O Grevista Convicto



Juntamente com aquela tarde, a reunião já findava. Aparentemente, alguns professores, hesitantes, queriam retornar às aulas. Alguém, calmamente, começou a falar:

─ Vocês conhecem, meus companheiros, O poema "Congresso internacional do medo"? Não, não conhecem? Permitam-me lê-lo: "Provisoriamente não cantaremos o amor,/ que se refugiou mias abaixo dos subterrâneos./ Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,/ não cantaremos o ódio porque esse não existe, / existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,/ o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,/ o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,/ cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,/ cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,/ depois morreremos de medo/ e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas."

Vocês gostaram? É, alguns, sim... outros menos, outros nem tanto... não é mesmo?

Bem, esse poema, Drummond o publicou no livro Sentimento do mundo, em 1940, durante a II Guerra. Havia realmente no ar o forte clima de angústia, dúvida sobre o futuro do mundo, sobre a liberdade. Pairava na atmosfera uma nuvem cinzenta-enegrecida: o medo, intensamente chovendo sobre a Terra, o medo.

Mas o que se sente agora, entre pessoas do movimento (ou mesmo ─ melhor: principalmente ─ entre aquelas que não aderiram a ele e, muito provavelmente, jamais aderirão), o que se sente não é precisamente o que se pode chamar de medo. Comparado àquela época de real terror, guerra, miséria, morticínio, este nosso momento aprisiona-nos numa abstrata e imensa masmorra de paredes espelhadas, que refletem não mais que um medo irreal, um edifício de aflição ─ desabando sobre nós, mergulhando-nos no mar abissal da fobia, um medo, uma angústia fictícios.

Que nos pode acontecer, afinal? Irmos para uma guerra e lá perecer/ Sermos levados para guetos ou campos de concentração e trabalhos forçados nazistas e, finalmente, para as câmaras de gás e crematórios? Talvez Jack, o Estripador, nos aterrorize? Quem sabe o Bicho-Papão? Talvez um meteoro caia sobre nós?!... É, é bem possível... ou não? Certamente, somos nós todos excessivamente mais imaginativos que todos os personagens do Sítio do pica-pau amarelo juntos, ou possivelmente mais que o próprio Monteiro Lobato. Por isso, digo: FOBIA, é apenas isto o que oprime nossos corações atormentados. Estamos algemados, e, provavelmente aprendemos a ter afeição pelas algemas.

Se não tenho medo, é o que querem saber? Claro que tenho! Só os loucos, ou idiotas de carteirinha, afirmam não ter medo. Possivelmente, tenha algumas, senão várias fobias. Entretanto, constantemente faço esta reflexão: se me acovardo hoje, quem ou o que serei eu no futuro? O presente que se acovarda torna-se o futuro que se nega, com uma pesada carga na consciência. O presente metamorfoseia-se no passado do amanhã. No futuro, quero ter orgulho do que fui e fiz neste momento. E não quero a tola postura de hoje me engolindo num assombroso vórtice, no futuro: este vórtice devorador conhecido como remorso.

Não gostaria de ser repetitivo, mas insisto nisto: Digam-me:"Que passado escolheremos agora para o nosso futuro?"

Alguns, sem saber direito o que faziam, quiseram aplaudir. Chegaram outros a subvocalizar talvez uma, duas sílabas, num quase murmúrio, mas calaram-se, como a maioria o fez. A indagação ecoou nas consciências de todos. A mudez, só a mudez foi ouvida ali naquele momento. Contudo, melhor resposta veio dois dias depois, na segunda-feira: a ausência de todos se fez repleta presença de coragem e união daquelas pessoas.


Autor: Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues


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