Processos de Lecto-Escrita



Recordo-me que meu processo de leitura começou antes de eu ingressar na escola, quando tinha por volta de cinco anos de idade. Meu pai gerenciava uma fazenda e era meeiro da lavoura de subsistência, a qual era plantada por ele. Todos os finais de semana acordávamos às 2h para a “labuta” na casa de farinha, onde meus pais e outros trabalhadores moíam, torravam e produziam a farinha. Aquele ambiente me envolvia e ali começava meu processo de leitura, a leitura do mundo, construída a partir das conversas daquelas pessoas que trabalhavam felizes, contando “causos” e piadas. Eu aprendia dentro desse contexto além das historinhas fantásticas de personagens folclóricas, todo o processo desde a plantação da mandioca até a fabricação da farinha. Por isso concordo com Paulo Freire quando afirma que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

Meu processo de leitura sempre foi movido por um sentimento de revolta, que me impulsionava a buscar uma mudança de vida.
Sempre fazia questionamentos muito pertinentes, como por exemplo: Por que naquele meu mundo apenas o patrão do meu pai sabia ler e escrever? Por que meus pais eram analfabetos? Meu pai me respondia que só os ricos podiam saber a “leitura”. Isso me deixava atormentada.

Eu conversava bastante com o dono da fazenda, o qual chamarei de “Seu Zé”. Queria compreender como era a cidade, o que tinha nela entre outras coisas. Ele sempre respondia meus questionamentos. Com esse hábito de conversar com Seu Zé fiquei impulsiva, chorava muito e aborrecia meu pai, dizendo que não queria mais morar na roça, pois Seu Zé havia me dito que qualquer criança podia estudar, só bastava ter Sete anos e ter uma escola perto. Eu queria aprender a ler, para ensinar aos outros, já tinha incutido na minha mente o poder de transformação pela leitura, pois segundo meu pai eu sempre dizia que ele tinha de aprender a ler e escrever para ser patrão e não precisar trabalhar tanto.
 
Para minha felicidade meu pai resolveu mudar para a cidade e fomos morar num povoado a 6 km de distância da cidade. Lá viviam meus avós paternos que também eram analfabetos, mas para minha surpresa meus avós maternos foram ser nossos vizinhos e meu avô sabia ler. Pedi meu avô para me ensinar a ler. Ele disse ao meu pai para comprar um “ABC” que ia me ensinar a ler. Eu passava a maior parte do dia lendo e mostrando para meu avô que estava aprendendo a decodificar aquelas letras.

Quando completei sete anos fui matriculada, porém, diferente dos outros alunos eu já havia decorado as letras e ousava ler e escrever pequenas palavras.

O primeiro livro que ganhei foi de Literatura de Cordel: “Cancão de fogo”, o qual li no mesmo dia, `a noite, para todos sentados ao chão. Meu pai e meu avô diziam que era linda a forma como eu lia, parecia que cantava isso devido às rimas do cordel que foi muito importante para o desenvolvimento da minha consciência fonológica e contribuiu para a aquisição de uma leitura fluente.
 
Após a leitura do livro citado acima, meu pai sempre que podia, comprava livrinhos de Literatura de Cordel para eu ler. Lembro-me que lia várias vezes o mesmo livro para meu pai que acabava decorando algumas estrofes.

A cada dia aumentava a minha convicção de que a leitura não era coisa apenas para ricos, que eu era capaz de me transformar e mudar a forma como vivia por meio da leitura e do conhecimento
Eu lia impulsionada por uma motivação intrínseca, que era o desejo de mudança, por isso lia por prazer, viajava nas poucas leituras que fazia, construía imagens e me transportava para o mundo descrito nos livros, por isso concordo com Barthes que fala da leitura como desejo e não como dever, o leitor como sujeito no processo, sendo” O leitor como uma personagem.”
 
Da 2ª a 4ª série estudei com a mesma professora, da qual não gostaria de revelar o nome. Esta foi uma fase bem marcante no meu processo de escrita, pois já estava alfabetizada. Sou canhota e por isso a professora cismou que eu tinha que escrever com a mão direita, para isso, ela argumentava que eu era inteligente e não era justo que eu ficasse com a caligrafia feia. Começava então os castigos para forçar a escrita com a mão direita. Depois de três anos de treinos e castigos, finalmente fui condicionada a escrever com a mão direita. Não escrevo mais com a mão esquerda, mas continuo sendo canhota, pois as outras coisas faço com a esquerda. A professora conseguiu seu objetivo, minha caligrafia ficou legível,bonita,pois eu imitava a sua letra, mas fiquei com problemas de localização espacial, tenho dificuldade para discriminar rapidamente o lado direito do esquerdo. Apesar de tudo já perdoei minha professora, por que ela agiu assim por ignorância, acreditando realmente que estava me ajudando, pois ela me admirava e gostava e ainda gosta muito de mim. Fico feliz, pois ela está se capacitando, cursando Letra. Tenho certeza que não age mais dessa maneira.
 
Lembro-me de uma colega da 4ª série que tinha uma coleção de livros de Literatura Infantil e ficava exibindo-os na sala de aula. Eu ficava com um enorme desejo de ler os livros. Ela dizia que se eu fizesse a tarefa dela, ela me emprestaria os livros, mas me enganava sempre. Terminou o ano letivo e ela não me emprestou os livros. Com isso criei uma repulsa a Literatura Infantil, contos de fada, só li por necessidade quando já era professora e lecionava numa turma de 1ª série. Lembrei-me desse fato ao ler o texto: “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector.

Entrei no mundo da leitura e da escrita e cada dia percebo que esse ainda é o meu mundo.

Por gosta muito de ler escrever fiz graduação em Letras e especialização em Metodologia do Ensino Superior e também em Língua Portuguesa e continuo acreditando no poder de transformação por meio da educação.Como não acreditar se sou um exemplo disso!
Autor: Niuzete Soares Oliveira


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