História, Mulher e Poder



A figura da mulher tornou-se tema de muitas discussões nas últimas décadas do século XX e nesses primeiros anos do terceiro milênio em diversas áreas do conhecimento. Pesquisadoras como Natalie Z. Davis e Michelle Perrot, tem se debruçado sobre estudos da história das mulheres e suas lutas em todos os processos civilizatórios. Além disso, a luta das mulheres tem garantido-lhes o seu lugar de cidadã na vida, no mundo e na própria história. Há uma relação entre gênero e poder que precisa ser desvelado, pois a história masculinizadacriou o mito do sexo frágil, da impotência feminina e da sua dependência existencial do masculino. Eis aí o que denominamos machismo: a mulher é inferior ao homem.

No ocidente, a representação de poder e fragilidade também está ligada a um mito de origem descrito no Gênesis, que embora apresenta a força sedutora de Eva, deixa a marca da fraqueza, do pecado, da infelicidade e por que não dizer da traição ao próprio Deus. É um paradoxo em que força e fraqueza se entrelaçam, recaindo sobre a mulher a origem do mal sobre a vida por meio da sedução.

Avançando no tempo, retomemos a História Moderna como exemplo: perceberemos as contradições inerentes no desenrolar dos processos políticos em que a mulher foi representada como o grande símbolo da república, mas ao mesmo tempo excluída. A Revolução Francesa representou a república por uma mulher amamentando. Portanto, a república é mãe e protetora. O historiador José Murilo de Carvalho nos informa que na Segunda República Francesa foi aberto concurso para escolha de um símbolo nacional e a grande maioria dos pintores e escultores escolheu a figura feminina como representação da república, da pátria e da nação. Podia ter um sentido mitológico na opção dos pintores e escultores, mas existia um fato real: a mulher participou da revolução. Um exemplo de participação feminina foio de Thérogne de Mericourt que organizou batalhões de amazonas (mulheres) para lutarem ao lado dos homens. Muitas outras mulheres que lutaram pela revolução, como Olympe de Gouges, Claire Lacombe, Pauline Leon, Marie Deschamps, dentre outras, foram guilhotinadas e/oupresas.

Acredito que o símbolo da mulher no imaginário dos artistas não tinha somente o romantismo da mãe protetora da pátria, mas também a representação da resistência e das lutas das mulheres. As lideranças políticas é que tentaram transformar o sangue das lutas em imagens românticas, simbolizando a pátria mãe por meio da mulher.

No Brasil, os republicanos positivistas também tentaram buscar na força simbólica a representação feminina para a República. Pintores e escultores retrataram a República brasileira também por meio da mulher. Porém, na nossa República não houve mobilização popular e nem participação popular e o povo assistiu a tudo aquilo bestializado segundo nos informa os historiadores. E, talvez, por isso mesmo os símbolos femininos não diziam nada para a nossa população. No final sobrou Tiradentes como símbolo de herói da integração nacional.

De qualquer maneira, nos dois exemplos que citei (Revolução Francesa e Proclamação da República Brasileira) a figura feminina sempre apareceu inserida nas contradições da história. Após a Revolução Francesa, as mulheres foram impedidas da participação política e suas organizações de mulheres foram proibidas e fechadas. No Brasil, ocorreu o mesmo fenômeno. A República continuou a excluir as mulheres da participação política, após a proclamação ocorrida no dia 15 de novembro de 1889. A participação política da mulher só veio ocorrer décadas depois com a constituição de 1934 com a extensão do voto à mulher. A luta das mulheres pela cidadania é histórica.

Nesse início de milênio, a comemoração do dia da mulher possui a representação de uma comum unidade que insere também os homens. Mulheres e homens são resultados da capacidade natural de sobrevivência nesse planeta azul. Rever as relações machistas de discriminação e exclusão não é mais somente o papel das mulheres, mas de todos que acreditam que somente no respeito das diferenças e potencialidades inerentes à questão de gênero é que construiremos e escreveremos uma outra história que abomina qualquer forma de discriminação e preconceito. Mulheres e homens são gente e agentes de transformação. No baú da história estão guardadas as lutas das mulheres; lá se encontra amemória da força humana que não desiste e sempre insiste... que um mundo mais fraterno é possível.


Autor: Orlando Almeida


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