A Eficácia do Direito Penal



O Direito Penal é por vezes tratado como o “braço armado da Constituição Federal”,[1] cuja natureza encontra-se associada ao “último grau” de intervenção estatal, justamente onde todas as demais medidas jurídicas se mostram inócuas ou insuficientes. Dentro desta análise, o atual contexto legal remete a responsabilização do Direito Penal por respostas enérgicas na resolução de conflitos ou ofensas que versem sobre bens jurídicos considerados fundamentais, como a própria vida, ou o patrimônio.

A gerência do controle social é um dever da norma penal, assim como a manutenção da paz e da ordem jurídica. O problema ocorre quando esta medida é mal empregada, pois perdura uma concepção coletiva que imputa ao direito penal a responsabilidade pela ampla proteção dos direitos patrimoniais, ainda que por vezes existam alternativas mais adequadas e sensatas, principalmente em delitos de menor potencial ofensivo, como é o caso das transações penais da lei 9.099/95.

Neste campo, ao invés da restrição do uso da norma penal na resolução de conflitos tal como ocorre nos moldes do consagrado princípio da intervenção mínima [2], há o seu uso indiscriminado, expandindo os preceitos da punição e da justiça penal na tutela dos mais variados direitos, aumentando desta forma, o número de processos e de prisões desnecessárias.

Outro problema é a existência de corrupção do mais diferentes níveis político-estatais, o que fere e limita a atuação da norma penal, permitindo o fortalecimento de uma sociedade excludente e violenta, onde noções de cidadania, liberdade e emancipação ficam em segundo plano, e o poder econômico, em primeiro.

Na visão de BARATTA, [3] o Direito Penal na atualidade busca a proteção e a tutela das classes dominantes, ocultando e imunizando transgressões criminosas praticadas por entes destes meios, ao passo que similar tratamento não é percebido nas classes menos favorecidas, pois contra estas há a imposição de uma severa sanção penal que estimula a criminalização social, incentivando esta “quebra” de isonomia.

Deste modo, em um Estado Democrático de Direito regido pelo preceito fundamental da dignidade da pessoa humana, a norma penal não poderá ser utilizada como um meio de exclusão social, com punições em razão de ofensas a bens jurídicos irrelevantes, como é o caso da maioria dos delitos contra o patrimônio. Sendo assim, o uso imaturo da sanção penal culminará no desprezo pelo interesse individual e coletivo, com a punição de classes menos favorecidas em detrimento da anuência de crimes graves sem qualquer perspectiva de punibilidade, como é o caso de grande parte dos crimes contra a ordem econômica e tributária [4].

Por fim, no exame dos delitos patrimoniais pluriofensivos[5], cuja principal característica é a existência de múltiplas ofensas jurídicas, deve sempre o direito penal intervir de modo pleno e concreto, pois nesta modalidade delituosa há graves violações à liberdade individual e à integridade física da vítima, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos tipos penais do furto e da apropriação indébita, onde a norma penal torna indisponível e incondicionado um direito eminentemente individual e subjetivo. [6]

[1] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 57.

[2] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Revan, 1999, p.85.

[3] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 2a. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. p. 165.

[4]  ROXIN, Claus. Iniciación al Derecho Penal de Hoy. Sevilla: Ed. Universidad de Sevilla, 1981, p. 82.

[5] Nesta modalidade encontram-se os delitos do art. 157, 158, 159 e 160 do Código Penal.

[6] SUCASAS, Willey Lopes. Crimes contra o patrimônio – uma proposta de política criminal. Boletim Ibccrim. São Paulo, 2003. n.125, p.6.


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