A Justiça Restaurativa no Brasil



A Justiça Restaurativa pauta-se num procedimento consensual, cujo qual, a vitima e o infrator, e, quando necessários, outras pessoas ou membros da comunidade, considerados vitimas por equiparação, como parentes, amigos, vizinhos, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a restauração dos traumas e perdas causados em decorrência do crime.

Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, intervindo um ou mais mediadores, na forma de procedimentos tais como mediação vítima-infrator, reuniões coletivas abertas à participação de pessoas da família e da comunidade e círculos decisórios, propiciando aos participantes a possibilidade de uma reunião num cenário adequado, para o diálogo sobre as origens e conseqüências do conflito criminal e construção de um acordo e um plano restaurativo, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator.

Saliente-se que se faz necessário nesse procedimento uma disponibilidade psíquica e emocional dos envolvidos e dos facilitadores que acompanham o processo, para participação nessa forma de resolução de conflito, haja vista que o que é levado em consideração são os aspectos humanos, emocionais, relacionais e sociais.

O que se busca com esse trabalho é apresentar de forma sucinta um debate concernente à Justiça Restaurativa, como uma nova forma de reação ao crime, mediante diálogo entres os envolvidos – vítima, infrator e comunidade – no intuito de reparação do dano restabelecendo uma relação pacifica entre as partes.

A Justiça Restaurativa conjectura o encontro dos envolvidos num processo judicial visando expressar os sentimentos e emoções advindos do conflito em que litigam para além do que comparece à Justiça, e para que assim se consiga construir um acordo que supra as necessidades e restaure os danos causados à vítima, autor e comunidade.

Por esse procedimento busca evitar práticas puramente punitivas (ou retributivas), as quais tendem a estigmatizar as partes, rotulando-as sem qualquer cautela, negativamente.

Diante dessas premissas, há de se analisar qual seria a forma viável de aplicação dessa Justiça Restaurativa, que tem como base o principio da oportunidade, dotada de um procedimento informal, comunitário e voluntário, onde o processo decisório é compartilhado com todas as pessoas envolvidas, em nosso modelo de Justiça Criminal retributivo, onde o foco precípuo é a natureza punitiva mediante penas ao infrator, fundado no principio do devido processo legal, do principio da legalidade e da indisponibilidade da ação penal, caracterizado como um procedimento solene, público e contencioso, onde o processo decisório esta a cargo das autoridades.

De acordo com Paul McCold e Ted Wachtel, do Instituto Internacional por Práticas Restaurativas (International Institute for Restorative Practices):

"a essência da justiça restaurativa é a resolução de problemas de forma colaborativa. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunião para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que aconteça de novo. A abordagem restaurativa é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto como tal. [...] O engajamento cooperativo é elemento essencial da justiça restaurativa".[1]

Nota-se, deste modo, que trata-se de suprir tantos as necessidades emocionais quanto materiais das vítimas e, concomitantemente, levar o infrator a assumir a responsabilidade por seus atos, através compromissos concretos.

O elemento estrutural é as Partes Interessadas sob o escopo da relação entre o dano causado pela infração penal e as necessidades de cada interessado, proporcionando assim respostas restaurativas necessárias que atendam a tais necessidades.

De forma sucinta, define-se a Justiça restaurativa como inovador conceito de solução de conflitos, criando um paradigma novo, reformulando o modo convencional de definir crime e justiça, com um imenso potencial para transformar o conflito, visto que intervém de modo mais incisivo na pacificação das relações sociais.

Como partes principais desse processo temos as vítimas e dos transgressores. No tocante às partes, os autores retromencionados assevera:

"Aqueles que têm uma relação emocional significativa com uma vítima ou transgressor, como os pais, esposos, irmãos, amigos, professores ou colegas, também são considerados diretamente afetados. Eles constituem as comunidades de assistência a vítimas e transgressores. As partes secundárias, por outro lado, são integradas pela sociedade, representada pelo Estado, pelos vizinhos, aqueles que pertencem a organizações religiosas, educacionais, sociais ou empresas cujas áreas de responsabilidade incluem os lugares ou as pessoas afetadas pela transgressão". O dano sofrido por essas pessoas é indireto e impessoal, e a atitude que deles se espera é a de apoiar os processos restaurativos como um todo".

No processo de conciliação, realizado através de debates ou mesas-redondas, às partes interessadas deve ser oportunizada a possibilidade de expressar o que sentem, dando-lhes voz ativa no intuito de reparar do dano.

A Justiça Restaurativa realiza uma aproximação, mediante um processo cooperativo, privilegiando toda forma de ação, individual ou coletiva, em que os interessados, na determinação da melhor solução, buscam corrigir as conseqüências vivenciadas em virtude da infração, a resolução do conflito, a reparação do dano e a reconciliação entre as partes.

Renato S. G. Pinto observa que:

"O crime, para a justiça restaurativa, não é apenas uma conduta típica e antijurídica que atenta contra bens e interesses penalmente tutelados, mas, antes disso, é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo, por isso, à Justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser restaurado, oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado." [2]

A doutrina defende que a prática da justiça restaurativa deve ocorrer, preferencialmente em local neutro, reunindo as partes e os facilitadores, oportunizando ainda a assistência jurídica e, se necessário, outros auxiliares. As Garantias processuais devem ser respeitadas, assegurando tratamento igualitário e justo às partes. Em nenhuma hipótese qualquer das partes deverá ser coagidas ou sequer induzidas mediante meios ilícitos a participar do processo ou a aceitar qualquer dos seus resultados.

O tratamento igualitário às partes deve ser respeitado, observando as diferenças entre as mesmas, como as diferenças culturais, sociais ou quaisquer outras.

Vale salientar que, as partes devem ser informadas de forma plena acerca de seus direitos antes mesmo concordarem em participar do processo.

Renato Campos Vitto acrescenta:

"O processo se desenvolve basicamente em duas etapas: uma na qual são ouvidas as partes acerca dos fatos ocorridos, suas causas e conseqüências, e outra na qual as partes devem apresentar, discutir e acordar um plano restaurativo."[3]

Cumpre informar ainda que deverá ser resguardado o sigilo de toda e qualquer discursãotravada durante o processo restaurativo,inclusive não se utilizando do seu teor em qualquer fase subseqüente do processo.

"Trocam-se as lentes" no processo restaurativo, é um olhar para o futuro, fundado numa ética de diálogo e cooperação, norteado pela democracia participativa. De outro modo, a justiça convencional, busca olhar o que se passou, busca-se a culpa, no intuito de aplicação de pena, focando-se exclusivamente no Estado e no infrator. Pela Justiça Restaurativa pergunta: o que pode ser feito agora para restaurar os danos causados pela infração?

A Justiça restaurativa em nosso país está assimilada, desde 1998, em diversos lugares, com resultados bastante positivos.

Pedro Scuro Neto e Neemias Moretti Prudente falamque:

"Os pioneiros desses projetos estão compartilhando suas experiências com outros interessados e o tema vem ganhando cada vez mais repercussão na opinião pública e comunidade acadêmica. No Congresso Nacional tramita o Projeto de Lei n.º 7006/2006, para regulamentar a aplicação de justiça restaurativa na esfera criminal. Em 17 de Agosto de 2007, no Auditório da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, realizou-se a Assembléia Geral de fundação do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR), que já conta com quase uma centena de membros."[4]

Destarte, percebemos de forma clara que a Justiça Restaurativa traz uma possibilidade de resolução de conflitos viável e mais eficaz que a tradicional, visto que, ao invés do caráter meramente punitivo, tem como escopo uma solução pacífica mediante convenção entre as partes para reparar os danos sofridos pela infração.

É necessária ao menos a tentativa de se implantar no Sistema Jurídico Brasileiro o programa da Justiça Restaurativa, que tem como objetivo promover um encontro entre a vítima, o infrator e a comunidade para, coletivamente, construir uma solução eficaz para a restauração dos traumas e perdas causados pelo crime, e já vem sendo utilizado em vários paises do mundo, inclusive oficializados nos documentos da ONU e da União Européia, que validam e recomendam o programa.

üBIBLIOGRAFIA

GOMES PINTO, Renato Sócrates. A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça e PNUD,2005

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

JESUS, Damásio E. de. Justiça Restaurativa no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 819, 30 set. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7359>. Acesso em: 27 maio. 2008.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. 30.

ed. São Paulo: 2003.




Autor: Thiago Guimarães


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