Conversando sobre a História de Campinas



A cidade de Campinas, cuja data oficial de fundação é 14 de julho de 1774, já surgiu sob a égide do capitalismo e, desde o primeiro momento, foi construída mediante uma lógica empresarial, de segmentação e segregação/especialização do espaço urbano. Muito mais do que a Vila de São Paulo, que era então acanhada e pobre, sem atrativos arquitetônicos ou urbanísticos e construída em terreno acidentado, Campinas seria considerada desde sempre a "capital do café", um tabuleiro plano que favorecia o corte regular das ruas, com os quarteirões quadrados, e guiaria os olhares dos observadores ao monumental.                                    

Em relação à data de fundação há de se ponderar que, não por acaso, fizeram-na coincidir (quanto ao dia e o mês) com a data oficial da Revolução Francesa e, por conseguinte, do surgimento do Estado Burguês e implantação do pensamento liberal: 14 de julho de 1789. Havemos de elucidar que esta data foi escolhida à posteriori, mediante a vontade dos próprios campineiros, expressa especialmente pelo movimento positivista, bastante presente na cidade à partir da segunda metade do século XIX.  

Havia outras datas possíveis, como 22 de setembro de 1772, quando se deu a demarcação da área onde seria construída a Matriz da Conceição, 24 de maio de 1774, quando, por decreto, Francisco Barreto Leme do Prado foi feito "fundador, administrador e diretor" do núcleo. Sobre esta última data, havemos ainda que ponderar que "administrador e diretor" são títulos que bem caberiam a um capitão de indústria ou a um grande comerciante. 

O primeiro nome da povoação, adotado logo em 1774, foi "Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso", passando em 1797 a ser a "Vila de São Carlos" e, em comemoração à visita do Imperador D. Pedro II, passou a ser a "Cidade de Campinas", em 1842.  

Para falarmos sobre a organização do espaço na cidade precisamos falar um pouco de urbanismo. É tradicional no mundo latino que haja um núcleo central, com quarteirões regulares (quadrados) como um tabuleiro de xadrez. No centro do do tabuleiro estão as repartições públicas e os prédios mais importantes dos quais emana o poder temporal (Palácio) ou espiritual (Igreja). Este primeiro núcleo vai sendo rodeado espontaneamente, criando espaços cujo grau de importância, num primeiro momento, se dá pela maior proximidade em relação ao centro.  

Nas cidades hispânicas, em todos os países vizinhos, bem no centro do tabuleiro está a "Praça de Armas", onde está o Cabildo, a "Casa do Povo" e, numa posição mais ou menos de 45º em relação a este, a Igreja mais importante. Nas cidades brasileiras o centro do núcleo original, via de regra, é marcado pela Igreja. A data da suposta "fundação de Campinas" (14 de julho de 1774) seria a data da primeira missa, rezada pelo Frei Antonio de Pádua, primeiro vigário da cidade, numa capela de taipa coberta de palha, que se localizava onde hoje está o Monumento Túmulo de Carlos Gomes. 

No caso de Campinas, a espacialização foi realizada, desde o primeiro momento, de uma maneira tão racional e ordenada que um primeiro ordenamento das ruas no sentido norte-sul, começando perpendicularmente ao eixo formado pela capela provisória em relação à "Matriz Velha" (atual Igreja do Carmo, onde está enterrado Barreto Leme), foi logo substituído (1805) por um ordenamento leste-oeste, perpendicular à "Matriz Nova" (atual catedral, construída de 1805 a 1883) e à Igreja do Rosário. Pelo ordenamento original, a principal rua da cidade seria a atual Benjamin Constant; pelo ordenamento novo acabou sendo a atual  Francisco Glicério. Como o leitor pode perceber, ambas as vias homenageiam republicanos positivistas! 

A lógica que presidiu a este novo ordenamento foi, em parte, a criação do primeiro bairro popular da cidade, a Vila Industrial, a oeste do centro, mais ou menos concomitantemente ao seu oposto simétrico, ou seja, o bairro da elite cafeeira, o Cambuí, a leste do centro. 

Se levarmos em conta que a região leste da cidade corresponde ao planalto paulista e a região oeste à depressão periférica (unidades bem específicas, geomorfologicamente falando) entenderemos que o vento sopra de leste para oeste e, desta maneira, com ele vão tanto os cheiros quanto a fumaça. Foi na Vila Industrial, separada do centro pela linha do trem em 1884, que se instalaram os primeiros cemitérios da cidade e um leprosário, com a Igreja de São Lázaro (o padroeiro dos "lazarentos", que é como a população de então chamava os hansenianos, ou seja, os "leprosos"). 

Não apenas a brisa fresca que soprava no Cambuí levava para longe os odores da morte (cemitérios) e da doença (leprosário), como também a localização da Catedral fazia com que o seu portal desse as boas vindas aos senhores que viviam no Cambuí: a Rua Conceição, cortada reta exatamente em frente ao pórtico da Igreja, numa época em que não havia prédios altos, fazia com que se pudesse, dos degraus da Igreja, enxergar com facilidade as mansões no Planalto Paulista, e vice-versa. 

Num movimento contrário, toda a fumaça dos fogões de lenha e todos os odores eram empurrados para oeste, para além da linha do trem - a qual, pela primeira vez de maneira concreta, separou a riqueza da pobreza - e a catedral dava as costas para a atual R. 13 de maio, por onde os escravos desciam, partindo da estação, para serem vendidos num antigo mercado. 

Não podemos deixar de mencionar que o fenômeno vivenciado no final do século XIX em relação à linha férrea - ou seja uma barreira concreta, palpável, demarcável e construída, que separa a riqueza da pobreza - seria sentido novamente, com igual ou ainda maior intensidade, entre o final da década de 1940 e início da década de 1950, quando a Rodovia Anhanguera novamente cortou o mapa da cidade, mais ou menos na mesma direção em que a ferrovia o havia cortado antes. A partir daí, passou a ser comum entre os campineiros a referência se alguém mora "para cá ou para lá da Anhanguera". Em seguida, a partir de 1978, com a Construção da Rodovia dos Bandeirantes, o "cinturão da pobreza" (ou "cordilheira da pobreza", como classificam alguns demógrafos) foi empurrado ainda mais para sudoeste, criando um bolsão de miséria ao redor do Aeroporto Internacional de Viracopos.  

Cumpre destacar que o Poder Público Municipal jamais esteve alheio ao fenômeno da setorização do espaço e segregação social dela advinda. Houve um projeto urbanístico chamado "Plano Prestes Maia" em 1938 e iniciativas posteriores que não apenas "empurraram" a população negra para além da Rodovia Anhanguera (realocando, por exemplo, a população de um antigo Quilombo Urbano remanescente, do Cambuí para a Vila Rica e Vila Castelo Branco, antiga Vila Bela) como "apagaram" parte da memória da população negra campineira. 

Este "apagamento da memória coletiva" pode muito bem começar pela demolição de metade do "Palácio da Mogiana" (erguido entre 1891 e 1910), para alargamento da Avenida Campos Sales, em 1953. 

Segundo Edna Lourenço, atuante no "SOS Racismo" e no "Força da Raça", em reunião do Comitê Municipal do Programa Mais Educação (Resolução SME 18/2010, de 11 de novembro de 2010 ) ocorrida dia 29 de novembro de 2011 às 9h00, em primeira convocação, no Centro Campineiro da Memória Afrobrasilleira, localizado na Av. Campos Salles nº 427, antigo “Palácio da Mogiana”, o "negro era inserido na ferrovia da mesma forma que os brancos, conseguindo criar e dar instrução aos filhos como podem atestar os presentes dr. Sílvio Balthasar, Carlos Augusto Ribeiro e os demais filhos de Benedito Ribeiro que foi um grande cozinheiro da ferrovia". Passando ao sr. Odair Lucas Valente, diretor de relações sociais, filho de ferroviário, professor de história com profundo conhecimento da história da Mogiana e deste palácio, "a Cia. Mogiana surgiu a partir da exploração do café, sendo criada em 2 de dezembro de 1872. Ela chegava até o triângulo mineiro. Este prédio era o escritório central, onde estava toda a administração até 1971, quando houve a fusão das 5 ferrovias que operavam em São Paulo, criando a FEPASA. É desta época (a época da ditadura militar) a primeira grande agressão aos ferroviários, quando os mesmos eram transferidos via telex. Hoje, opera na nossa região a Ferrovia Centro Atlântica, com apenas 800 empregados, servindo de Campinas a Araguari, em uma meia dúzia de estações." 

Na mesma ocasião, o sr. Benê Paulino, Coordenador da CEPIR (Coordenadoria Especial de Promoção da Igualdade Racial), realizou uma homenagem a Sílvio Balthasar, ferroviário símbolo, e falou que as pessoas aqui presentes, na sua maioria negros, são de famílias de ferroviários. “Neste prédio não trabalharam negros escravos (como nos demais prédios de Campinas) mas sim trabalhadores livres. Aqui não houve braço escravo”. 

Três anos mais tarde, em 1956, também para alargamento de vias (Avenidas Campos Sales e Francisco Glicério) foi a vez da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos vir abaixo. Esta importante e histórica igreja de Campinas, feita "Matriz Provisória" em 1842, para a vinda de D. Pedro II, que viu nascer a denominação "Cidade de Campinas", não mereceu do poder público sequer uma leve curvatura no desenho das ruas, deixando em seu lugar um espaço aberto, sem absolutamente nada construído, para não ofuscar a vista do novo (e feio!) Palácio da Justiça, construído em ultrapassado art-decô.  

Em 1965, na calada da noite e sem razão aparente, por ordem do "Prefeito demolidor", Ruy H. Novaes (foi no seu primeiro mandato que a Igreja do Rosário veio abaixo) o Teatro Municipal Carlos Gomes foi demolido. Bastante simbólico para a cidade, pois foi construído em 1929 no mesmo lugar onde existira desde 1850 o primeiro grande teatro do interior do estado, o Teatro São Carlos, nunca mais foi reconstruido e nem nunca mais Campinas teve um teatro à altura deste. 

Aos poucos, como vemos, mesmo a memória/história da elite sofreu "apagamento", para adequar a cidade à "pós-modernidade" e à migração dos burgueses ainda mais para o leste, afundando no planalto Paulista, para a "Nova Campinas" e depois Souzas e Joaquim Egídio. Com a década de 1960 e o fenômeno dos "Subúrbios de Luxo", depois o dos "Shoppings Centers" e dos Campus Universitários, nas década seguintes, recém importados dos EUA, o centro da cidade a se tornou obsoleto e, desta maneira, vai sendo degradado.

Bibliografia:

LAPA, José Roberto do Amaral. A cidade: os cantos e os antros. São Paulo, EDUSP, 1996

PESSOA, Ângelo Emílio da Silva (org.). Conhecer Campinas numa perspectiva Histórica. Campinas: Secretaria Municipal de Educação, 2004.

 

Autor: Luiz Carlos Cappellano


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