Correntes Migratórias e os Impactos Sócio-Ambientais em Rondônia (1964-1985)



José Júlio César do Nascimento Araújo[1]

Josimar da Silva Freitas[2]

José Valderi Farias de Souza[3]

Introdução

A proposta deste artigoé fazer uma leitura diferenciada do que vem sendo feita até hoje do garimpo e dos grandes projetos de exploração. Observa-se que a grande maioria dos pesquisadores tratou dos garimpos a partir de uma análise econômica, dando ênfase ao modelo analítico de "ciclo econômico". Tal modelo buscava uma organização dos fatos históricos a partir de uma forma pré-definida onde fatos políticos, ecológicos, sociais e culturais estariam ligados solidariamente, sem obedecer a ritmos próprios. Embora tenha sido de muita importância este tipo de análise, acreditamos que esta seja uma forma não somente comum, mas extremamente reducionista de compreender as características concretas assumidas pela evolução da produção mineral nas várias regiões da Amazônia, cada uma com dinâmicas e situações bastante diferenciadas. Dessa forma, no sentido lato das três ecologias de Felix Guatery, propõe-seuma compreensão mais ampliada desse processo.

A idéia de analisar as correntes migratórias e os impactos sócio- ambientais em Rondônia (1964-1985). partindo de uma perspectivasócio-político-ambiental, adinâmica da migração para os garimpos se deu a partir da convivência individual como filho de garimpeiro. É a partir desse contato com os relatos da vida/saga nos garimpos que nasceu o interesse de pesquisar essa problemática sob este enfoque. Dando a ela uma nova perspectiva, analisando os processos de apogeu e queda da extração ourífera em Rondônia,refletindo sobrea chegada e rápida saída das áreas de mineração, observando as micro e macro relaçõessociais estabelecidas e as modificaçõesde natureza populacional, como por exemplo o fato deentre 1960 e 1980, o número de habitantes crescer quase oito vezes, passando de 70 mil para 500 mil nesta região . A preocupaçãode nossa pesquisa é compreender como foi feito este processo de ocupação provindo da expansão da fronteira de extração mineral e quais as transformações ocorreram na esfera social e ecológica a partir do aumento da população.

Porém, o problema não nasceu aleatoriamente, mas foi fruto da relação entre o pesquisador e suas fontes, permitindo ao mesmo o mínimo de sistematização do que foi aleatoriamente observado.

2. PROBLEMÁTICA

Para Paul Singer, a partir de 1870 o âmbito mundial do capitalismo se modificou profundamente, com a "'hegemonia do capitalismo industrial", que vai avançando diante dos "sistemas fechados". Neste contexto internacional, o Brasil irá se inserir com um produto de sobremesa, o café, e com uma matéria-prima extrativa, a borracha (SINGER, 1992). Após o período da borracha, inicia-se o período dos grandes projetos de desenvolvimento e mineração.

Na Amazônia os diversos projetos: SPVEA, SUDAM, SUPRA, IBRA, BASA, SUFRAMA, PIN, RADAM BRASIL,PROTERRA, POLAMAZÔNIA, POLOCENTRO, POLONOROESTE, TRANSAMAZÔNICA, I PND, II PND, SIVAM, SIPAM -refletiram e refletem uma filosofia e se inserem num período histórico - econômico específico. No bojo de tais programas estão, também, diversos escândalos ora nacionais, ora envolvendo organismos estrangeiros.

Em que pese estas considerações econômicas, necessárias para pensar o período, nossa proposta é fazer uma leitura diferenciada da que vem sendo feita até hoje do garimpo e dos grandes projetos de exploração. Para Oliveira (1979) a grande maioria dos pesquisadores tratou dos garimpos a partir de uma análise econômica, dando ênfase ao modelo analítico de "ciclo econômico". Tal modelo buscava uma organização dos fatos históricos a partir de uma forma pré-definida onde fatos políticos, ecológicos, sociais e culturais estariam ligados solidariamente, sem obedecer a ritmos próprios.

Acreditamos que esta seja uma forma não somente comum, mas extremamente simplificada e esvaziada das características concretas assumidas pela evolução da produção mineral nas várias regiões da Amazônia, cada uma com dinâmicas e situações bastante diferenciadas.

A idéia de analisar, partindo de uma perspectiva política sócio -ambiental, a "dinâmica da migração'' para os garimpos se deu a partir da convivência individual como filho de garimpeiro. É a partir desse contato com os relatos da vida/saga nos garimpos que nasceu o interesse de pesquisar essa problemática dando a ela um novo enforque analisando os processos de apogeu e queda da extração ourífera em Rondônia,refletindo sobrea chegada e rápida saída das áreas de mineração. Porém, o problemanão nasceu aleatoriamente, mas foi fruto da relação entre o pesquisador e suas fontes".

Propomos o recorte geográfico de Rondônia, e o temporalno período compreendido de 1964 (período extremo de repressão do governo militar) até 1985(reabertura para o capital externo). Tal recorte se justifica pelo fato de que o período proposto marca o avanço das explorações dos garimpos rondonienses, com a introdução de um grande número de nordestinose sulistas comotambémimplantação das mineradoras nacionais e estrangeiras.

3. REVISÃO TEÓRICA

O processo recente de ocupação, expansão e apropriação da fronteira, na Amazônia, é regulado por mecanismos associados aos grandes movimentos estruturadores do espaço nacional, sendo de particular interesse as características dos movimentos de ampla escala nas décadas que iniciaram os grandes projetos de desenvolvimentoe ocupação na Amazônia.

Nesse sentido, segundo Ajara (1993, p.34):

''(...) a acelerada industrialização nacional, a intensa urbanização da sociedade brasileira e a constituição de um sistema econômico nacionalmente integrado responderam, particularmente no período pós 30, pela dinâmica de estruturação sócio territorial do País.Resumindo os fundamentos, ainda que não formalizados, de um projeto nacional.

Tal dinâmica manifestou-se, diferencialmente, nos subespaços nacionais em razão da igualmente diferenciada evolução precedente dos distintos segmentos regionais.

O espaço regional correspondente à Amazônia passou a apresentar grandes transformações com sua inserção explícita num esquema de circulação inter-regional em fins dos anos 50, quando alterações significativas no sistema econômico do País explicitam uma nova divisão regional do trabalho. Para Barp (1992)abertura da rodovia Belém-Brasília simbolizou o início de um processo de articulação inter-regional que vai ser reforçado nas décadas subseqüentes.

No decorrer da década de 60, com a clara definição do planejamento como instrumento de política econômica, o Estado passou a conduzir o processo de desenvolvimento nacional, quer investindo em infra-estrutura, quer atuando na área de produção, em atividades básicas ligadas ao crescimento econômico. Dando suporte, como salientaHebete (1991), às ações governamentais os componentes ideológicos da segurança e da integração nacional apoiaram-se na concepção do "vazio amazônico" para definir estratégias visandoincorporar a grande extensão da fronteira de recursos ao movimento de internacionalização da economia nacional e de redefinição, cada vez mais clara, dos papéis dos diferentes segmentos espaciais na divisão inter-regional do trabalho, com profundos impactos na reconfiguração territorial do País.

Assim, num contexto de planejamento centralizado, a Amazônia passou por mudanças aceleradas a partir da década de 60, quando o Estado, tomando como referência um recorte territorial definido na década anterior - a Amazônia Legal -, tornou-se, efetivamente, produtor desse novo espaço, no âmbito do qual o controle territorial foi efetivado a partir da decisão político-administrativa de integrar, nacionalmente, o espaço periférico amazônico.

Tornada a integração da Amazônia um objetivo nacional, foi criada, segundo Figueiredo (1993,p.54):

A estrutura institucional necessária ao cumprimento das metas fixadas para a Região - SUDAM e BASA - e foram efetivadas as condições de acessibilidade a essa porção do território proclamada, em particular na década de 70, como um espaço aberto a segmentos sociais desfavorecidos e colocado, a partir da concessão de incentivos fiscais e financeiros, como um espaço de apropriação acelerada por parte do setor privado para reprodução de aspectos contrastados do modelo de desenvolvimento em curso no País.

Como se observa, servindo à redução das tensões e das contradições sociais geradas em outros espaços regionais a partir das características do crescimento econômico nacional, a Amazônia sediou, num primeiro momento, no início da década de 70, ao longo do eixo da rodovia Transamazônica, projetos de colonização pública, criados pelo INCRA no âmbito do PIN/PROTERRA, integrantes de uma diretriz ideológica de superação da problemática representada pela massa de agricultores pobres do Nordeste.

No final dos anos 70, o Estado realiza, em Rondônia, no contexto do POLONOROESTE, a segunda grande intervenção no âmbito da colonização oficial, aí promovendo o assentamento de colonos do Sul do País, deslocados pela modernização da agricultura/valorização da terra na área de procedência, no âmbito de um processo que já pressupunha financiamento de agências internacionais que vinculavam a concessão de recursos a projetos mais amplos com explícita dimensão sócio-ecológica.

Tal explicitação, apoiado em Becker (1993),não serviu, contudo, a um tipo de evolução que colocasse a Amazônia como um espaço capaz de garantir a reprodução da pequena produção em patamares que representassem uma elevação efetiva desse segmento a condições favoráveis de sobrevivência e não representou, também, a negação de uma ampliação da questão ambiental já claramente configurada em outras escalas de exploração.

Inseridos num grande esquema de reorganização do território, os grandes projetos agropecuários implantados na Amazônia, beneficiando-se dos incentivos oficiais, reforçaram a característica secular da agricultura brasileira representada pela incorporação de novas áreas, sem firmar, contudo, uma ampliação do espaço da produção dada à disparidade entre a dimensão das áreas incorporadas e a extensão das terras colocadas em uso produtivo, constituindo-se este, basicamente, em implantação de pastagem efetuada de forma indistinta nos diferentes ecossistemas regionais.

Uma outra forma de intervenção estatal na Amazônia correspondeu, em meados da década de 70, ao Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia - o POLAMAZÔNIA - voltado para a criação de recortes territoriais que concentrariam investimentos oficiais em infra-estrutura econômica e utilizariam o sistema viário recém-criado para incentivar a ocupação de áreas, específicas, atraentes ao capital privado.

Para Castro (1993) as atividades de extração mineral eos eixos de articulação da Região às áreas de maior crescimento econômico do País responderam, dominantemente, pela atual configuração territorial da Amazônia, resultado de um processo induzido de profundas transformações regionais.

É partindo do prisma que a Amazônia devia despontar como centro econômico extrativo repetindo a euforia do período da borracha, e talvez, inserindo o país como mercado produtor e participante do contexto mercadológico mundial, que o séc. XX irá se configurar como princípio de uma profunda abertura ao mercado e ao investimento internacional; marcado pelosdiversos projetos de ocupação e desenvolvimento.

A política governamentalpara a Amazônia e, conseqüentemente, Rondônia auxiliou novo surto migratório para a região, graçasaos garimpos de cassiterita e pedras preciosas. A criação do território e a construção da rodovia são o inicio de todo o processo migratório em Rondônia, oriundos dos projetos de desenvolvimento econômico. Porém, o que no inicio possibilitou o desenvolvimento com a chegada de migrantes, como relata Costa (apudGuidotti e Oliveira, 2000, p.89 ), " somente na década de 80 chegaram a Rondônia 938.211 migrantes'',gerou na década seguinte a saída de 30 famílias por dia de áreas de garimpos ou assentamentos.

A maioria destes projetos usou cooperação de agencias financeiras internacionais como o Banco mundial e o BIRD, mas sempre o Brasil teve que oferecer diversas contrapartidas. Primeiro os organismos financiadores ofereceram créditos para promover o desenvolvimento, depois havia as cobranças de juros, sempre pagos com exportação. No caso brasileiro, segundo Oliveira (1991), o país que teve o café e a borracha como produtos de exportação começava no final da década de 60, a assiste a ampliação da exportação de minérios.

Junto com o POLOAMAZÔNIA, o II PND previa a implantação do Complexo Minero-Metalúrgico da Amazônia Oriental. Rondônia, Maranhão, Mato Grosso e Pará são colocados como importantes áreas de exploração. Essa ocorrência de minérios em Rondônia trouxe consigo a ação de grupos como oItaú, Paranapanema, Dranim, Brascam e Patino-englardt; o que gerou a substituição da lavra manual pala lavra mecanizada; causando profundas transformações na ecologia e nas relações e espaços sociais de Rondônia.

Analisar as relações sociais no interior dos garimpos a partir de uma perspectiva político-social e ecológica significa problematizar como se processaramas migrações em Rondônia em busca do ouro. Investigando e refletindo quais os ganhos, as perdas e as implicações sócio - ambientais provenientes da exploração mineralno espaço rondoniense.

REFERÊNCIAS

AJARA, César. A abordagem geográfica: suas possibilidades no tratamento da questão ambiental. In: Geografia e Questão Ambiental. Rio de Janeiro: IBGE, 1993.

BARP, Wilson. A formação das categorias sociais subalternas na Amazônia e a reconstituição de sua identidade no novo espaço social e ambiental. Campinas: ABRA, 1992.

BECKER, Bertha K. Geografia política e gestão do território no limiar do século XXI - uma representação a partir do Brasil. Revista Brasileira de Geografia, IBGE, Rio de Janeiro 53 (3): 1991.

________________. Amazônia pós ECO 92: Por um desenvolvimento regional responsável. In: "Para pensar o desenvolvimento sustentável". São Paulo: Ed. Brasileira, 1993.

CASTRO, Edna M. R. & MARIM, Rosa E. A. Amazônia Oriental: territorialidade e meio ambiente. In: "Reestruturação do Espaço Urbano e Regional no Brasil". São Paulo:HUCITEC, 1993.

CARVALHO, Isabel Cristina M. Territorialidades em luta: uma análise dos discursos ecológicos. Instituto Florestal, Série Registros (9), São Paulo, 1991.

FIGUEIREDO, Adma Hamam de. As formas de intervenção pública na apropriação e uso do espaço amazônico. In: Geografia e Questão Ambiental. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Geografia, 1993.

GUATERY, Felix. As três ecologias.4ª ed.São Paulo: Papirus,2005.

GUIDOTTI, Humberto e OLIVEIRA, José Aldemir de(orgs.).A Igreja arma sua tenda na Amazônia.Manaus: EDUA, 2000.

GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos Sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

HEBETE, Jean (org.) O cerco está se fechando - o impacto do grande capital na Amazônia. Rio de Janeiro: Ed. Vozes/FASE/ NAEA, 1991.

LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli.Abordagens Qualitativas em educação. São Paulo:EPU,1989.

OLIVEIRA.Adélia Engrácia de. AMAZÔNIA: a fronteira 20 anos depois. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1992.

OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. O Caboclo e o Brabo: Notas sobre duas Modalidades de Força de Trabalho na Expansão da fronteira Amazônia no século XIX. Encontros com a Civilização Brasileira,1979.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umberlino de. Integra para não entregar: políticas públicas e a Amazônia.Campinas: Papirus, 1991.

SANTOS , Milton. A urbanização brasileira. São Paulo:Ed. HUCITEC,1993.


Autor: José Júlio César Nascimento Araújo


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