Nostalgia



Outro dia desci as avenidas da alma a conversar com alguém que há muito adormecera nalgum quarto escuro do meu ser. Ele me falou de tempos e momentos que não vivi, lembrou-me pessoas e praças que havia esquecido completamente, provocou-me lágrimas de riso e de dor, cantamos e vimos o pôr-do-sol. Durante a conversa me confessou uma saudade com uma pontinha de sofrimento e mágoa: "sinto saudade daquele tempo... tempo manso e lento quando o pôr-do-sol inspirava o poeta, o prosador. Por onde, poeta, anda aquela literatura que falava do sonho, de esperança, de vida, da beleza singela da flor e da borboleta. Tu sabes do que falo, Poeta?

Ah, Poeta tua alma dormes enquanto eu sofro com esta literatura desesperada de então. Há qualquer coisa com as novas palavras, com os novos versos, com a prosa contemporânea que não me agrada, Poeta... Há muita dor, muito medo, muito ódio, muito sofrimento. E não é dor de amor: é de angústia. O medo que existe não é de morrer: é do outro. O sofrimento é o companheiro diário das pessoas. Não se degusta mais poesia, o alimento é o ódio. Poeta, o que houve com o mundo?

Pararam os rios de correr? Esqueceram-se os homens de beijar, de colher da dama virginal o beijo em botão a desabrochar de seus lábios verdes? Desaprenderam as pessoas de semear a esperança, de cultivar o sonho? Não encanta mais o mundo uma lagarta, um casulo, uma borboleta? Será Poeta, que tudo no mundo é só tristeza e solidão?

Será que a chuva molhando a relva, o arco-íris, o beijo apresado na pessoa amada, a fruta chupada no pé, o passeio no campo, uma bossa com os amigos, o olhar da mulata, uma média de café com pãozinho francês bem brasileiro não são mais motivo de poesia? Que mundo é este Poeta, que não se ri nem se canta? Por onde a música poeta? Por onde a poesia? Poesia aqui é rio que secou? Parece mar sem onda, passarinho sem asa, gente sem chão... Por que será, Poeta, que por trás dos muros acadêmicos de concreto nada se cria, não se voa, por que se mata a criatividade antes mesmo de nascer?

Será que não há por aí um pensamento original, uma novidade; um encanto pelo qual se possa apaixonar? Tô mesmo cansado, Poeta, dessa vida em páginas amareladas, dessa maneira louca de parir a poesia: desumanização das letras; matança em série de tudo que é belo e puro. Por que, Poeta, essa loucura? Por que não há mais no coração do Homem espaço para a poesia? O que fizeram com as crianças, Poeta? O que fizeram com a gente? Não sabem eles que poesia é um bálsamo para a alma, assim como o pão o é para o bucho do faminto?

Deixa-me agora Poeta, deixa-me ser poeta, permita-me viver de flores, beber o som das águas, viajar como o vento em busca de nada, porque tudo o que busquei – nada – me basta, pois o nada basta para quem tem a poesia. Vou mergulhar no mar dos pensamentos, velejar na direção daquele tempo... Irei buscar o que encontrar, e se na viagem nada encontrar ficarei satisfeito com a brisa, com o azul, com o branco, o laranja, com o cinza do céu, com o o pôr-do-sol; espetáculo sem aplausos, com salto do peixe, com as ondas, com a partida, com a chegada; com a toda e cada poesia que a vida me brindar.

Deixa-me agora, poeta! Preciso arrumar os quase nada, preparar papel e tinta; a viagem já começa, tenho bilhete único, mesmo se quisesse não poderia levá-lo. Volta pro teu mundo e tua poesia crua e sem alma, volta pra tua realidade sem música nem cor. Eu fico por aqui. Quando sair poeta, fecha porta, tranca tua bem a porta, apague as luzes, leva teu corpo e teus pensamentos para bem longe, não volte mais. Não me encontrarás aqui. Por isso, fecha teu coração, arruma bem os teus sonhos, apaga tuas lembranças, sofra o presente tão intensamente, quem sabe assim não te acostumas...

Faças como os outros, Poeta: afoga os sonhos na bebida, encharca a esperança de cachaça, desperdiça bem vida com futilidades, te esqueces dá poesia! Assemelhas-te a eles: Sofras de cirrose, devoras o outro como se o dinheiro fosse a coisa mais importante do mundo, vendas tua alma por um instante insano de sexo de nicotina e álcool, morras cada dia afogado no lamaçal do teu trabalho, aproveitas o máximo, poeta, essa vida inútil. É a única coisa a fazer num mundo no qual não há espaço para a poesia.

Adeus Poeta. Preservas, contudo, o chamar-te poeta, para que não te esqueças de que um dia, na contramão do mundo, houve Música e Poesia que falavam da flor, do café com pão e manteiga, da manga, do cacau, da laranja; do vatapá; das cantigas de roda, do sorriso de uma criança, do curral, do cheiro da terra molhada, da chuva, da terra; que falava de esperança; da vida! Mas tu, Poeta, não curtes mais o pôr-do-sol."

Saí daquele encontro certo de ele tinha razão, pois percebi que há um clima de desespero na televisão, no rádio, na internet, sem dúvida! Há uma carência do brilho da tolerância nos relacionamentos humanos, há barulho demais e diálogo de menos, há muita discórdia, muito filho e pouco pai, a lar de sombras e solidão, infâncias roubadas, estranguladas, mas há uma vida logo ali no horizonte, onde imponente o sol nos convida, há uma flor bebendo orvalho, há lábios loucos por esboçar um sorriso em busca de um rosto simpático e isso é a Poesia pura da qual ele falava.


Autor: jackson cruz dos santos


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