Brasil E Eua: As Leis (constitucionais) Da Libertinagem



Liberdade é um bem sagrado da humanidade e do restante do Reino Animal, com toda certeza. E eu a defendo até a morte, para todas as espécies, dos homínidas às águas-vivas. E é sabido que todos amam a sua liberdade. As constituições defendem a liberdade como bem máximo dos seres vivos. No entanto, a História e o próprio dia-a-dia nos ensinam que a liberdade deve ter um mínimo de moderação e limites para que possa existir a harmonia, o bem-estar e a integridade das pessoas, dos povos e dos ecossistemas.

Você mesmo não gostaria de frequentar fóruns ou reuniões com liberdade absoluta e descontrolada, sem moderadores e regras, onde haveria liberdade até de se fazer o mal. Você não gostaria de ser ofendido, achincalhado e discriminado nesse fórum ou reunião por ter um pensamento ou comportamento diferente da maioria, mesmo que seja um comportamento que implique em nada mais do que benefícios, prazeres ou problemas a você próprio e mais ninguém. O que acontece nesses hipotéticos lugares é o que chamamos de libertinagem, a liberdade sem um mínimo de moderação e limites.

Eu citei que as constituições defendem a liberdade, não foi? Pois bem, isso é excelente. E vou citar os exemplos que eu conheço: o Brasil e os Estados Unidos. As constituições de ambos defendem a liberdade. Liberdade de expressão e liberdade religiosa são os mais marcantes exemplos da liberdade permitida. Exceto por um detalhe de ambas: defendem a liberdade sem nenhum critério ou limite.

Falo mais especificamente da liberdade religiosa do Brasil e da liberdade de expressão dos EUA. Ou poderia chamar respectivamente de libertinagem religiosa e libertinagem de expressão. Vou dizer por quê.

Diz a Primeira Emenda (First Ammendment) da Constituição Americana: "O congresso não deve fazer leis a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o livre exercício das mesmas; ou diminuir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou sobre o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas". Já a Constituição Brasileira, no artigo 5º, inciso VI, declara que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias".

Analisando a Primeira Emenda, defendida a sangue e vida pelos americanos (e com razão!), vemos a garantia da liberdade de expressão a todos sem exceção e o veto a possíveis projetos de leis que restringissem ou moderassem essa liberdade. Apesar de primar pela sagrada liberdade, a emenda veta qualquer tentativa de estabelecer exceções e moderações na liberdade de expressão. Assim, na interpretação da maioria, até leis proibindo ou restringindo a expressão de ideais racistas, propagadores de ódio ou totalitários - mesmo que estes últimos apresentem-se como uma ameaça à própria liberdade constiucionalmente defendida - serão dadas como inconstitucionais e automaticamente vetadas.

O que temos, a partir daí, são infelizes aberrações e abominações que atentam contra a harmonia dos americanos ou mesmo do mundo, já que o que acontece nos EUA é irradiado quase que automaticamente a todo o planeta. Só para dar os grandes casos mais conhecidos: é o caso da abominável dupla cantora Prussian Blue, daquelas galeguinhas gêmeas neonazistas, e da banda também neonazista Angry Arians. Divulgam o ódio racial aos quatro cantos daquele país... e tem gente que gosta, se identifica com as letras e adere a essas idéias criminosas! E há o perigo de seus ideais expandirem mais, graças ao fato de grande parte da população americana ser de cabeças-ocas que aderem, por exemplo, ao neocriacionismo e ao fanatismo cristão protestante e nem mesmo sabem localizar direito os países nos globos e mapas-múndi, e até de pularem pra fora dos EUA e animarem, por exemplo, aos neonazistas alemães e brasileiros e os filhos/discípulos remanescentes do totalitarismo espalhados no planeta. A liberdade está apregoada e impregnada no coletivo norte-americano e isso impede a assimilação maciça desses ideais de ódio e terror, mas a libertinagem constitucional de expressão pode ameaçar a festa da liberalidade e bem-estar americanos com parte da população de cabeças-ocas incautos aprendendo a odiar e até a agredir e matar os diferentes em nome, por exemplo, da supremacia branca, mesmo que sejam presos por agressão ou homicídio. Ou você pensa que essas corjas têm medo da cadeia? Se tivessem, os Estados Unidos dificilmente seriam o país de maior população carcerária do mundo.

E agora, analiso a libertinagem religiosa brasileira. Quase da mesma forma que a Primeira Emenda americana veta moderações da libertinagem de expressão, qualquer lei estabelecendo limites a comportamentos abusivos de religiosos no Brasil vai ser vetada por inconstitucionalidade. É verdade, no entanto, que temos leis criminalizando o racismo por motivos religiosos, o curandeirismo e os homicídios por sacrifícios humanos - que poderiam ser frequentes caso, por exemplo, a religião asteca clássica fizesse sucesso no Brasil - e estão em tramitação leis que punirão a famosa homofobia cristã, que enraizou triunfantemente na sociedade brasileira. Mas o fato é que ainda vemos muitos absurdos religiosos que ocorrem de forma totalmente impune, como: o charlatanismo em massa, a lavagem de dinheiro, o próprio curandeirismo dirigido às massas (como, por exemplo, a promessa de cura de câncer e Aids em troca da compra de algum objeto "ungido" ou bento), o estelionato desenfreado e descaradamente televisionado e o possível enriquecimento ilícito por parte da Igreja Universal do Reino de Deus e de tantas outras grandes igrejas presididas por bispos quase-fora-da-lei; os sacrifícios animais e a sangria de animais vivos em rituais de algumas religiões pequenas e seitas; o estelionato e charlatanismo de videntes e de muitos médiuns espíritas; e tantos outros crimes cometidos contra a população mais incauta, crédula e desinstruída.

Aí você pensa em me perguntar qual é a solução que eu dou, pelo menos no caso brasileiro, onde eu como parte do povo tenho algum poder. É até difícil dar uma solução sem que ela tenha sido discutida com a sociedade instruída e os políticos de bem (creia, eles existem), mas vou dar meu palpite. Uma sugestão minha é sugerir uma emenda constitucional que "destranque" o Artigo 5º de nossa Carta Magna para que ele permita o estabelecimento de leis moderando as práticas religiosas, estabelecendo que a liberdade de crença continua inviolável mas as manifestações religiosas não podem suplantar os direitos de outras pessoas nem patronizar a prática de crimes com a (falsa) religiosidade dos delinquentes em questão como pano de fundo. Só que aí teremos que enfrentar a forte oposição de muita gente safada e de uma multidão de lacaios fanáticos religiosos.

Quanto à problemática do excesso de liberdade de expressão americana, o jeito é chamar o inestimável Michael Moore, um dos únicos caras da América, ao lado de Richard Dawkins, Morgan Spurlock e outros nomes que devem ser bem lembrados por lá, que mostra estar afim de desmascarar em rede nacional - e mundial - os vícios e podres de sua sociedade e do Estado, para denunciar ao seu país e ao mundo, através de mais um grande filme-documentário - que é mais eficiente que livros pois a grande maioria da população americana prefere assistir filmes a ler livros - ao melhor estilo dele, denunciando os sérios efeitos colaterais da libertinagem de expressão e da não-moderação de idéias abusivas. Ele é o que há em falar dos problemas americanos em bom e engraçado tom. Michael Moore, dá uma mão aí!

Está longe de mim neste artigo defender o controle totalitário dos ideais políticos, religiosos e sociais das pessoas. Mas o que eu desejo, junto com todos aqueles que estão sendo ofendidos e atingidos pelas atitudes e idéias extremistas, odiosas e abusivas de gente que aproveita a liberdade total para cometer abusos, incluindo propagar ideais de fundo criminoso e totalitário, é que haja moderação para conter os abusos que são de alguma forma permitidos e protegidos pelas brechas da liberdade absoluta constitucional de expressão ou de crença. Liberdade é excelente, é um direito inestimável de todo ser vivo. Mesmo que vossas idéias sejam opostas e discordantes da minha, eu defendo vosso direito de tê-las, sou da linha que segue o pensamento de Voltaire: "eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo", mesmo eu manifestando pacificamente minha discordância e refutando suas idéias. Mas saibam que, se suas idéias começarem a me agredir, fazer mal ou ameaçar a liberdade ou o direito, meus e de outras pessoas de bem, de viver em hamonia e bem-estar, gostarei de poder reivindicar moderação e o combate a abusos por parte de autoridade competente. E para isso precisamos defender a consolidação da verdadeira liberdade responsável e o simultâneo conserto das constituições e leis com o fim da libertinagem legal.

P.S: Não confundam moderação com controle e repressão. Não defendo a repressão a idéias políticas que não defendam o ódio, a violência e o terrorismo. A tal moderação na lei americana seria para acabar com a festa neonazista e racista que grassa sob o manto da liberdade de expressão. Liberdadade que se preze também traz responsabilidade.


Autor: Robson Fernando


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