HISTÓRIA E IMAGENS



HISTÓRIA E IMAGENS

Natanael Vieira de Souza[1]

Logo ao adentrar a sala do primeiro semestre de história, o acadêmico deste curso entrará em contato com as mais variadas formas de pesquisar sobre esta disciplina, graças a recusa ao historicismo de Leopold Von Ranke e principalmente a colaboração da escola dos analles em suas três gerações que, não sem muito embate, possibilitou a inserção de novos e múltiplos elementos e/ou documentos possíveis de serem historicizados, sendo um destes, a imagem!

Mas como trabalhar com este documento (imagem) na perspectiva da disciplina de História? Para elucidar, ou não, esta questão, tivemos o prazer de, em um semestre, frequentar aulas de um tópico especial com o professor mestre Acir Montecchi, chamado “História e Imagens”, onde tivemos contato com vários autores através dos seus textos. Um destes textos chamou especialmente a minha atenção, talvez pelo gosto especial que tenho por teoria, trata-se do texto de Erwim Panofsky chamado de “O Significado nas Artes Visuais de Erwin Panofsky”, onde o autor fará a distinção entre iconografia e iconologia. Porém o que é mais importante que aprender um conceito, sem dúvida é aprender a operacionalizá-lo, o que só é possível se houver uma leitura atenciosa do texto acima descrito.

Neste texto, Panofsky nos dirá que uma análise correta de uma obra de arte passa necessariamente por três níveis ligados ao assunto ou significado presente numa obra de arte, o Primário ou natural: constitui assim o nível mais básico de entendimento, ligado a experiência prática de cada indivíduo. Está também ligado aos motivos artísticos que são visíveis de imediato. Este primeiro nível é o mais automático para o entendimento da obra, estando despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural. Panofsky insiste sobre a impossibilidade de uma descrição puramente formal da imagem visual, artística ou não, argumentando que mesmo numa descrição elementar da figuração os dados do conteúdo unem-se aos dados formais, não havendo como separá-los.

Esse universo das formas puras, cujo significado primário é identificado quase que de imediato, e por ter um significado passível de ser reconhecido já possui um conteúdo, denomina-se mundo dos motivos artísticos. A compreensão e exposição desses motivos correspondem à descrição pré-iconográfica da obra. Dentre os três estágios de interpretação da obra de arte, o primeiro equivale a uma ordenação dos motivos artísticos, ou seja, à descrição pré-iconográfica[2].

Secundário ou convencional: Segundo o autor, a análise iconográfica diz respeito à intenção consciente do artista, apesar das qualidades expressivas da representação nem sempre se refere ao nível que diz respeito à análise dos motivos artísticos em conexão com temas e conceitos. A identificação dessas imagens é da responsabilidade da iconografia. Neste caso deve-se levar em conta que a arte não é um incidente isolado, quando um artista pinta uma tela ele está influenciado por um fato ou lembrança de um, não se trata de algo fora da sua realidade física ou cognoscível, mas um produto de um contexto.

O terceiro nível de interpretação de uma obra de arte é para Panofsky aquele que realmente corresponde à “interpretação”, pois revela os seu significado profundo, é a compreensão de seu significado intrínseco ou conteúdo. Este é compreendido pela determinação de princípios que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe social, crença religiosa ou filosófica presentes numa obra.

Tais princípios apresentam-se tanto nos “métodos de composição” quanto na “significação iconográfica”. Através da análise dos métodos de composição e da significação iconográfica pode-se perceber uma atitude básica do artista determinada pelo seu contexto histórico. Neste nível, falamos de análise iconológica, neste caso, Panofsky concebe iconologia em oposição à iconografia. Na verdade, o que separa a iconografia da iconologia, para Panofsky, é a interpretação. A leitura iconográfica da obra é uma análise, já a leitura iconológica é uma interpretação.

Levando em consideração esta pequena elucubração sobre o tema, resta a nós exercitarmos a operacionalidade destes conceitos, tais como: pré-iconográfico, iconográfico e iconológico.

ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA:

Erwin Panofsky começa este capítulo com a definição de iconografia. Iconografia é o estudo do significado existente nas obras de arte, opondo-se à forma. Estabelece-se uma diferença profunda entre significado e forma. Transpondo os resultados de uma análise a situações da vida quotidiana a uma obra de arte, Panofsky divide o assunto em três pontos importantes:

  1. Significado primário ou natural, subdividido em factual e expressional. Esta fase, factual, decorre em situações em que a identificação de um aspecto ou de um pormenor, observado numa obra de arte, é óbvia, é possível identifica-la através da experiência prática, existindo uma familiaridade que fornece automaticamente o significado de uma expressão, de um gesto ou de uma representação de uma figura ou motivo numa obra de arte. Essa familiaridade aplica-se tanto nas situações convencionais como nas práticas, assim, estas observações sobre as imagens de uma obra de arte podem-se designar-se por descrição pré- iconográfica: identificação de certas formas visíveis em objetos apreendidos pela experiência prática. A fase expressional é bem mais que uma simples identificação inconsciente, é necessária sensibilidade, mas não deixando de ser também resultado da experiência prática e familiaridade que o indivíduo tem com o objeto e as formas. Podendo também não ser intencional.
  2. Significado secundário ou convencional: diz respeito à análise dos motivos artísticos e/ou o conjunto de motivos em conexão com temas e conceitos. Os motivos artísticos que são assim portadores de um significado secundário ou convencional podem ser chamados de imagens e a combinação das mesmas originam alegorias várias. A identificação dessas alegorias numa obra de arte é do domínio da iconografia, que Panofsky designa como a ciência que se ocupa do estudo dos assuntos secundários expressos intencionalmente pelo artista em alegorias e histórias patentes numa obra de arte. Apesar disso, uma análise iconográfica correta pressupõe também uma identificação dos motivos, daí o domínio do significado primário ou natural também ser chamado de pré-iconografia.
  3. Significado intrínseco ou conteúdo: identifica os princípios que revelam a atitude de uma nação, o recorte temporal, convicções religiosas, filosóficas, que porventura vierem “habitar” numa obra de arte. As formas puras, motivos, imagens, histórias e alegorias são então manifestações de princípios/valores subjacentes. Em resumo a iconografia é a descrição e classificação de imagens, que o autor refere como sendo o estudo limitado e auxiliar que informa quando e onde foram utilizados temas específicos, em obras de arte também específicas. A iconografia ao realizar este estudo torna-se importante na medida em que pode estabelecer datas, proveniências e por vezes autenticidade. Sendo assim, a iconografia, também fornece bases para a interpretação posterior, mas nunca procurando realizar essa interpretação por si. Agindo de forma oposta a iconologia que é um método de interpretação e análise de imagens, histórias e alegorias, sucedendo assim às descrições da iconografia.

 Como podemos então atingir alguma correção ao operar nestes três níveis, descrição pré-iconográfica, análise iconográfica e interpretação iconológica?

Panofsky dirá que o exercício pré-iconográfico é simples, pois se mantêm nos limites dos motivos. Representações de linhas, cores e volumes que podem ser identificados com base na experiência prática da cada indivíduo. No entanto quando existe algum motivo que ultrapassa a experiência prática, é válido recorrer-se então a uma fonte de informação como um livro ou um perito, mas não saindo da esfera da experiência prática. Panofsky argumenta que a descrição pré-iconográfica enfrenta um grande problema, pois apesar da experiência prática ser indispensável, pode também não apresentar correção. Para isto devemos recorrer ao principio corretivo a que Panofsky chamou de História de estilos, que consiste numa inquirição através de uma visão compreensiva do modo, sob condições históricas variáveis.

Por sua vez e como sublinha o autor, a análise iconográfica, ao tratar com imagens, histórias e alegorias (conjunto de imagens) implica uma familiaridade obtida através da leitura intencionalmente dirigida do que apenas a familiaridade com os objetos adquiridos pela experiência prática. A aplicação indiscriminada e não questionada do conhecimento não garante correção de uma análise iconográfica, pois fontes com igual valor e credibilidade podem apresentar opiniões e visões diferentes ou ate mesmo contraditórias de uma mesma situação. Panofsky apresenta também um princípio corretivo, mas a este chama História dos tipos, com o qual se pode completar e corrigir o conhecimento de fontes literárias pela inquirição acerca do modo como e em que condições históricas variáveis, temas e conceitos específicos são expressos por objetos e eventos.

A interpretação iconológica requer mais do que familiaridade com conceitos e temas específicos conforme fontes literárias. Para se compreender os princípios que levaram às escolhas e apresentação de motivos, assim como à produção e interpretação de imagens, histórias e alegorias, não se vai encontrar num texto literário particular.

Para apreender os princípios é necessária uma faculdade mental, a “intuição sintética”. Quando mais subjetiva e irracional é a fonte de interpretação, maior é a necessidade de aplicação dos corretivos que se tornaram indispensáveis tanto para a análise iconográfica como para a descrição pré-iconográfica. Se a experiência prática e o conhecimento baseado em fontes literárias de cada indivíduo pode induzir ao erro uma análise, quanto mais seria confiar exclusivamente na sua intuição.

O princípio corretivo aplicável à interpretação iconológica é a correção da intuição sintética através de uma visão compreensiva do modo, em quais condições históricas variáveis, as tendências gerais e essências do espírito humano são expressas por conceitos e assuntos específicos; História dos sintomas culturais.

Um historiador de arte tem, até o mais possível, de conferir e relacionar o melhor que conseguir aquilo que pensa ser o significado intrínseco da obra (ou conjunto de obras) em seu estudo, com aquilo que pensa ser o significado intrínseco de outros documentos civilizacionais historicamente relacionados com a obra (ou conjunto de obras) em estudo, pois esses documentos são o testemunho escrito das tendências políticas, poéticas, religiosas, filosóficas e sociais da personalidade, época ou país investigado.

Concluímos, dizendo que nesta síntese, quase uma sinopse do texto de Panofsky, podemos perceber que o conhecimento destes conceitos se fazem necessários a qualquer estudioso que pretender trabalhar com imagens. Percebemos também a importância das artes visuais na construção do conhecimento, no desenvolvimento da reflexão sobre diferentes assuntos, na ampliação da nossa capacidade de conhecer, sentir e olhar mais para o ambiente social, cultural e ambiental, pois a arte visual pode desenvolver nossa percepção estética e artística, nossa criatividade e sensibilidade, o senso crítico, a capacidade de interpretação e de raciocínio, tornando-nos mais perceptivos e conhecedores do mundo em que vivemos.


[1] Acadêmico do 8º Semestre do curso de HISTÓRIA/UNEMAT – email: [email protected]

[2] Aqui parafraseio Raquel Quinet Pifano em seu texto “HISTÓRIA DA ARTE COMO HISTÓRIA DAS IMAGENS: A ICONOLOGIA DE ERWIN PANOFSKY” – Disponível em: http://www.revistafenix.pro.br/PDF24/Artigo_05_Raquel_Quinet_Pifano.pdf


Autor: Natanael Vieira De Souza


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