Eduardo Souto de Moura, Sua Obra e Referências



Eduardo Souto de Moura 

Nascido em 1952, no Porto, Eduardo Souto de Moura colabora com o arquitecto Álvaro Siza entre 1974 e 1979, licenciando-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto em 1980, ano em que se lança como profissional liberal. Inicia a actividade de Assistente do curso de Arquitectura na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 1981 e, entre 1988 e 1994, lecciona como Professor Convidado nas escolas superiores de arquitectura de Paris-Belleville, Harvard, Dublin, Zurique e Lausanne.

Depois dos primeiros reconhecimentos públicos da sua obra, com os Prémios Fundação António de Almeida e Fundação Antero de Quental, em 1980 e 1981 respectivamente, Eduardo Souto de Moura foi galardoado, entre 1982 e 1990, com o 1° Prémio nos concursos realizados para a reestruturação da Praça Giraldo (Évora), para o Centro Cultural da SEC - Secretaria de Estado da Cultura (Porto), para os Pavilhões ClAC, para um hotel (Salzburg) e no concurso "IN/ARCH 1990 para a Sicilia".

Desde 1992, ano em que ganhou o Prémio SEClL de Arquitectura, recebeu variados outros prémios, de que se destaca o Prémio Internacional "Pedra na Arquitectura" para a Casa em Braga, concedido pela Feira de Verona, e o Prémio Anual da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte. Em 1996 foi nomeado para o Prémio Europeu de Arquitectura Pavilhão Mies van der Rohe com cinco projectos: Casa das Artes, Centro Cultural para a SEC, Porto; Casa em Alcanena; Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro; Bloco de Habitações na Rua do Teatro, Porto; e Pousada de Santa Maria do Bouro, Amares.

Em 1998, além de ter recebido o Prémio Pessoa, foi finalista do Prémio IberFAD com a Pousada de Santa Maria do Bouro, projecto que nesse ano lhe valeu 01°. Prémio na I BienallberoAmericana. Em 1999, de novo com a Pousada de Santa Maria do Bouro, foi-lhe concedida a Menção Honrosa "Pedra na Arquitectura".

A Escola do Porto

O arquitecto Eduardo Souto Moura surge no parâmetro da arquitectura Portuguesa, como um arquitecto seguidor de uma geração, que a partir dos anos 50, marcaram profundamente a arquitectura Portuguesa. Professores que na escola do Porto assim como em toda a Europa a partir do final dos anos 50, estavam questionando as certezas dogmáticas, dos princípios do Movimento Moderno, opondo-se aos grandes temas ideológicos e aderindo à problemática das realidades locais.

As criticas aos CIAM, originou duas linhas de seguimento a partir dos anos 60, por um lado o vinculo ao lugar era procurado na arquitectura histórica e social originando os inquéritos, realizados ás cidades á arquitectura vernácula, por outro lado a tradição empírica baseada no estudo de adaptação ao contexto físico.

Na escola do Porto, Fernando Távora, professor de Souto Moura, assenta a sua didáctica na problemática acerca da compreensão do contexto histórico e social, o conceito de lugar e de integração irão assim marcar definitivamente a arquitectura de Eduardo Souto Moura.

A sua formação, coincide com um momento de transição na sociedade Portuguesa, uma época de profundas transformações associadas a um momento de crise política e social.

Portugal até à revolução de 1974, era um país profundamente marcado por um regime de ditadura, que rejeitava as influencias do exterior, nomeadamente no campo de arquitectura, para a qual impunha normas restritas e modelos arquitectónicos próprios de um regime autoritário.

Apesar de a Escola de Belas Artes do Porto, viver em constante crise, derivada fundamentalmente por motivos políticos, Eduardo Souto Moura recebe uma formação de grande nível cultural e de riquíssimos conteúdos.

A escola de Belas Artes do Porto, influenciou profundamente Souto Moura, na qual dispunha de professores de grande valor, arquitectos cultíssimos, e que inteligentemente lhe passavam informações, como por exemplo os arquitectos; Filgueiras (interessado em estruturalismo), o escultor Alberto Carneiro (interessado em que os alunos representassem emoções através de texturas e materiais, como a madeira, a pedra, peças de aço, fazendo ensaios de maquetas, cubos, exposições; tudo abstracto), Fernando Távora ( que falava da arquitectura e da vida, relacionando a arquitectura com os usos e as emoções), Pedro Ramalho e Alcino Soutinho (evidenciando o lado mais técnico) e a participação em programas que a escola desenvolvia com o exterior, como o pré-SAAL (programas de habitação Social), que permitia aos alunos o contacto importantíssimo com as pessoas.

È nesta época que conhece o arquitecto Álvaro Siza (que também fazia parte da equipa de arquitectos responsáveis pelo projecto SAAL), com quem começa a colaborar mais tarde. Este arquitecto marcou bastante Souto Moura durante o curso, essencialmente pelo rigor no desenvolvimento do projecto.

A participação nos pós-cursos de seminários em Santiago, e em vários seminários em Espanha, permitiram a Souto Moura, ter contacto e conhecer arquitectos como Aldo Rossi e Venturi (através do arquitecto Álvaro Siza em Barcelona).

A influencia de Mies Van de Rohe

È claramente visível na obra de Souto Moura a influencia da linguagem arquitectónica de Mies van de Rohe, onde a dialéctica é o principio operativo, e que se apresenta sintetizado na célebre expressão “less is more”; onde a simplicidade, origina a busca incessante do aperfeiçoamento da técnica, tornando esta, num dos elementos fundamentais da arquitectura minimalista.

A linguagem arquitectónica de Souto Moura aproxima-se do discurso Miesiano, resultando de grande reflexão; assente na dialéctica e tendo sempre como base a lógica construtiva.

Na obra de Souto Moura predominam as formas simples, os gestos únicos, a presença entre o artificial e o natural e a precisão na materialidade de cada elemento arquitectónico.

Eduardo Souto Moura apesar de seguir a linha do Modernismo, no inicio da sua carreira não acredita, na arquitectura auto-suficiente, dos objectos “imaculados”; “Corbusier dizia que pintava tudo de branco porque gostava muito da cor. Ele tinha uma adesão ao neoplasticismo, mas não exerce uma arquitectura do ponto de vista tridimensional neoplasta, nunca é fragmentada, nunca separa os planos”.

É com a linguagem neoplastica que Souto Moura mais se identifica, a linha recta, abstracta, a cor, textura, uma arquitectura que faça sentir emoções, e rejeita a arquitectura realizada com o objectivo de transmitir uma mensagem, expressionista, a linha curva.

Harvard

Depois de ter já iniciado a sua carreira, realizado várias obras e de ter dado aulas na escola de arquitectura do Porto, surge a oportunidade de fazer uma exposição em Harvard, onde apresentaram projectos vários arquitectos, entre eles Herzog (casa azul) e Souto Moura (mercado de Braga, 1980-1984)uma das obras de mais prestigio.

O autor, desenvolve o projecto, segundo a utilização de dois extensos muros paralelos e uma sucessão de 32 pilares de secção circular, onde assentava uma enorme cobertura plana.

O edifício construído num local caracterizado por uma enorme desorganização urbanística, secciona o território e surpreende através do desenho rigoroso, facilmente apreensivo, e pela associação de materiais de distintas características; o bloco de pedra, e o betão pintado de branco.

O mercado de Braga possui uma grande presença devido à sua peculiar imagem, caracterizada ao mesmo tempo pela dualidade de materiais, realçando a contraposição entre a materialidade dos muros em pedra e a abstracção dos planos brancos, em betão.

Esta dualidade caracterizada pela materialidade e a abstracção, poderá quase que representar paradigmaticamente, a situação da arquitectura Portuguesa do momento, caracterizada pelo apego da tradição e pela vontade de alcançar a modernidade, adiada pelo isolamento de décadas.

Eduardo Souto Moura e Herzog, terminariam em sequência desta exposição por ser convidados a dar aulas na Universidade de Harvard por Rafael Moneo que desempenhava o cargo de director.

Minimalismo Americano

O contacto com Harvard, a cultura americana e a través de Herzog, viria a conhecer o trabalho de Donald Judd e em geral dos minimalistas americanos dos anos 60.

A pesar de ter conhecido o arquitecto / escultor Donald Judd, o contacto entre os dois foi relativamente curto, mas suficiente para que a obra do arquitecto americano e sobretudo a doutrina minimalista por ele desenvolvida pudesse exercer grandes influencias na obra de Souto Moura.

Souto Moura na sua pesquisa de redução linguistica, recorre à escultura minimalista, que durante os anos 70 começa a estabelecer a relação entre objecto e o contexto.

A partir de 1979, depois do ensaio realizado por Rosalind Kraus “ a escultura no campo expandido”, reconhece-se na transformação dos valores ambientais um dos objectivos da escultura contemporânea e a relação entre a expressão artística e a arquitectura, este percurso parte das teorias reducionistas de refundição dos valores estéticos das artes das vanguardas europeias (Malevic), experimentadas e desenvolvidas pelos construtivistas Russos e que seriam traduzidas em arquitectura, nas primeiras obras experimentais (incluindo no teatro, cinema e artes figurativas),sendo a bagagem de conhecimentos que atingirão o mundo artístico americano nas décadas de 40 e 50, através de Mies Van de Rohe, após a sua deslocação para Chicago.

O minimalismo americano, pode-se considerar o herdeiro das experiências e pesquisas das artes figurativas iniciadas na Europa, que foram interrompidas pelo desplotar da segunda grande guerra mundial e renascidas no final dos anos 50, em contraposição aos valores consumistas e sinaléticos do pop, estas novas experiências seriam lentamente assumidas pelos Europeus.

Os trabalhos de explorações do minimalismo americano desenvolvido por Robert Morris, Donald Judd e Sol LeWitt, influenciaram outros artistas como; Beuys, Serra, Pistoletto, Kounellis, Chisto, que desenvolveriam experiências artísticas baseadas em uma nova reflexão sobre as possibilidades de intervir nos espaço arquitectónico. Neste momento o espaço e o local, assume enorme importância (protagonismo) na concepção da obra de arte e consequentemente na arquitectura, assim como nas restantes artes.

Donald Judd, explora a relação entre a arte e a arquitectura, criando situações que poderão resultar desde sua confrontação, oposição, até a perfeita associação. O espaço real constituído pelas três dimensões, deve por de parte o ilusionismo e todas as relações entre objectos que possam produzir ilusões, associando estas ilusões a um máximo de impressões, tornando o objecto produtor de subjectividade. É uma arte que tenta falar ao intelecto e que se refere ao paradigma da razão, libertando-se da subjectividade.

Para Donald Judd a separação entre arte e arquitectura reside essencialmente pela função utilitária, e pela integração plena da arquitectura na sociedade e nas suas convenções, instituições e nas burocracias, enquanto que a arte, pelo contrário se situa na periferia da sociedade, é realizada por indivíduos estranhos, a essas mesmas instituições.

Persistir na coerência entre as distintas disciplinas artísticas, movimentos como; a Bauhaus, De Stijl, os Construtivistas Russos é um espirito que Judd considerou, vivo e normal; a separação e o isolamento são prejudiciais.

A fundação Chinati (Marfa), Texas é a obra mais importante de Donald Judd; trata-se de um espaço concebido para exibir as suas obras e as de seus amigos: Dan Flavin e John Chamberlain - as relações entre arte, mobiliário e arquitectura surgem com mais contundência e as preocupações formais revelam-se globalmente com maior coerência, poderíamos afirmar que os elementos arquitectónicos do edifício e as unidades geométricas das suas esculturas convivem em perfeita simbiose.

O escultor Carl André, demonstra clara vontade de contrariar um dos aspectos que hoje em dia são questionáveis; a proibição de tocar a obra de arte, apelando para a participação do espectador ( utilizador e sensitivo) a aportação do espectador é essencial e crucial, existe o apelo para que a obra de arte seja utilizável e transitável.

A escultura minimalista satura o espaço arquitectónico, convertendo a arquitectura num lugar de percursos, pontos de paragem, circulação, travessia de corpos, que para além de ver e percepcionar, também sentem e escutam.

O minimalismo é a arte do entorno por excelência em que espaço arquitectónico, objecto artístico e espectador conformam um todo global, pretende-se transformar a passividade do espaço em algo vivo.

Manifestações Minimalistas

 

O minimalismo manifesta-se tanto na redução dos elementos de linguagem como na simplificação das formas tanto na busca da transparência e da imaterialidade, como na criação de formas sólidas, opacas.

A fonomenologia minimalista pode-se manifestar em distintas categorias, exploradas por distintos arquitectos.

1 - Minimalismo Pitoresco - Luís Barragan, Ignacio Gardella, Raul Villanueva, Ricardo Legorreta, Carlos Jimenez

Estes autores buscam as figurações locais, exploram as texturas concretas, a contextualização, a subtil atmosfera do lugar, os ritmos geométricos associados e aplicados a abstractos e internacionais esquemas tipológicos. Busca de obras sóbrias, nuas, elegantes, graciosas, mas nunca silenciosas e vazias.

2 - Minimalismo GeométricoABC art de Tony Smith e Donald Judd até Richard Serra, passando por Sol LeWitt

Baseia-se na criação de obras em que se parte de formas geométricas, nelas aparecem diferentes manifestações que buscam expressar o máximo de tensão formal com o mínimo de meios, evitando alusão ou ilusão.

3 – A Ética da repetição

A alma do “less is more”, manifesta-se numa figura retórica, baseada na posição da negação e em uns mecanismos estéticos e éticos que recorrem à repetição.

No terreno da técnica expressiva, nada está mais perto do coração do minimalismo que a repetição do idêntico. A repetição do idêntico, ou seja dos sistemas em série virtualmente ilimitados, elimina a hierarquia.


4 – Precisão Técnica e Materialidade 

O minimalismo precipita-se na materialidade como essência da arte. Não pode existir uma obra minimalista modélica sem a perfeição e simplificação formal que a técnica e os materiais de qualidade possam aportar, sem recorrer a todo o saber da arte de construir.

Convém recordar, Mart Stam ou Hannes Meyer, pertencentes à nova objectividade Holandesa, Alemã e Suiça-Alemã (e mais tarde o exaltado Construtivismo Russo) nas suas obras predomina esta concepção da Arquitectura como pura técnica, precisão mecânica, casta beleza, que emana da materialidade do objecto arquitectónico.

Este valor da materialidade, que chega ao seu culminar com a obra de Mies Van de Rohe (ao final da tradição rigorista e técnica de Lodoli, Semper e Loos e do “principio do revestimento”) renasceu em parte nos reducionistas actuais que enfatizaram a fisicidade; Grassi, António Monestiroli, Francesco Venezia, Álvaro Siza e Souto Moura.

5 – Unidade e Simplicidade

A fotografia americana Straight (ou seja imediata) sobretudo a de Walker Evans, aplica-se preferentemente aos personagens dos exteriores e interiores urbanos, as manifestações espontâneas da vida quotidiana, em situações nas quais a existência se limita ao essencial.

As fotografias “Straight”, como as dos fotógrafos Henri Cartier Bresson, Nigel Henderson, ou Francesc Catalá-Roca, reduzem a uma suave ordem compositiva de lentitude e imobilidade.

Possuem unidade por se centrarem em pessoas da rua, em manifestações espontâneas da vida quotidiana, naquelas situações em que a existência se propõe de forma mínima e básica.

Em certas ocasiões, esta arquitectura da economia e da unidade, tomou como modelo a arquitectura anónima e vernacular pela sua pobreza e unidade, tal como sucedeu no caso de autores como Luís Barragan, António Coderch ou Fernando Távora, dando início a uma arquitectura austera e de rigor compositivo. Em outros casos, o ponto de partida foi um local elementar, um espaço sagrado tal como se expressa nas obras de Tadao Ando que recriam uma arquitectura áulica e mágica.

Esta importância das formas unitárias, simples e coerentes já se tinha expressado na teoria da gestalt, baseada em totalidades preceptivas cujos elementos são indivisíveis e indissociáveis.

6 – Distorção da Escala

A partir do choque dadaísta do objecto encontrado, dos mecanismos da arte minimal, das atitudes gestuais da Land Art, uma parte da arquitectura actual explorou o recurso á mudança de escala, situando o objecto em uma escala estranha, não racional mas auto-suficiente.

Por detrás da obra de Joseph Benys e Donald Judd, encontramos autores como Herzog & De Meuron, por outra parte Max Bill, Aldo Rossi.

A obra de Herzog & De Meuron, baseia-se em formas geométricas e repetitivas que alcançam escalas distorsionadas, respectivamente à escala humana, de forma que a arquitectura predomina pela sua dimensão e pelas suas qualidades estéticas.

A sua presença baseia-se no tamanho e no tratamento perfeito e repetitivo da pele. Neste impacto de grandeza, o minimalismo aproxima-se da estética pré-romântica do sublime.

Não é casual a busca do sublime em Boulée, em realizar cúpulas e abóbadas de formas puras e mínimas. 

7 – Predomínio da forma Estrutural 

Como já expressaram em suas palavras, escritos e obras de Mies Van de Rohe e Louis Kahn, com “less is more”, é possível alcançar uma nova monumentalidade que pode ser definida como uma qualidade espiritual inerente a uma estrutura que transmite, a sensação da sua eternidade, a sensação de que não se pode juntar ou mudar nada.

Com Mies e Kahn, põe-se em jogo a estrutura, entendida não como aparato estético-construtivo, mas como razão oculta e profunda do fenómeno arquitectónico.

Aldo Rossi e Giorgio Grassi, influenciados respectivamente em um primeiro momento, pelo Purismo Suíço e pelo Purismo protoracionalista Alemão e Holandês, insistiram na tipologia como estrutura igual á sua forma. Mais tarde, Aldo Rossi apesar da sua fidelidade ao minimalismo tipológico, correrá à aventura e o risco inerente ao mecanismo da analogia, enquanto que nos projectos de Grassi, assim como de António Monestiroli, o tipologismo tem um desenvolvimento, mais intenso e expressivo.

E se alguns autores se cingem aos limites do absoluto tipológico, outros como Paulo Mendes da Rocha, ou Tadao Ando, procuram a essência do projecto em formas arquetípicas.

Com efeito este rasteio da estrutura oculta e profunda se desenvolve desde a filosofia grega até ao estruturalismo contemporâneo.

8 - Espaço e tempo Minimalista

Um dos conceitos artísticos que mais evolucionou o século xx, ao referirmo-nos à experiência estética, foi a questão espacial.

Os problemas do espaço nas obras de arte se restringiam à oposição entre cheio e vazio, que seria equivalente em falar entre espaço e matéria.

A década de 60, foi um momento de ruptura e do inicio de grandes aportações no terreno das artes plásticas, o discurso da obra de arte deveria ir para além da sua presença física. É neste momento que a arquitectura, começou a converter-se num elemento determinante na hora de definir e inscrever a obra de arte num espaço concreto, assim términos como; contexto, lugar, “In situ” – adquiriram uma importância crucial no vocabulário estético.

A arquitectura, começa a interiorizar a importância do lugar e da sua contextualização, como elementos fundamentais para ajudar a definir o seu vocabulário estético.

Pintura / escultura Arquitectura

Vazio / Cheio Espaço / Matéria

Eduardo Souto Moura – Casa das Artes (1981-1989)

A obra do Arquitecto Eduardo Souto Moura, esta profundamente marcada por duas tradições; primeiro pela escola do Porto e pelos mestres Fernando Távora e Álvaro Siza, que desenvolvem uma arquitectura baseada na reintrepretação da lógica construtiva da arquitectura popular, e na contextualização da obra num local concreto; por outra parte, a influencia de Mies Van de Rohe, seu neoplasticismo e suprematismo; a fragmentação dos planos e os jogos de sobreposições de peles de diversos materiais e cores, assim como a obsessiva ocultação da estrutura.

O tratamento abstracto da parede em pedra e sobretudo na presença crua daquele angulo de parede, na abertura de acesso, mostra-nos o verdadeiro caracter construtivo de Eduardo Souto Moura.

Estas regras organizativas e construtivas aparecem claramente presentes no projecto da Casa das Artes do Porto, resultante de um exercício de reflexão, e de uma lógica compositiva, que pretende definir o programa e a linguagem que mais se adequa ao local.

A Casa das Artes, situada num jardim de uma residência nobre da cidade do Porto, surge de forma camuflada, as características da fachada não permitem uma leitura imediata de um edifício, mas a de um muro de vedação, á semelhança da restante envolvente.

A importância do lugar e a contextualização, são permanentes, o sitio é um pré-texto que desencadeia múltiplas interpretações, é um instrumento e uma reindivicação da criação artística de Souto Moura e confirma também a sua filiação abstracta face ao contexto arquitectónico. Depois de uma leitura e reflexão sobre o local, atendendo à integridade do espaço envolvente, um jardim consolidado e estruturado, não permitia a implantação de um edifício que quebrasse a ideia de um conjunto, as palavras de ordem são as de omitir, esconder, silenciar, camuflar, neutralizar.

A parede de pedra que é dimensionada relativamente à própria qualidade do material, constitui o significado autentico do projecto, é a aceitação do equilíbrio entre os elementos que já existiram no local.

O material escolhido, idêntico ao preexistente e a criação de um novo limite para o jardim, origina o espaço onde se desenvolve o projecto. A obra construída define-se mais pelo que está ausente (espaço resultante), do que pelo que está presente (relação entre muros: paralelismo e perpendicularidade).

O edifício resulta do espaço omitido, originado pela relação entre os muros de pedra que formam este novo limite.

Na obra literária minimalista, Ernest Hemigway fala da consciência do acto da omissão em; “ A Moveable feast” (1946), “ pode-se omitir sempre que se seja consciente da omissão e se a coisa omitida reforça a narrativa da forma de maneira que faz sentir mais além do que está expresso”.

Esta vontade de omitir, é uma característica que vai servir de modelo para vários outros projectos, como por exemplo; o refugio do Gêres (1980-1982), a casa em Baião (1990-1993), na casa de Moledo (1991-1997) e Pousada de Santa Maria do Bouro (1989-1997).

O edifício, contemplado do jardim parece ser o limite do jardim, mas ao aproximarmo-nos, revela que não é um muro de vedação, mas uma sucessão de planos paralelos separados entre si dois metros. Esta separação de planos permite estabelecer discretamente o acesso ao edifício.

O centro de cultura do Porto, é um exemplo de associação entre a técnica tradicional e a técnica inovadora, a través dos contrastes de materiais utilizados, a sua densidade e o seu peso, resultam num conflito entre duas ordens de valores: o natural e o artificial. O contraste entre os muros de pedra e o vidro, são disso um claro exemplo, criando uma ilusão de ainda maior continuidade dos planos, e neutralizando ainda mais a presença do edifício.

O edifício do exterior apenas, permite apreender um piso para que se possa integrar melhor com os muros da envolvente, situando os auditórios em cota inferior ao nível do terreno.

Na fachada exterior assim como as do interior, esta presente o principio do revestimento, que teorizou Semper, defendeu nos seus escritos Adolf Loos e que Mies explorou ao máximo na sua obra.

Na Casa das Artes, verifica-se a sobreposição à pele de pedra, a de ladrilho e à de estuque, a de madeira.

A utilização tão variada de materiais e cores, ajudam a criar grande tensão, criando diversos ambientes internos.

O prolongamento dos materiais do exterior para o interior do edifício, como o granito e o tijolo, torna-se uma necessidade do projecto, com o objectivo de enfatizar ainda mais a ideia de plano continuo.

As diversas peles que constituem o edifício, para além de reforçarem a ideia de plano continuo ajudam na resolução de problemas concretos, os planos de tijolo prolonga-se desde o exterior, pelas paredes do auditório e os profundos encaixes, entre um tijolo e o outro, ajudam a amortecer o som no auditório. O rigor construtivo permite a utilização de variados materiais distintos, sem que estes se misturem, a individualidade é conseguida através da inexistência de transição de materiais num mesmo plano, a mudança de material coincide sempre com a mudança de direcção, de qualquer plano, reforçando a ideia de sobreposições e articulações de distintas peles de variadas texturas e cores.

A utilização do betão azul no paramento, existente no espaço de entrada, ajuda a entender a importância da precisão construtiva na obra de Souto Moura, os desenhos originais apresentavam-no apoiado no piso, mas com uma base que garantia a separação da madeira do plano horizontal, mas uma vez construído, eleva-o com o objectivo de clarificar e evidenciar a independência dos elementos (solo e paramento) e dos respectivos materiais. A cor azul desempenha uma função completamente paradoxal; se por um lado significa a abstracção e independência das superfícies, por outro lado ao dar coloração a um material sempre cinzento, intensifica a sua textura e a sua materialidade.

No projecto da casa das artes, a utilização da pedra e dos planos de betão, não traduz nenhuma intenção regionalista nem a intenção de libertar-se da estrutura, mas demonstram o interesse em jogar com os materiais, em explorar as qualidades tectónicas e tácteis, mas sobretudo de conseguir a máxima representação da matéria.

A articulação dos espaços, está baseada no dinamismo do percurso, as plantas demonstram-no a través dos longos planos que na obra de Souto Moura, estão associados sempre ao espaço de circulação.

O espaço está concebido segundo uma estrutura tripartida; Cinemateca, foyer e auditório, o acesso é realizado através de um volume central, que funciona como foyer e espaço de exposições, trata-se de um espaço de características dinâmicas, onde a presença de sucessivas interrupções dos planos, lhe imprime grande permeabilidade e lhe conferem grande dinamismo. Este espaço central, estabelece o acesso aos dois espaços laterais, auditório e cinemateca.

O paramento de betão azul, permite fragmentar este espaço central, permitindo localizar a biblioteca e o acesso ao piso inferior, prolongamento do espaço de exposições superior e onde se localizam tanto espaços de serviço, como espaços de arquivo e de apoio ao auditório.

Vítor Vieira Fernandes, arq.


Autor: Vitor Fernandes


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