Verão Com Tacacá



Junho são dias de preguiça. Sensação estimulada pelo anterior cansaço das festanças que acabam, invariavelmente,em princípio de julho. É a ressaca das festas misturada à ansiedade do verão que está começando. Preguiça gostosa de dever mais do que realizado, aquele que começa nos ensaios das quadrilhas e só acaba com a última coreografia aplaudida, de pé, por tamanha gente.

Aqui, o desavisado sulista quer paçoca e amendoim torrado, ou então, batata doce, pipoca e quentão. Mas o cardápio é outro, bem variado. Forte. Valente, como só a gente do Norte sabe ser. São dias de vatapá, tucupi, maniçoba, tacacá e mungunzá. Época de dançar até os pés se derreterem de dor e satisfação.

Preguiça de balançar na rede, imaginando, entre o vai e volta, que festa vai ter na próxima semana. Festa sim, porque o povo do Norte além de valente é festeiro e tem desculpa para todas as festas. É o casamento, o diada padroeira, São João e Santo Antonio, apresentação de carimbó, o sacolejo do brega, batizado e churrasquinho no portão de casa com família e amigo.

Vem de longe o grito de um gol, com certeza tem Flamengo na jogada, time que não é só do Rio, é das cidades do Norte, aquelas do rincão do Pará, ribeirinhas do Tapajós. Tem gol na garganta do nativo, na dos importados do Maranhão, Ceará, Piauí, vez por outra Minas, Goiás e São Paulo.

No verão, meninos que são das ruas, dos lava-carros, das feiras, fazem um espetáculo à parte. Roubam a cena no centro da cidade, bem na frente do rio. Brincam de trapezistas do espaço,onde depois de muitos volteios no ar, repousam os corpos no rio, agora satisfeitos pela malandragem conseguida. São pássaros sem asas, destemidos, a se jogarem das alturas para alcançarem, lá embaixo, um pedaço do Tapajós. O sol bate em cheio nos corpos dos brincantes, faz brilhar a água que deles respinga, brilho ainda maior continua nos risos e na alegria da irresponsável liberdade da meninice.

Tem rio, tem rede, festa e valentia. Tem vontade de progresso, de dias mais fartos, de comércio enricado, de comerciante virar empresário. A vontade do valente é virar o jogo e não ter mais que contartostões.

Caminhando pelas ruas, vê-se inusitado comércio. Nas chamadas de principais, desfile de marca, griffe com cara de bacana, preço lá para cima. Mas é ali nas transversais, que o verdadeiro Brasil acontece, o que não copia ninguém,mundo dos meninos trapezistas, dos lavadores de carro. Todos.

Panelas e bacias de alumínio penduradas no teto, poeticamente entrelaçadas com os rolos de fumo de corda. Sacos de arroz, farinha e feijão nas portas, tais como cartões de visita, só a espera de ir para ocaldeirão dos Raimundos que também são Nonatos.Os sacos lembram o Brasil colônia, tendo como companheiros enormes cachos de banana, ora verdes, ora amareladas. Saborosas bananas.

Lá para baixo o Porto da Balsa que incansavelmente, carrega e descarrega o fardo dos anos desta gente valente e festeira, que leva na sacola, para o outro lado do rio, a compra da semana. Mas nem sempre é assim, comparecetambém a tristeza de não se ter conseguido o emprego na cidade que nem grande é.

Os dias de preguiça gostosa que também são os de verão, trazem para as calçadas beira-rio ,os ambulantes de açaí . Só dáaprendiz de nortista se lambuzando do vermelho quase roxo, aprendendo a não engasgar com a farinha. De repente, só de repente, sobe lá para o céu uma teimosa nuvenzinha escapada da boca do pedestre . É farinha, abestado, vê se come direito.

Ano que vem vai ser bem melhor. Se Deus quiser, o mês de junho vai render mais festança, e durante o resto do ano, entre o vai e vem da balsa, o valente lavrador, que todo sábado atravessa o rio, vai sentar na porta do comércio do seu Raimundo, aquele, o comerciante festeiro, para juntos, imaginarem que no verão, vai dar muito peixe no bom e velho Tapajós.

Outros turistas haverão de parar junto a este mesmo rio para admirarem os meninos de corpos brilhantes que por segundos deixam de ser das ruas, para comporem o balet do ar. São estrelas desafiando a adversidade da vida, por breve momento, gente muito feliz.

O Brasil é aqui, o resto é perfumaria. Nem shopíngue ,nem marketíngue, tem mesmo, no meio da cidade, o quilômetro um da Transamazônica. Por debaixo do asfalto quente, coração de homem que vendeu lavoura de café lá no Sul para empregar dinheiro no sonho amazonense. Tem sangue de índio dizimado, cultura castrada, garimpo e malária .Dinheiro de contribuinte e palavra sem valor de quem governa em nome da pátria amada.

São dias assim, de gente brasileira, que bem lá no derradeiro da alma sabe que é preciso pular da rede e deixar que a esperança ceda lugar à coragem. Vencer.

São dias de eterno verão.


Autor: Jussara Whitaker


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