Relativização Da Coisa Julgada Nas Ações De Investigação De Paternidade



A coisa julgada é sem dúvida um instituto de grande importância no mundo jurídico. Não há como contestar seu importante papel na realização da pacificação social.

Se as decisões judiciais pudessem ser a qualquer tempo rediscutidas, estaríamos fadados a viver num clima de constante tensão gerado pela enorme incerteza quanto à definitividade das relações e situações estabelecidas.

É fato notório que o homem tem uma tendência natural a não se conformar com uma decisão que seja contrário a seu interesse. Sendo assim, sempre que houver possibilidade de mudar essa situação, ele há de lutar com todas as suas forças para reverter o quadro que lhe é desfavorável.

Nesse diapasão, a coisa julgada, definida como a imutabilidade dos efeitos da sentença, é altamente benéfica para o convívio social quando garante que em um certo momento as decisões judiciais tornem-se definitivas. A tomada de uma decisão, com vitória de um dos litigantes e derrota do outro, é para ambos o fim e a negação das expectativas e incertezas que os envolviam e os mantinham em desconfortável estado de angústia.

Entretanto, o princípio da segurança jurídica não é o único e nem tão pouco o mais importante dos princípios norteadores de nosso sistema jurídico. Existem outros princípios e valores dos mais elevados que também devem ser considerados. Portanto, a bem do princípio de primeira grandeza, que é o princípio da justiça das decisões (Constituição Federal, art. 5°, inciso XXXV), deve haver uma interpretação sistemática de todo o sistema jurídico, a fim de que se possa eliminar conflitos mediante critérios justos.

O direito individual relativo à coisa julgada não pode ser observado isoladamente. O princípio da dignidade humana (art. 1°, III) é valor supremo da ordem jurídica e deve ser observado na interpretação das normas constitucionais. Também o direito fundamental dacriança à dignidade, ao respeito e à convivência familiar (art. 227, Caput) deve ser considerado na solução da questão e no conflito entre este direito e o direito a coisa julgada; observando-se o princípio da dignidade da pessoa humana, a única solução aceitável é a que toma relativa a coisa julgada, permitindo a rediscussão do assunto nas ações em que não tenha sido excluída a paternidade.

Não devemos esquecer que a ciência do direito é formada por proposições verdadeiras originadas de investigações desenvolvidas pela via de um sistema lógico. A sua função é a de estudar normas jurídicas elaboradas ou a serem lançadas no ordenamento legal em uma determinada época ou lugar. O êxito da aplicação dos seus princípios e regras depende da interpretação que a eles forem dadas pêlos homens que irão aplicá-los e que o fazem, de modo filtrado, porém, subordinados à sua consciência e aos seus conhecimentos.

A sentença transitada em julgada, em época alguma pode ser considerada definitiva e produtora de efeitos concretos, quando determinar, com base exclusivamente em provas testemunhais e documentais, que alguém é filho de determinada pessoa e, posteriormente, exame de DNA comprove o contrário.

O progresso dos exames periciais, especialmente os relativos a julgadas em desfavor dos autores possam ser rediscutidas, pois os exames determinam com um certeza quase absoluta (99,999%) a paternidade, fato que era impossível anteriormente quando em muitos casos as provas eram exclusivamente testemunhais.

Não podemos, a pretexto de resguardar a segurança jurídica dar tamanha importância à coisa julgada ao ponto de admitir que "pau é pedra" e que o "redondo é quadrado", quando evidentemente esses fatos não condizem com a realidade.

A sentença não pode modificar laços familiares que foram fixados pela natureza.

A perfilhação é direito natural e constitucional de personalidade, sendo esse direito indisponível, inegociável, imprescritível, oponível contra todos, intransmissível, constituídode manifesto interesse público e essencial ao ser humano. Os direitos da personalidade são dotados de constituição especial, para uma proteção eficaz da pessoa, em função de possuir, como objeto, os bens mais elevados do homem. Desse modo, o ordenamento jurídico não pode consentir que o homem dele se despoje, conferindo-lhes caráter de essencialidade: são, pois, direitos intransmissíveis e indispensáveis.

Outrossim, de acordo com a teoria da proporcionalidade, quando princípios se contrapõem, é necessário fazer um sopesamento dos interesses envolvidos no caso concreto.

Nesse diapasão, caso a coisa julgada seja considerada direito fundamental absoluto, estaremos extinguindo por completo o direito ao respeito e à convivência familiar da criança, pois a criança jamais poderá descobrir quem é seu pai e exercer direitos decorrentes disso. Por outro lado, caso seja admitida a rediscussão do assunto, estaremos preservando o direito da criança e apenas "arranharemos" a garantia da coisa julgada.

Para finalizar, é importante ressaltar que a Relativização da coisa julgada nas ações de investigação da paternidade só deve ser admitida quando não houver sido anteriormente excluída de forma "inconteste" a possibilidade da paternidade do réu.


Autor: simone almeida silva neves


Artigos Relacionados


A Função Da Escola E Da Educação

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

O Princípio Da Publicidade

Direito Internacional Privado E O Direito AutÔnomo Da UniÃo EuropÉia

Principio Da Legalidade E Improbidade Administrativa

Dos Princípios às Normas