O Coração De Maria Cândida



Assim como acontecia durante a colonização, nas casas das fazendas do Nordeste do Brasil, aqui no Norte, mais precisamente, no interior do Pará, também ocorreu. Havia um triângulo amoroso entre Maria Cândida, a bonita empregada negra; a patroa Elvira, a tenebrosa, e o patrão JAssim como acontecia durante a colonização, nas casas das fazendas do Nordeste do Brasil, aqui no Norte, mais precisamente, no interior do Pará, também ocorreu. Havia um triângulo amoroso entre Maria Cândida, a bonita empregada negra; a patroa Elvira, a tenebrosa, e o patrão Juvenal, o conquistador. Essa história aconteceu numa comunidade quilombola , no Distrito de Fordlândia, no Município de Aveiro, no sudoeste do Estado do Pará, à beira do Rio Tapajós.
Maria Cândida era uma bonita negrinha, de olhar desconfiado, corpo esbelto e andar sedutor. Dona Elvira, mulher branca e rica, esposa do Seu Juvenal. E ele era um grande fazendeiro do Município de Aveiro, apaixonado pela negrinha, que até esquecia que tinha um compromisso com Dona Elvira. A cada investida do patrão, a negrinha garantia para si uma boa surra da Dona Elvira.
Uma vez, Seu Juvenal começou acompanhando com o olhar os mínimos gestos de Maria Cândida, sem se preocupar com a opinião dos outros. Dona Elvira não deixou por menos. Ao invés de dar bronca no seu marido, vingou-se com uma boa “taca” na negra.
Certa vez, Dona Elvira quebrou todos seus próprios perfumes; espalhou suas roupas e objetos caros no chão de sua casa e acusou a moleca de roubo e de fazer bagunça nas suas coisas.
O marido arrumou tudo literalmente. Apaziguou o conflito entre as duas, e ainda comprou roupas, perfumes e jóias para ambas. Mas, Dona Elvira não agüentava mais aquela situação. Chamou Seu Ribamar, o Capataz da fazenda para acabar com aquilo. Ofereceu a ele muito dinheiro e pediu que fizesse um serviço bem feito: levar Maria Cândida para o meio da floresta amazônica, dar-lhe uma boa sova e ainda viva, arrancar-lhe o coração traidor.
Numa noite, seu Ribamar, traz o troféu de sua empreita e entrega-o à Dona Elvira, após receber a quantia prometida.
Seu Juvenal, sem desconfiar de nada, chega cantando, procurando por Maria Cândida. Qual não foi a sua surpresa, quando Dona Elvira lhe ofereceu um presente numa cuia de tacacá, não teve dúvida: era o coração da negrinha.
Seu Juvenal, espantado, perguntou:
- Que é isto?
Dona Elvira respondeu:
-É o que sobrou da sua amada. Ela fugiu de casa e um caçador a encontrou quase morta, mas sabendo de sua estima por ela, trouxe-lhe o coração como lembrança.
O homem, desesperado, saiu correndo rumo à floresta, procurando Maria Cândida. Dona Elvira, fingindo não ter nada a ver com o caso, tenta levar uma vida normal.
Naquela noite, procurou dormir, mas não conseguiu. Ao chegar em seu quarto, quando deitou na sua cama, ouviu um choro:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira pergunta;
- O que você quer?
A voz responde, chorando:
- O meu coração!
A mulher foi para outro quarto, procurou dormir, mas não conseguiu. Ao chegar lá, quando deita e tenta dormir em outra cama, ouviu novamente o lamento:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde de novo:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira pergunta outra vez;
- O que você quer?
A voz responde, outra vez chorando:
- O meu coração!
Dona Elvira pensa:
-Deve ser nervoso. Vou tomar um chá na cozinha. Acende o fogão. Faz o chá. Toma rapidamente . Mas de novo escuta o lamento:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela insiste:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira continua;
- O que você quer?
A voz responde, gemendo:
- O meu coração!
A patroa decide sair de casa e vai lá no terreiro e mais uma vez escuta o maldito choro:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira retruca;
- O que você quer?
A voz responde, sussurrando:
- O meu coração!
Tentando ficar livre da lamentação e sentindo a consciência pesada, Dona Elvira saiu atrás do marido, embrenhando-se na floresta, mas a voz vai lhe acompanhando:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira retruca;
- O que você quer?
A voz aflita responde:
- O meu coração!
Para livrar-se de uma vez por todas da voz, diz:
- Vou procurar o seu coração, pois não está mais comigo e sim com o Juvenal.
Entretanto, quando Dona Elvira pára de falar, a voz volta a repetir:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Enlouquecida, Dona Elvira, a cada passo recomeça o diálogo para impedir o lamuriante choro, até chegar no meio da floresta. Chegando lá, Dona Elvira encontra Seu Juvenal de joelhos, rezando ao lado do corpo aberto de Maria Cândida, com o coração dela nas mãos, pedindo a Deus que a faça voltar. Ouve a voz:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ele pergunta:
-Quem está aí?
A voz responde:
-Sou eu, Maria Cândida.
-O que você quer?
A voz continua:
- O meu coração!
Seu Juvenal, muito espantado, vira para trás, vê Dona Elvira e toma uma decisão: abre o peito dela com uma faca-peixeira, arranca-lhe o coração mau e joga fora, substituindo-o pelo de Maria Cândida, que volta a viver no corpo de Dona Elvira. Mas, o sentimento da mulher é diferente: oscilante. Ora, o do corpo; ora, o do coração.
Até hoje, quando o corpo de Dona Elvira quer fazer uma maldade, tudo na comunidade de Fordlândia se agita, ate os barqueiros que vão saindo para o rio, voltam e param a ancorar seus barcos no trapiche. Quando é o coração, a parte da negra que se manifesta, todo mundo escuta o choro da negrinha, até do outro lado da Vila dos Americanos , assim:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.

Vocabulário:

Fordlândia - comunidade fundada pelos americanos
Aveiro - cidade do Sudoeste do Pará.
Trapiche – construção de madeira para facilitar o acesso de passageiros na chegada e saída das embarcações
Tacacá- comida típica do Pará, feita de caldo de mandioca, jambu e camarão, que se serve numa cuia preta de casca de coco.






















uvenal, o conquistador. Essa história aconteceu numa comunidade quilombola , no Distrito de Fordlândia, no Município de Aveiro, no sudoeste do Estado do Pará, à beira do Rio Tapajós.
Maria Cândida era uma bonita negrinha, de olhar desconfiado, corpo esbelto e andar sedutor. Dona Elvira, mulher branca e rica, esposa do Seu Juvenal. E ele era um grande fazendeiro do Município de Aveiro, apaixonado pela negrinha, que até esquecia que tinha um compromisso com Dona Elvira. A cada investida do patrão, a negrinha garantia para si uma boa surra da Dona Elvira.
Uma vez, Seu Juvenal começou acompanhando com o olhar os mínimos gestos de Maria Cândida, sem se preocupar com a opinião dos outros. Dona Elvira não deixou por menos. Ao invés de dar bronca no seu marido, vingou-se com uma boa “taca” na negra.
Certa vez, Dona Elvira quebrou todos seus próprios perfumes; espalhou suas roupas e objetos caros no chão de sua casa e acusou a moleca de roubo e de fazer bagunça nas suas coisas.
O marido arrumou tudo literalmente. Apaziguou o conflito entre as duas, e ainda comprou roupas, perfumes e jóias para ambas. Mas, Dona Elvira não agüentava mais aquela situação. Chamou Seu Ribamar, o Capataz da fazenda para acabar com aquilo. Ofereceu a ele muito dinheiro e pediu que fizesse um serviço bem feito: levar Maria Cândida para o meio da floresta amazônica, dar-lhe uma boa sova e ainda viva, arrancar-lhe o coração traidor.
Numa noite, seu Ribamar, traz o troféu de sua empreita e entrega-o à Dona Elvira, após receber a quantia prometida.
Seu Juvenal, sem desconfiar de nada, chega cantando, procurando por Maria Cândida. Qual não foi a sua surpresa, quando Dona Elvira lhe ofereceu um presente numa cuia de tacacá, não teve dúvida: era o coração da negrinha.
Seu Juvenal, espantado, perguntou:
- Que é isto?
Dona Elvira respondeu:
-É o que sobrou da sua amada. Ela fugiu de casa e um caçador a encontrou quase morta, mas sabendo de sua estima por ela, trouxe-lhe o coração como lembrança.
O homem, desesperado, saiu correndo rumo à floresta, procurando Maria Cândida. Dona Elvira, fingindo não ter nada a ver com o caso, tenta levar uma vida normal.
Naquela noite, procurou dormir, mas não conseguiu. Ao chegar em seu quarto, quando deitou na sua cama, ouviu um choro:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira pergunta;
- O que você quer?
A voz responde, chorando:
- O meu coração!
A mulher foi para outro quarto, procurou dormir, mas não conseguiu. Ao chegar lá, quando deita e tenta dormir em outra cama, ouviu novamente o lamento:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde de novo:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira pergunta outra vez;
- O que você quer?
A voz responde, outra vez chorando:
- O meu coração!
Dona Elvira pensa:
-Deve ser nervoso. Vou tomar um chá na cozinha. Acende o fogão. Faz o chá. Toma rapidamente . Mas de novo escuta o lamento:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela insiste:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira continua;
- O que você quer?
A voz responde, gemendo:
- O meu coração!
A patroa decide sair de casa e vai lá no terreiro e mais uma vez escuta o maldito choro:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira retruca;
- O que você quer?
A voz responde, sussurrando:
- O meu coração!
Tentando ficar livre da lamentação e sentindo a consciência pesada, Dona Elvira saiu atrás do marido, embrenhando-se na floresta, mas a voz vai lhe acompanhando:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ela pergunta:
- Quem é?
A voz chorosa responde mais uma vez:
- Sou eu, Maria Cândida.
Dona Elvira retruca;
- O que você quer?
A voz aflita responde:
- O meu coração!
Para livrar-se de uma vez por todas da voz, diz:
- Vou procurar o seu coração, pois não está mais comigo e sim com o Juvenal.
Entretanto, quando Dona Elvira pára de falar, a voz volta a repetir:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Enlouquecida, Dona Elvira, a cada passo recomeça o diálogo para impedir o lamuriante choro, até chegar no meio da floresta. Chegando lá, Dona Elvira encontra Seu Juvenal de joelhos, rezando ao lado do corpo aberto de Maria Cândida, com o coração dela nas mãos, pedindo a Deus que a faça voltar. Ouve a voz:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.
Ele pergunta:
-Quem está aí?
A voz responde:
-Sou eu, Maria Cândida.
-O que você quer?
A voz continua:
- O meu coração!
Seu Juvenal, muito espantado, vira para trás, vê Dona Elvira e toma uma decisão: abre o peito dela com uma faca-peixeira, arranca-lhe o coração mau e joga fora, substituindo-o pelo de Maria Cândida, que volta a viver no corpo de Dona Elvira. Mas, o sentimento da mulher é diferente: oscilante. Ora, o do corpo; ora, o do coração.
Até hoje, quando o corpo de Dona Elvira quer fazer uma maldade, tudo na comunidade de Fordlândia se agita, ate os barqueiros que vão saindo para o rio, voltam e param a ancorar seus barcos no trapiche. Quando é o coração, a parte da negra que se manifesta, todo mundo escuta o choro da negrinha, até do outro lado da Vila dos Americanos , assim:
-Hã, hã, hã.... hã, hã, hã.

Vocabulário:

Fordlândia - comunidade fundada pelos americanos
Aveiro - cidade do Sudoeste do Pará.
Trapiche – construção de madeira para facilitar o acesso de passageiros na chegada e saída das embarcações
Tacacá- comida típica do Pará, feita de caldo de mandioca, jambu e camarão, que se serve numa cuia preta de casca de coco.























Autor: Djalmira Sá Almeida


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