Santo Rei



O homem é possuído de sangue ruim. Todo mundo sabe disto e tem medo de tudo que se diz. O apelido é Santo, mas de santo nem a sombra, que é tão malvada quanto o original. Por onde quer que passe espalha o terror. Nada o detém.

Quando algum capanga é preso e incriminado, espera chegar o dia do julgamento final para aterrorizar o juiz. Olha e desolha para o infeliz mestrado, até que sente ocheiro do suormedroso escorrendo-lhe pelo corpo. Impunidade, sempre.

Um dia se fez prefeito, comprando a esperança do povo, ou melhor, enchendo de medo este mesmo povo. Ou vota ou vota, assim havia dito. De revólver na cintura, todo mundo lembra, tomou assento na cadeira de alcaide e foi assim, que o atraso chegou.

Dinheiro de prefeitura é para comprar fazenda. Que história é essa de educação? Povo que tem escola acaba aprendendo a pensar, vira cidadão. Nada disto.

Durante os primeiros dias de mandato mandou engavetar todo papelonde estivesse escrito as palavras saúde, cidadania, desenvolvimento, educação, saneamento, e outras tantas que tivesse cheiro de povo. E assim, dia após dia, foi enchendo o cofrinho de moedas. Para cada uma delas que alificava, uma criança a mais mendigando, um pai de família a mais desempregado. Eram dias de doença, morte eselvageria.

Ninguém abre a boca para reclamar, só em pensamento, bem escondido, pois do contrário, no dia seguinte vira comida de urubu.

O sangue do homem é tão ruim que acabou por entupir um bocado de veias. Deu gosto ver o danado gemer de dor, com toda aquela opulência saltando do pescoço. Fez por merecer, o bandido. E de entupimento em entupimento, acabou amarrando o burrico de vez na sombra. Não sobrou nada de vivo.

O povo comemorou. Teve festa na Segunda e na Terça - Feira. No meio da semana mataram leitão e cabrito. Puxaram na rede os maiores peixes da redondeza, e assim a festança ficou por conta da melhor comilança de todos os tempos.

A alegria foi tamanha que não faltou baile, sorteio, campeonato esportivo e até procissão em agradecimento pelo sumiço da ruindade. A cidade estava livre. Só as viúvas, as dele, umas tantas, que choraram e brigaram durante muitos dias pelo dinheiro antes arrebanhado.

Depois deste tempo de tamanha alegria, o povo, cansado de festa, se acomodou no cotidiano da velha e maltratada cidade. Mas a vida, enfim, era outra. Mulheres sem medo da viuvez prematura; homens olhando de frente; crianças brincando nas ruas de bola epira - pega . Até pintaram de vermelho a fachada da escola.

E assim, as veias abertasda cidade foram sendo suturadas. No entanto, o povo desconfiado,sempre, de que a qualquer momento pudesse outro mal elemento aparecer, tratou de cercar a cidade com muro bem alto, e na entrada da frente fixar uma placa onde até hoje se lê:lugar de santo é no céu, aqui é o inferno.


Autor: Jussara Whitaker


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