Bem De Família Ofertado



Aline Barradas

A Lei 8009 de 1990 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Segundo seu art. 1º:

"Art.1º. O imóvel residencial próprio de casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas em lei."

O bem de família pode ser classificado como Bem de família Voluntário ou Convencional e Bem de Família Legal.

O bem de família convencional ou voluntário é aquele que é instituído por escritura pública ou testamento, devendo ser devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Além de dar proteção à impenhorabilidade, o Código Civil também dá guarida à inalienabilidade, reconhecendo esta como regra do Bem de Família Voluntário, conforme o seu art. 1.717.Entretanto, o mesmo diploma legal, dispõe acerca das exceções à sua impenhorabilidade que constam do art. 1.715. Tais exceções abrangem as dívidas anteriores à instituição da relação de convivência, as dívidas de tributos posteriores e as dívidas posteriores de condomínio.

O outro tipo de bem de família é o bem de família legal que é o imóvel de residência da entidade familiar (Bem de Família Legal). A sua impenhorabilidade abrange, inclusive, os bens móveis que guarnecem a residência, desde que considerados essenciais à família. Nesse tipo de bem de família, também existem as exceções à impenhorabilidade, constantes no art. 3º da Lei n. 8.009/1990.

Grande polêmica gira em torno do chamado "Bem de família ofertado". O bem de família ofertado ocorre quando o devedor, executado, ainda sem advogado constituído ou que lhe oriente, ofereça o próprio Bem de Família, imóvel de sua residência, à penhora.Em momento posterior, devidamente orientado por seu procurador, o próprio devedor opõe embargos à penhora, alegando tratar-se de um imóvel impenhorável, por força da Lei n. 8.009/1990.

Como o devedor já tinha praticado uma ato processual e, posteriormente, pratica um outro, totalmente oposto. Não teria ocorrido uma preclusão lógica?

A respeito dessa situação, surgem duas correntes bem definidas.

Para uma primeira corrente, os embargos opostos pelo devedor devem ser rejeitados de imediato, apresentando os seguintes argumentos:

Existe um primeiro argumento que surge e que está relacionado com uma antiga regra pela qual, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, da boa-fé subjetiva da outra parte. Está boa-fé encontra-se no plano da intenção.Assim, de acordo com esse primeiro argumento, a Lei 8.009/1990 deve sofrer interpretação restritiva.

O segundo argumento está fundado na alegação da vedação do comportamento contraditório, que também possui relação com a boa-fé, mas boa-fé de natureza objetiva, que existe no plano de lealdade dos que participam da relação negocial.

Finalmente, um terceiro argumento que explicita que a proteção constante da Lei 8.009/1990 é passível de renúncia, uma vez que se encontra na parte disponível dos direitos pessoais. Portanto, ao oferecer o bem à penhora o indivíduo estará exercitando o seu direito legal de renúncia à impenhorabilidade do bem de família.

Em face dessas argumentações, não há como com elas concordar, principalmente porque o Bem de Família envolve um direito fundamental que é o direito à moradia.

O movimento de constitucionalização do direito civil tem como corolário o princípio da dignidade da pessoa humana que, inclusive, serve como mola propulsora na aplicação das normas constitucionais protetivas do indivíduo nas relações privadas. Com relação ao tema em questão, a constitucionalização retrata-se justamente na proteção da moradia como ocorre nos casos envolvendo o Bem de Família Ofertado.

É previsto para as pessoas uma garantia de direitos mínimos ou um mínimo existencial, o que enquadra como um desses direitos,o direito à moradia, previsto no art. 6º da Constituição, um direito social e fundamental. No âmbito do direito civil, o direito à moradia representa um direito à propriedade mínima.

Assim, partindo da idéia de que o direito à moradia é um direito constitucional que deve ser observado, quando se tratar de Bem de família, surgem argumentos favoráveis ao acolhimento dos embargos à penhora e contra argumentos a respeito das fundamentações levantadas a cima para rejeitar tais embargos.

Quanto à primeira argumentação de quem ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, não se pode simplesmente atribuir uma presunção de má-fé àquela pessoa que oferece um Bem de Família à penhora. A alegação de torpeza, baseada na boa-fé subjetiva não deve prevalecer sobre a proteção do Bem de Família Legal, que dá uma maior segurança aos indivíduos envolve, inclusive, a ordem pública.

A segunda argumentação de que ao se aceitar os embargos à penhora, estaria-se vedando o direito ao contraditório, também não é consistente, posto que o direito à moradia deve prevalecer sobre a boa-fé objetiva. Nesse caso, deve-se ponderar, utilizando a razoabilidade para entender que, nessa determinada situação, o direito à moradia deve prevalecer sobre a boa-fé.

No que tange ao último argumento de que o oferecimento d bem de família, representaria uma renúncia à irrenunciabilidade do mesmo, também se desmorona, tendo em vista ser inválida e ineficaz, uma vez que constitui um exercício inadmissível da autonomia privada por parte do devedor.

Diante de todo o exposto, é possível se concluir que o direito à moradia, utilizado como fundamentação básica para a aceitação da oposição de embargos à penhora pelo devedor, está intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade humana, justificando, inclusive, a sua prevalência sobre a boa-fé alegada contra a oposição de tais embargos.

A dignidade humana deve ser posta em prática, nas mais diversas relações dos indivíduos na sociedade. A possibilidade de o devedor poder defender o seu Bem de Família é uma prova clara do exercício do direito da dignidade humana que acaba se confundindo com o direito à moradia no tema tratado por este presente artigo. Assim, conceder a possibilidade de se defender o bem de família nesse caso, é permitir que se conceda ao indivíduo, a dignidade humana, tão protegida e tão defendida no texto da Constituição Pátria.

Bibliografia

FACHIN, Luiz Edson. O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª Edição, 2006.

MASCARENHAS, Janaína. Reflexos da constitucionalização do direito à moradia sobre as exceções à impenhorabilidade do bem de família. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/12/27/1227/. Acessado em 03 de outubro de 2008.

SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In Dimensões da dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.


Autor: aline barradas


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