se movido: I- em razão de créditos de trabalhadores, da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II- pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite do crédito e dos acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III-pelo credor de pensão alimentícia; IV- para cobrança de impostos predial ou territorial ou taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V- para execução de hipoteca real oferecida pelo casal ou entidade familiar; VI- por ter sido adquirido com o conjunto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII- por obrigação decorrente de fiança concedida em contato de locação.[41]

Embora, haja a proteção legal ao Instituto do Bem de Família a lei 8009/90 estabeleceu certas restrições incluindo no rol de hipóteses em que admite a penhora do bem de família, como no caso da possibilidade de penhora do imóvel residencial do fiador de locação, redação dada com base na lei 8245/91.

Com base na referida lei constata-se que nem mesmo o único imóvel residencial do fiador de contratos de locação, ficou a salvo, permitindo que recaia a penhora sobre o mesmo, nos casos de execuções decorrentes de créditos locatícios, o que já não acontece com o imóvel residencial do afiançado, atacando flagrantemente o princípio constitucional da isonomia ou da igualdade.

3.4 A Penhora do Bem de Família do Fiador Locatício art. 3º, VII da Lei 8009/90

O artigo 1º da Lei 8009/90, prevê a impenhorabilidade, por qualquer tipo de dívida, do imóvel residencial do devedor e de sua família, dando ao referido imóvel o caráter de Bem de Família Legal, involuntário, necessário.

Ocorre que, houve a inclusão do inciso VII, no parágrafo 3º da Lei 9009/90, pelo artigo 82 da Lei do inquilinato (Lei 8245/91), que passou a possibilitar a penhora do imóvel residencial do fiador de locação, mesmo sendo o único imóvel, constituindo-se assim, mais uma exceção à regra geral da impenhorabilidade.

Baseadas unicamente na lei, muitas decisões passaram a dar-se sob o argumento de que, o Direito à Moradia é um direito de eficácia limitada, isto é, carente de regulamentação, enfatizando que a norma prevista no artigo 6º da Constituição seria programática, estabelecendo apenas um horizonte para a atuação do Estado. Necessitando, portanto de uma normatização posterior que lhe aufira eficácia. Tais decisum passaram a ferir princípios constitucionais, como também Direitos Fundamentais consagrados pela Constituição Federal, admitindo a penhora do Bem de Família do Fiador de Locação.

Entretanto, paralelamente, surgiram os defensores da impenhorabilidade do Bem de Família e, a proteção legal do chamado Bem de Família, tal como demarcada originalmente, que não prosperou, criou no mercado locatício enorme retratação, como acentua Fornacieri Júnior, afastava possibilidade de ser aceito como fiador, todo aquele que não fosse proprietário de, no mínimo, dois imóveis, posto que, com uma única propriedade seria um garantidor inidôneo do ponto de vista econômico, pois, na ocasião da execução, poderia apresentar à exceção a impenhorabilidade o que inviabilizaria a possibilidade de que o locador viesse a obter a satisfação do seu crédito.[42]

Constata-se também como entende Genecéia Alberton, que a lei 8009 criou uma nova forma de proteção ao Bem de Família, independente dos mecanismos do Código Civil, enfatizando que além do caráter assecuratório de um instituto já existente, trouxe em si matizes axiológicos de conteúdo constitucional, atendendo um dos princípios fundamentais da Carta Magna, que é o de promover a dignidade da pessoa humana.[43]

Sustenta-se a impossibilidade de penhora do Bem de Família do fiador de locação, tendo em vista a inconstitucionalidade do inciso VII, do artigo 3º da Lei 8099/90, acrescentado pelo artigo 82 da lei 8245/91, porque viola o princípio da Isonomia ou igualdade (artigo 5º caput da Constituição Federal) conforme item 1.4 deste trabalho, tratando desigualmente situações iguais, e, portanto olvidando o brocardo ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio, ou seja, onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito.

Como se sabe, o Direito à moradia é um direito fundamental de segunda geração, isto é, um direito social, portanto protegido e amparado pela regra geral da impenhorabilidade. É um direito estendido tanto a fiadores como a afiançados. Não pode, portanto ser aplicável somente aos afiançados, deixando ao desabrigo o fiador e sua família, isto é, não é justo e lícito que o fiador assuma obrigações mais onerosas que o afiançado.

Genecéia Alberton entende que, em contrapartida o argumento que é levantado é no sentido de que sem a garantia da penhorabilidade do imóvel familiar "por obrigações decorrente da fiança concedida em contrato de locação", visava tão somente proteger a locação. Conseqüentemente, sem essa garantia de penhorabilidade do imóvel do fiador, para incentivar a locação, tornar-se-ia difícil trabalhar no mercado imobiliário, e que por isso foi admitida a possibilidade da penhora do imóvel residencial.[44]

Pode-se atribuir aos fiadores de locação a condição de hipossuficientes, eis que, que assinam um contrato de adesão, padronizado e com cláusulas expressas, perante o mercado imobiliário, sem terem ciência de que, caso não consigam honrar a obrigação de terceiro terão como penalidade à perda de seu imóvel residencial, sobre o qual possuem a convicção de que está protegido pelas normas constitucionais.

Nesta mesma linha de pensamento Czajkowski refere que por tratar-se de lei de ordem pública, é de todo inválida a cláusula contratual que exclui a sua incidência por simples vontade das partes. Enfatiza que a garantia dada pela lei aos devedores é, nesta medida, irrenunciável, mesmo em se tratando de formulação de uma confissão de dívida onde se afirma que ela decorre de fiança prestada em aluguel, não será adequado, aplicar a lei, segundo a vontade falseadamente manifestada. Isto é o mais apropriado será reconhecer a impenhorabilidade, porque houve simulação tentando afastar o benefício legal, do que acatar a vontade simulada ao argumento doauditur propriam turpitudinem allegans.[45]

A proteção legal do chamado Bem de Família, tal como demarcada originalmente, criou no mercado locatício enorme retratação, como acentua Fornacieri Júnior, o que afastou a possibilidade de ser aceito como fiador, todo aquele que não fosse proprietário de, no mínimo, dois imóveis, posto que, com uma única propriedade seria um garantidor inidôneo do ponto de vista econômico, pois, na ocasião da execução, poderia apresentar à exceção a impenhorabilidade o que inviabilizaria a possibilidade de que o locador viesse a obter a satisfação do seu crédito.[46]

O Capítulo I, item 4, trata do princípio da igualdade ou isonomia, tendo em vista que o assunto atinente à impenhorabilidade do imóvel residencial do devedor de locação, tal benefício estende-se também ao fiador de locação, eis que se encontraria o mesmo em situação desvantajosa do fiador, que ao ser executado poderia ter eu imóvel penhorado ao passo que o imóvel do devedor principal, não consta no rol dos bens susceptíveis de penhora elencados no inciso VII, da lei 8009/90.

Com relação a este assunto Vasconcellos acentua que vêm sendo alvo de muitas críticas, a exceção do inciso VII, que coloca o fiador de locação em situação escancaradamente inferior em relação ao afiançado, acentua que até mesmo os móveis que guarnecem a residência do locatário são impenhoráveis, não havendo, portanto, entendimento razoável que possa justificar a penhora do imóvel residencial do fiador e de sua família, bem como os móveis que o guarnecem. A discriminação segundo a autora é flagrantemente incompreensível. Acrescenta que mais absurdo ainda, é a que ocorre na hipótese de cobrança regressiva, ocasião em que o locatário poderá argüir a impenhorabilidade legal de seu imóvel residencial, se o possuir, mesmo que o fiador tenha perdido seu Bem de Família, para honrar a fiança prestada.[47]

Portanto, se o imóvel residencial do locatário de locação é impenhorável, eis que amparado pela Lei 8009/90, constata-se flagrante afronta ao Princípio Constitucional da Isonomia ou da Igualdade à admissão da penhora sobre o imóvel residencial do fiador que é garante e, unicamente pela imposição do contrato de adesão renunciou ao benefício de ordem, respondendo pelo débito do afiançado como principal pagador.

De outro lado, no caso do inciso VII, do artigo 3º da lei 8009/90, os fiadores embora tenham um só imóvel residencial próprio e nele residam com sua família, estão excluídos do benefício legal, ferindo assim o princípio da dignidade da pessoa humana.

Pelo exposto, observa-se que o Juiz deve reconhecer de ofício a impenhorabilidade, quando ela decorra objetiva e flagrantemente dos bens que sofreram constrições, quando houver evidências, provas ou indícios suficientes nos autos, de que se trata de bem de família.

4 JURISPRUDÊNCIA

4.1 Inconstitucionalidade

O ministro Carlos Veloso é um dos principais defensores da impossibilidade de penhora do bem imóvel residencial do fiador de locação.

Importante decisão ocorreu no dia 08 de fevereiro de 2006, no RE 407688/SP, Em relação ao tema, o Ministro Eros Grau, se manifestou, no sentido de afastar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador. Citou como precedentes dois recursos extraordinários (RE 352940 e 449657) relatados pelo ministro Carlos Velloso (aposentado) e decididos no sentido de impedir a penhora do único imóvel do fiador. Nesses dois recursos entendeu Eros, que o dispositivo da lei ao excluir o fiador da proteção contra a penhora de seu imóvel feriu o princípio constitucional da isonomia. Os ministros Carlos Ayres e Celso Mello, acompanharam a posição do ministro Eros Grau, no sentido de que a Constituição ampara a família e sua moradia e que essa proteção consta do artigo 6ºda Carta Magna, de forma de o direito à moradia seria um direito fundamental de 2ª geração, que tornaria indisponível o bem de família para penhora.[48] E, ainda, o Ministro Marco Aurélio fez consignar que seria necessária à audiência da Procuradoria, tendo em vista a o Ministro Marco Aurélio fez consignar que seria necessária à audiência da Procuradoria, tendo em vista a questão Constitucional, em plenário aos 08 de fevereiro de 2006. Entretanto, prevaleceu o entendimento do relator Cezar Peluso, que manteve a decisão proferida pelo Tribunal, que determinou a penhora do bem de família do fiador, por 7 votos a 3.

Decisões no sentido da impossibilidade de penhora do único bem de família, nas hipóteses de fiança locatícia: RE 415.653 SP, 349.370 SP, RE 415.626 SP, RE 252.940. REsp 745.161 SP, REsp 631262 MG, REsp . 796.597, Rec. Extr. 32940.

4.2 Pela Possibilidade de Penhora

Um dos principais defensores é o Ministro do STF, Carlo Velloso, que entende ser inconstitucional a norma legal que permite a penhora o único imóvel residencial do fiador de um contrato de locação.

Decisões no sentido da possibilidade de penhora do único bem do fiador de locação: Rec. Ext. 407.688. Ag. Reg. no ag. 638.339 RS, Ag. Reg. no ag. 684.447 RJ, REsp. 645.734 DF, REsp 302603 SP, REsp 583484 GO; REsp 263.114 SP, REsp 63.864 PR.

CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho é demonstrar que Princípios Constitucionais estão sendo violados, quando permitida a penhora do imóvel residencial do fiador de locação. Salienta-se que a Emenda Constitucional número 26/2000, não recepcionou o inciso VII da Lei 8009/90, por ser a referida norma auto-aplicável, de eficácia plena, imediata e direta, portanto, tendo esta alterado, o artigo 6º da Constituição Federal, introduzindo o direito à moradia, o bem de família do fiador de locação não pode ser penhorado.

Insurge-se contra a possibilidade de penhora de bem de família mesmo no caso previsto pelo inciso VII, do artigo 3º da lei 8009/90, tendo em vista grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), ao princípio da igualdade ou isonomia (artigo 5º caput, da Constituição Federal), por servirem estes de base ao ordenamento constitucional. Sendo que o referido inciso trata de maneira desigual o fiador e o locatário, retirando de um (do fiador) o direito constitucional à moradia.

Verifica-se que o direito à moradia previsto no artigo 6º da Constituição Federal, é um direito fundamental de 2ª geração, social, extensivo a todos, portanto tanto ao fiador como ao afiançado. Se impenhorável a moradia de um, também o será, a do outro, face ao princípio da isonomia.

Demonstra-se também que os contratos são redigidos pelos locadores e os locatários os aderem, de forma a não conseguirem se manifestar sobre a redação de nenhuma cláusula. Bem como, constata-se que aos contratos de locação e seus acessórios, contratos de fiança, não podem ser aplicáveis irrestritamente o princípio da irretratabilidade das convenções ou da pacta sunt servanda, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, em detrimento de outros princípios contratuais ou constitucionais de maior valoração, ou de cunho social, mais acentuados, como no caso da penhora de um bem imóvel de família de um fiador de locação, com violação do direito à moradia e da habitação e aos princípios consagrados pela Constituição Federal.

Para por fim a este tormentoso conflito, entende-se que a justiça contratual deve ser atingida, dentro dos limites constitucionais, devendo o interpretador e aplicador da lei evitar tratamentos desiguais que como conseqüência acabam sendo favorecidos os economicamente mais fortes (no caso o locador) em detrimento do fiador. Com isso podemos quem sabe, passar a viver numa sociedade mais justa, de forma a garantir a todos o direito à moradia, não restringindo ou retirando de quem já a tem.

Em suma, o juiz deve julgar a causa afastando de imediato a aplicação do inciso VII, do artigo 3º, da Lei 8009/90, e a Câmara, conhecendo do recurso interposto pelo fiador locatício, poderá inclinar-se pela inconstitucionalidade, e submeter à questão constitucional ao julgamento do tribunal pleno. Ao concluir que se trata de Inconstitucionalidade, deverão ser os autos restituídos ao órgão de onde vieram, e este órgão completa então o julgamento, se a lei impugnada foi considerada inconstitucional, nega provimento ao recurso do exeqüente, locador e confirma a sentença que deu pela inconstitucionalidade da lei que determina a penhora do bem de residencial do fiador. Deste julgamento cabe recurso ao STF, que certamente acolherá o vício de inconstitucionalidade invocado, tendo em vista as divergências de votações já ocorridas dentro das próprias turmas julgadoras.

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Autor: Odete Camargo de Campos


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