O Poder Patriarcal E As Faces Do Capitalismo No Casamento



Durante séculos, no acúmulo de experiências e organização institucional, a sociedade humana fez do Casamento um deseus principais instrumentos de legitimação do poder familiar. A relevância das uniões conjugais tornou-se tão acentuada que, a certo momento da história, firmou-se como imperativa a necessidade do Estado em tomar para si a responsabilidade de normatizar, regulamentar e fiscalizar tal prática que, até então, dizia respeito, exclusivamente as famílias envolvidas nos arranjos. Este processo, decorrido na antiguidade, ficou conhecido como publicização do Casamento. Anos mais tarde, no curso de outro período histórico, a Idade Média, com o poder desviado das mãos de imperadores para as mãos de clérigos, as Uniões Conjugais superaram as limitações impostas pelo cristianismo e ratificaram sua importância para a organização daquela sociedade. Muito embora, as liberdades e liberalismos da Idade Moderna tenham sugerido novas práticas e comportamentos aos cônjuges, o fato é que, em nenhum destes três períodos, a questão contratual ficou apartada das núpcias, ao contrário, foi um elemento norteador decisivo à celebração das uniões parentais e patrimoniais entre famílias afins.

Com o início de sua publicização, o Casamento assumiu na antiguidade clássica uma forma legal concreta. Mas, para que o mesmo alcançasse reconhecimento público e, conseqüentemente, validade política e econômica, era imprescindível o cumprimento de alguns detalhes que outorgavam ao contrato sua razão de ser. Dentre eles, os mais significativos estavam atrelados ao cumprimento de duas condições:

"... a engýesis ("garantia"), uma espécie de contrato entre o futuro marido e o pai da noiva, e a ékdosis, a entrega da noiva à família do noivo. Somente o casamento que tivesse cumprido essas formalidades poderia assegurar todos os direitos civis e políticos aos filhos provenientes de tal união"(VRISSIMTZIS, 2002, p. 42).

Logo, percebe-se que, mesmo não se tratando, ainda, de um documento escrito, a importância e legitimidade do contrato estabelecia-se no momento em que, o mesmo, passava a figurar como um elemento que respaldava publicamente a transação ou o acordo firmado entre as duas famílias, então ligadas. Prova disso, é o fato de a noiva não estar, necessariamente, presente ao ato de contração do matrimônio, ficando a cargo de seu pai, seu representante legal, a composição da engýesis, uma espécie de acordo nupcial de caráter verbal, bem como, o acerto das diretrizes sobre as quais se assentariam seus direitos, deveres e garantias de mulher casada. No mais, só uma celebração reconhecida publicamente seria capaz de afiançar o futuro político da prole do casal. Contudo, é apenas no século XII, com a intervenção da Igreja e seu sucessivo processo de controle organizacional dos enlaces matrimoniais, que os contratos, outrora verbais, saíram do plano abstrato e passaram a compor concretamente o cenário das uniões conjugais. Assim, à este tempo

"...a cerimônia do casamento havia sido transferida da residência para a Igreja (...), as proclamas haviam sido introduzidas para permitir a realização de objeções canônicas às núpcias, a prática dos registros havia sido iniciada para documentar oficialmente o evento..." (RICHARDS, 1993,p. 35).

Deste modo, foi com a sacralização do matrimônio que o contrato de casamento assumiu um caráter mais formal, inclusive agregando a si, o início do processo de registro documental e oficial das cerimônias matrimoniais e , por extensão e conseqüência, acabou moldando, de uma forma ou de outra as relações matrimoniais que se seguiram.

Historicamente, o Casamento ergueu cidades, sustentou impérios e formou nações, todavia, há que se dizer que por meio de negócios bem sucedidos, o "sim" dos noivos gerou enlaces e acordos nupciais que quase sempre descreveram trajetórias opostas: por um lado, a satisfação das famílias proponentes, por outro, as incongruências do comportamento conjugal. A solidez com que tais trajetórias se infiltraram no cotidiano da vida privada transformou o contrato de casamento num símbolo máximo da patriarcalidade social: a esposa como um sócio minoritário, sem voz e sem voto. Tão logo, a intensidade com que nossa sociedade validou o patriarcalismo foi responsável pela longa duração da tutelação feminina, dentro e fora do quadro conjugal, contexto que foi se alterando paulatinamente a partir das revisões impostas aos contratos de casamento através de sucessivas mudanças legais e comportamentais relativas aos cônjuges durante a adaptação social do matrimônio.

O Casamento consolidou-se em nossa sociedade como um rito de passagem, no qual, após anos de convivência e obediência, a mulher deixava a tutela do pai e passava à tutela do marido, ficando eternamente conhecida pelo predicado masculino. Na antiguidade, sua posição social pode ser descrita pelo excerto de Demóstenes: "...temos as hetairas para o prazer, as concubinas para os cuidados diários de nosso corpo, e as esposas para a procriação de herdeiros legítimos e para cuidar do lar..."(VRISSIMTZIS, 2002, p. 38), um discurso que demonstra toda a assimetria existente entre os direitos conjugais e sociais do esposo e da esposa. Para o primeiro, a aceitação disfarçada da poligamia, para a segunda, restrição à monogamia e ao trabalho doméstico. A propósito, um dos elementos que corporificaram de forma mais latente a dicotomia existente dentro relação contratual, entre os cônjuges, diz respeito à ocorrência do adultério e do divórcio. Na antiguidade, por exemplo, a privação de prazeres sexuais, pela restrição à sua esposa, era algo que feria e constrangia o imaginário masculino de tal modo que, a poligamia do esposo, além de notória, era considerada própria de sua natureza e, por conseguinte, aceitável. Entretanto, enquanto a sociedade tolerava esta quebra de contrato por parte do esposo, tal naturalidade não se estendia à esposa. Esta, se praticasse o adultério dava ao marido sanções públicas para sua expulsão de casa, bem como para a extinção de suas obrigações contratuais, isto é, dava à ele o direito de requerer e obter a dissolução do matrimônio. Na verdade, esta era uma das formas mais comuns de obtenção do divórcio naquele período. No entanto, esta prerrogativa decorrente do adultério não se estendia como direito à esposa e, neste sentido,

"...a mulher não podia alegar adultério por parte de seu marido, mesmo que tivesse sido explícito, como motivo para o divórcio. Por outro lado, se ela provasse ter sido vítima de abuso ou violência física (...), o divórcio poderia ser concedido (...), todavia o nome da mulher seria publicamente divulgado e isso era extremamente indesejável..." (VRISSIMTZIS, 2002, p. 60).

Aqui, a hipocrisia e a desigualdade dos direitos contratuais de conduta mostram que, além de lhe ser praticamente impossível a requisição e obtenção do divórcio, posto que a possibilidade de a mulher poder provar a prática de insultos físicos e morais era mínima, senão, nula e, quando isto, excepcionalmente, chegava a acontecer, a mesma ficava marcada por uma letra escarlate que a estigmatizava em publico até o fim de seus dias. De qualquer forma, é interessante perceber que o entendimento, do contrato de casamento acerca do adultério e do divórcio, herdado dos tempos homéricos ainda encontrava no final do século XIX e início do século XX um certo ar de contemporaneidade dentro das relações contratuais de casamento.

Embora muitos anos tenham se passado entre o período antigo e o contemporâneo, a condição do homem e da mulher em relação ao adultério e ao divórcio não se alterou de forma significativa. Por volta do início do século XX, aos olhos da lei, para a qual o casamento é de fato uma relação contratual, entende-se que

"...o adultério do marido não pode ser levado ao tribunal (...), exceto caso o infiel mantenha uma concubina em domicílio conjugal (...) neste caso a esposa pode dar queixa, e seu marido arriscasse então a ter de pagar pesadíssima multa (...).Em contraste (...), o adultério da mulher constitui sempre um delito. A esposa infiel incorre em até dois anos de prisão..." (CORBIN, 2001, p. 553).

Esta era a idéia defendida entre os juristas e corroboradapela própria sociedade, uma vez que para estes, a assimetria entre os direitos da esposa e do esposo justificavam-se pelo fato de não caber à mulher, sócio inferior da relação, o papel de controlar a conduta de seu marido e, além disso, entendia-se que apenas o adultério feminino colocava em risco a legitimidade dos filhos. Seja como for, causa repulsa o resultado da reflexão sobre o estado de equilíbrio da balança: para o esposo adultero, uma multa; para a esposa, uma prisão à parte àquela na qual à tempos ela já vivia.

No discurso entabulado pela socióloga Carole Pateman na obra "O Contrato Sexual", o casamento nos moldes tradicionais seria uma herança, uma relíquia feudal, um contrato não escrito, codificado numa lei que governa o casamento e a vida familiar e, por assim dizer, o mesmo teria assentado-se como um modo de subsistência feminina, posto da notória destituição de direitos e oportunidades das mulheres de ganharem seu próprio sustento, figurando o esposo como uma válvula de escape para uma vida decente. Vale ressaltar, que tal empreendimento social apresentava uma relação contratual amplamente desigual. No instante da contratação do casamento estabeleciam-se regras de moral e de conduta que, invariavelmente, conduziam a relação matrimonial a um dueto bastante difundido dentro da sociedade patriarcal: dominação x subordinação. Há que se entender, neste caso, que desde os tempos antigos, o casamento, ao assimilar suas dimensões pública e privada, começava a delinear os paradigmas sociais que moldariam anos adiante a assimetria comportamental do enlace. Neste sentido, dentro da contratação estabelecida, o direito de posse ou de propriedade era sempre garantido ao esposo e furtado à esposa, situação que chegou a ser justificada pela propagação da doutrina que legou à mulher os estigmas da fragilidade, da dependência e da incapacidade feminina em gerir a própria existência ou a de quem quer que fosse, servindo, desta forma, sob medida, para o papel subordinável da relação. A esse respeito, ocorre que o papel subordinável da mulher, em diversos momentos da Idade Média, foi defendido de forma categórica pela Igreja Católica

"...Quando Graciano escreveu "A mulher não tem poder, mas em tudo ela está sujeita ao controle de seu marido", estava meramente expressando uma das crenças universalmente aceitas na idade Média, a inferioridade inerente e insuperável das mulheres (...). A lei canônica permitia especificamente o espancamento da esposa, e isto acontecia em todos os níveis da sociedade..."(RICHARDS, 1993, p. 36).

Tudo isto, comprova que a subordinação à qual a mulher foi lançada, dentro e fora do casamento, não é especificamente uma condição delegada por este contrato social e sexual, mas sim, uma criação milenar da própria sociedade patriarcal, que encontrou na construção deste imaginário um importante aliado para a manutenção do poder do esposo e do status quo da superioridade masculina.

Os sentidos da dominação e da subordinação dentro e fora do casamento decorreram, no passado, do estabelecimento de trocas de favores, uma espécie de escambo vulgarizado das práticas comuns entre marido e mulher. Assim, na troca de obediência por proteção, a dinâmica natural do casal admitia o exercício do

"...sustento econômico e proteção dados pelo homem em troca da subordinação em todos os aspectos, e das assistências sexual e doméstica gratuita dadas pela mulher..." (PATEMAN, 1993, p. 54),

 

ficando, por assim dizer, mais do que comprovada a vocação paternalista do contrato de casamento que, durante anos, transformou diferença sexual em diferença política e em diferença de poder. Neste ínterim, dentro da conjugalidade matrimonial, as leis contratuais cediam espaço a uma acepção incomum das relações de trabalho, em que, mesmo para um mundo dividido em subordinados e subordinadores, já era praxi natural receber por um serviço prestado. Entretanto, quando transpomos esta linha de raciocínio para o campo dasrelações contratuais de casamento, fica evidente a condição de gratuidade com que, um dos sócios, desenvolviam suas atividades. No geral, a esposa não encontrava, necessariamente, uma predisposição irrestrita à assistência sexual e doméstica esporádica e recíproca, respectivamente, pelo contrário, tinha na obrigatoriedade destas atividades o próprio sentido de sua existência enquanto mulher, enquanto esposa, enquanto mãe, sem contudo, ser sequer considerada senhora de seu lar.

Por longos anos, os direitos outorgados ao marido, a partir da tutelação de sua esposa, foram responsáveis pela cassação das liberdades elementares da mulher após a celebração dos contratos de casamento. Por assim dizer, até mesmo sua integridade corporal sucumbia aos acordos. No século XVIII, por exemplo, fora estabelecido que

"...o marido não poderia ser acusado de estupro cometido contra sua esposa legal, por causa de seu acordo e contrato matrimonial comum em que a esposa abriu mão de si mesma neste aspecto em favor de seu marido, o qual ela não poderia revogar. Até 1884, na Inglaterra uma esposa poderia ser presa por não conceder os direitos conjugais. E até 1891, os maridos podiam aprisionar suas mulheres em casa à força, para obterem seus direitos" (PATEMAN, 1993, p.185).

 

Embora nos pareça chocante, este modelo de relação conjugal, no qual a ausência de direitos da esposa constituía-se numa prerrogativa legal que garantia ao marido o usufruto do monopólio sexual, difundiu-se largamente na sociedade contemporânea como uma prática estabelecida pelo direito de propriedade que amparava o esposo em qualquer decisão que este tomassea respeito de seu cônjuge, mesmo que isto representasse a própria comercialização de tal bem.

A venda de mulheres casadas pelo próprio esposo foi considerada um ato legal, alcançando ampla difusão e regularidade a partir do século XVI até o século XX. Ocorre que

"...as vendas de escravos e a de mulheres casadas aconteciam independentemente; a abolição do comércio de escravos não teve nenhum efeito sobre o de mulheres casadas. Elas, entretanto, custavam menos que os escravos e, até menos que cadáveres"(PATEMAN, 1993, p.185).

Pelo que se tem, a venda de mulheres casadas assentava-se em duas acepções: primeiro, na indissolubilidade do casamento, servindo, portanto, como um mecanismo para a realização do divórcio e para a quebra contratual da obrigatoriedade de sustento incumbida ao marido e, segundo, no caráter senhorial com que o marido tratava a esposa, detendo sobre esta um direito de propriedade e de conduta que se equivalia a relação que mantinha com seus escravos, transformando, por extensão, o contrato de casamento num código de escravidão da mulher branca, posto de sua total destituição e privação de direitos morais, sociais, sexuais, políticos e legais, com a ressalva de que esta escravidão é, até hoje, minimizada em nossas discussões, como se não fosse tão vil e covarde quanto a escravidão de qualquer homem, mulher ou criança.

No seu percurso de adaptação social, o matrimônio viveu entre os séculos XIX e XX um processo de reestruturação dos direitos concedidos ao esposo. É, por assim dizer, que o contrato de casamento, enquanto um código de escravidão da mulher branca, remodelou-se a partir de uma nova dimensão dada ao papel da mulher dentro da sociedade. Assim, seguindo uma influência mecânica dos preceitos capitalistas, esta mesma sociedade emancipou o casamento para um contrato de trabalho conjugal, submetendo, diferentemente, a mulher, a condição de escravo civil, isto é, lavar, passar, cozinhar, cuidar dos filhos, da casa e do marido, se dar, mesmo sem ter nada a receber, viver quase que num sistema de aviamento, acumulando uma conta de juros altíssimos que jamais se pagaria. Logo, mesmo concebendo a existência de um novo quadro conjugal e social, há que se dizer, que as relações de poder entre os cônjuges tiveram pouca alternância e minimização, continuando a descrever durante o século XX a mesma assimetria de outrora: dominação x subordinação.

Em referência ao Brasil, nos seus parcos 506 anos de existência, este experimentou diversas formas e modelos de casamentos: legítimos, ilegítimos, morais, imorais..., mas, o que nos importa saber é que os sistemas legais responsáveis pelos registros oficiais dos contratos de casamento tiveram uma certa variação ao longo de nossa história. Então,

"...Durante o Império, o vínculo conjugal religioso católico era indissolúvel e determinava o estado conjugal das pessoas. A partir de 1870, de acordo com a lei nº 1829, deu-se a organização do registro civil pelo Estado, ficando a Igreja obrigada a enviar à autoridade civil a série de informações registradas. Na República, a lei de 24 de janeiro de 1890 criou o casamento civil, que é independente do religioso e o único a ter validade jurídica e civil."(BERQUÓ, 1998, p. 412).

Esta imprecisão, com que a legislação e, o próprio Estado, tratou o registro casamental nos dão mostras das diversas facetas que este contrato encontrou em nosso país. Talvez uma das mudanças mais relevantes diga respeito à perda do poder que a Igreja exercia sobre tal instituição e, por conseqüência, sobre a mentalidade, o imaginário e o cotidiano da população. Tanto que, após o desvinculamento dos casamentos civil e religioso, este último deixou de ter validade legal, vindo inclusive a sofrer novas perdas quando da regulamentação, em 1942, da dissolução do vínculo conjugal, ou seja, o desquite e, logo a seguir, a sanção da lei nº 4529, de 30 de julho do mesmo ano, que legalizou a anulação do casamento tendo, por fim, a lei nº 6515, de dezembro de 1977, que definiu o divórcio e consentiu novo matrimônio aos divorciados.

Com normas contratuais menos ardilosas, as uniões matrimoniais brasileiras tornaram-se mais flexíveis às intempéries morais e sociais e, neste contexto, a relação de direitos ou a relação contratual entre os cônjuges também sofreu algumas alterações, porém, nada tão significativo ou profundo, a ponto de equilibrar a balança e derrubar por terra o dueto já conhecido da dominação X subordinação. Todavia, são estas pequenas conquistas no campo dos direitos contratuais e conjugais que possibilitaram, anos mais tarde, uma mudança de comportamento que abriu caminho para uma convivência mais congruente entre esposos e esposas. Neste contexto, o formato emitido ao Casamento Civil pela Constituição Federal Brasileira de 1988, deu aos cônjuges uma certa autonomia para usufruírem, de maneira menos formal dasvantagens e desvantagens dos contratos de casamento. Assim, o antigo contrato social e sexual assumiu uma imagem um tanto quanto vulgarizada, posto da aceitação legal das uniões estáveis entre homens e mulheres, sem perder, contudo, seu caráter contratual de outrora. A propósito do novo Código Civil Brasileiro de 2002, Francisco Pires e Albuquerque Pizzolante defendem que

"...a União Estável dever ser entendida como o casamento, pois é a comunhão de vida na qual dominam essencialmente relações de sentimentos e de interesse da vida em conjunto que, inevitavelmente, se estendem ao campo econômico" (PIRES; PIZOLANTE apud COELHO FILHO, 2003, p. 23).

Logo, fica evidente que para nossa legislação, oficialmente registrado ou não, para fins de direitos, deveres e garantias de parte a parte, o Contrato de Casamento ainda é um forte elemento que compõem o imaginário social da população, sua funcionalidade e seu pragmatismo, são extremamente contemporâneos e autênticos pois, para o bem ou para o mau, ainda é por meio de contratos oficiais ou meramente verbais que se estabelecem as desigualdades dentro das relações contratuais de trabalho conjugal.

Pelo que temos até aqui, e mesmo, por tudo o que nos afirmar a historiografia consultada, podemos considerar, com relativa desenvoltura e segurança, que a similaridade no uso dos conteúdos, na reafirmação de direitos, deveres e garantias, na imposição de relações desiguais, na manutenção de status quo, na força social e econômica, no poder de manipulação da mentalidade e do imaginário da população, são características que se implantaram nos sentidos e nas razões de ser do Contrato de Casamento e que, mesmo sofrendo críticas e retaliações ao longo da história, tenderam a se reproduzir com a mesma intensidade que mostraram quando de sua invenção. No entanto, não podemos deixar de apreciar as mudanças comportamentais que também fazem parte deste contexto e imaginário social, através do qual evidenciamos que o contrato social e sexual celebrado a partir da década de 1990 já aponta para determinadas variações na relação contratual desigual entre os cônjuges. Algumas destas variantes são constatadas a partir de leituras e indícios demográficos referentes aos tipos de uniões maritais que surgiram em nossa sociedade, outras são descritas pelos aceites negativos da esposa e pelos gritos de independência feminina dentro e fora das relações conjugais, as quais, em vários momentos simbolizaram mais a armadilha de um contrato do que o eco de um, recíproco e verdadeiro sim. Então, é de olho nestas peculiaridades, que a análise dos fatores estatísticos e demográficos dos casamentos e uniões estáveis no Brasil, serão o ponto de partida para a elaboração do próximo trabalho desta discussão.

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Autor: Glauciela Sobrinho Cunha Pantoja Ferreira


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