As Conseqüências Da Morte



Em um tempo em que o questionamento e o levantamento de duvidas caracterizam-se como produtos apreciados pelas idéias pós-modernas, o livro de José Saramago, As Intermitências da Morte, fornece instrumentos que possibilitam a leitura de uma realidade que não se encerra nos limites de suas fronteiras, mas que se revela como traço comum a diversas nações contemporâneas.

O drama em As Intermitências da Morte é apresentado sob a ótica de um narrador extremamente irônico e como não poderia deixar de ser, possuidor de reflexões que deixam evidenciar uma determinada interpretação dos fatos que narra. Tais reflexões fazem surgir uma espécie de denuncia: A manipulação e a exploração por parte de setores sociais, políticos, econômicos e religiosos, das pessoas que formam a massa anônima da plebe. Na narrativa, o caos provocado pela decisão da morte de abandonar sua atividade em um certo país fictício, serve como analogia para as conseqüências advindas de crises que atingem a sociedade capitalista.

Convém destacar que o objeto deste estudo tem como uma das âncoras teóricas a concepção de Antonio Cândido quando este enfoca os aspectos sociais que envolvem a arte. Ele chama a atenção para a forma ... como a obra de arte plasma o meio 1 . Desse modo, observa-se que as muitas formas pelas quais se expressa a arte na pós-modernidade encontram correspondências nos discursos e nos fatos de uma sociedade que passa a ser tematizada.

A capacidade de representação literária traça na primeira parte do romance, o processo de desestruturação social, de desmaterialização da economia ou de sua definição no âmbito clandestino. Esse contexto retrata o cotidiano de um espaço no qual se encontram condensados os traços definidores da pós-modernidade.

O autor pós-moderno, José Saramago, cria um narrador que pode ser identificado, de acordo com Maria Lucia Dal Farra, como uma impostação, uma máscara que o autor cria a fim de fazer prevalecer certas finalidades específicas a cada obra sua. 2 . Assim, o narrador do romance sinaliza para a situação social contemporânea, aspecto que pode perfeitamente decorrer da ótica do próprio autor da obra.

Pode-se envolver neste estudo, traços da teoria desconstrutiva de Jacques Derrida a qual consiste em desfazer o texto para que assim sejam revelados seus significados ocultos.

Este estudo leva em consideração o aspecto em que a desconstrução não se configura como destruição, mas sim como desmontagem de um sistema, de modo a reaproveitar suas peças sob uma nova ordem construtiva. Referente a tal perspectiva será estudada a primeira parte do romance As Intermitências da Morte, extraindo-se dela as inferências do narrador para que se partindo deste recorte seja elaborada a compreensão de uma problemática.

O romance abre com uma declaração: No dia seguinte ninguém morreu. 3 Formalmente esta frase corresponde ao mote, ou seja, ao motivo do romance como uma espécie de apólogo. Assim, do prisma formal a história principia à maneira de uma narrativa de Era uma vez... claro que noutro nível narrativo.

A ação do romance gravita em torno desse mote. Segundo Massoud Moisés a ação narrativa é classificada em dois tipos: ação externa e ação interna. A ação externa se propõe em estruturar o enredo enquanto que a interna revela a dimensão psíquica dos conflitos, tanto expressa pelos personagens quanto pelo narrador. Essa abordagem visa elucidar, sobretudo a ação interna na narrativa construída pelo narrador saramaguiano.

Segundo Maria Lucia Dal Farra O surgimento do discurso pode ser encontrado mediante a estimulação que a narrativa a rememoração-exerce sobre o estado momentâneo do narrador. 4 Dentro dessa perspectiva o que será observado é o elemento catalisador de uma visão de mundo que se manifesta intercalando-se à ação externa. Para tanto, se pretende recortar o texto para que seja atingida a análise esperada.

Na primeira parte do romance, a ação externa mostra o inicial contentamento naquele país fictício do qual a morte se retirou. Mostra que as pessoas aproveitam todas as ocasiões para sair à rua e proclamar e gritar, que, agora sim, a vida é bela. 5 Mas, paralela a esta ação, logo se evidencia a ação interna na manifestação do narrador que revela o outro lado da situação através do comportamento de setores de uma sociedade capitalista. Sociedade esta para a qual a morte, fato comum, não é entendida da mesma forma por todos, principalmente por instituições que dela precisam para sobreviver. Nem tudo é festa, porém, ao lado de uns quantos que riem, sempre haverá outros que chorem, às vezes, como no presente caso, pelas mesmas razões. 6


Autor: Sandra Moreira dos Santos


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