Orientação Crítica Aos Ovolactistas Acomodados



Uma porção significativa das pessoas que se dizem vegetarianas é chamada de "ovolactovegetarianos" – eu prefiro chamar essa categoria de "ovolactistas" (OLs) ou de "semivegetarianos ovolácteos", porque não considero essa classe como adotante do vegetarianismo propriamente válido –, pois ainda consomem leite, laticínios e ovos. A carne foi o único alimento de origem animal que dispensaram. É certo que muitos ovolactistas o são alegando que acabaram de assimilar as idéias éticas do vegetarianismo e não suportariam uma passagem direta e abrupta do onivorismo para o vegetarianismo. No entanto, o que deveria ser apenas uma fase de transição é adotado por muitos em definitivo. Acomodam-se evitando apenas a carne e permanecendo no consumo dos demais derivados animais. Levam-se pela tendência de senso comum de considerar qualquer um que tenha deixado de comer apenas carne como propriamente vegetariano e pela deturpada idéia que basta ser no mínimo OL para que seja reconhecido como alguém que defende os animais. Essas pessoas mal sabem que estão fazendo mais mal do que bem, perpetuando hábitos dependentes da exploração animal, distorcendo a imagem do verdadeiro vegetarianismo, o qual não consome nenhum alimento de origem animal (vegetariano estrito, frugívoro ou crudívoro) e enfraquecendo suas próprias convicções de ética animal.

Não é intenção minha fomentar discórdias ou levantar ataques de rixa entre vegetarianos e ovolactistas, mas sim de expor a necessidade de conscientizar os que pararam no meio do caminho, esclarecendo que a alimentação ovoláctea como caminho permanente não é uma forma válida de defender os animais. Vidas são salvas da morte pelo ovolactista, é fato, uma vez que não come mais carne, mas muitas outras por ele ainda são mantidas na escravidão, no sofrimento e nas dores do tratamento pecuarista não-letal de confinamento. Não parece válido considerá-los, ao menos aos OLs definitivos, vegetarianos pelos animais, uma vez que ainda financiam métodos cruéis de exploração. É de bom grado que diga ser semivegetariano contra a matança dos bichos, em fase de transição ao vegetarianismo verdadeiro, mas não vegetariano consolidado ainda.

Convém considerar que a acomodação é um mal existente em inúmeros âmbitos, não apenas na questão vegetariana. Para dar alguns exemplos: pessoas desempregadas que se acomodam com o se-me-dão para com seus pais nunca conseguirão nada na vida se não deixarem esse comportamento vicioso; uma população acomodada (e alienada), como a brasileira, deixa de lutar pela paz e justiça social de seu país e nunca consegue que seus (vagos) desejos de harmonia e bem-estar social sejam atendidos por um governo demonstrador de inépcia; um bebê que fosse acomodado em engatinhar jamais conseguiria aprender a andar. De um jeito similar, um ovolactista acomodado que pensa em salvar animais jamais será um consumidor alimentar consolidadamente ético, mesmo que as pessoas ao redor o aclamem (equivocadamente) como se já fosse um grande defensor. Ainda estará em dívida, em inegável pendência, com o mundo animal, especialmente com as fêmeas exploradas para fornecerem o leite e os ovos que o alimenta.

Aliás, essa exploração que o semivegetariano ainda financia é algo quase tão terrível quanto a matança dos matadouros. O leite que vem ensacado ou encaixotado e produz laticínios vem não de vacas livres e felizes que passeiam por pastos extensos como as enganadoras propagandas pecuaristas preconizam, mas de fazendas-fábrica (factory farms) dotadas de toda uma série de artifícios bizarros que permite a máxima eficiência na extração de leite. Para produzi-lo, todo mamífero tem que parir, e não é diferente com as vacas. Tanto que, para produzirem tudo aquilo, sofrem muitas inseminações artificiais ao longo de sua vida. Seu filhotes são tomados e aprisionados em gaiolas que lhes impedem muitos movimentos, de modo que são mortos com seus músculos ainda macios para virarem vitela de restaurantes chiques, ou melhor, de luxo fútil. Já suas mães são confinadas em cocheiras nas fazendas-fábrica e alimentadas com ração aditivada com hormônios e medicamentos de modo que produzirão pelo menos cinco vezes mais leite do que dariam em liberdade, e têm suas mamas presas a monstrengos de ordenha mecânica. Vivem em média cinco anos, contra vinte de um bovino livre de exploração. Já os ovos, ou a imensa maioria dos vendidos por supermercados e empresas de agronegócio, vêm de granjas onde as galinhas são aprisionadas em gaiolas cuja área tem o tamanho de um papel ofício e ocasionalmente também são dopadas para produzirem mais ovos. São debicadas, com metade do bico decepado, antes do confinamento e não podem mexer suas asas dentro das jaulinhas. Enfim, uma barbárie com o qual nenhum vegetariano pelos animais deseja atrever-se a contribuir ou compactuar. Para saber mais, visite sites de defensores dos animais, os quais encorajam em sua grande maioria o vegetarianismo completo e o veganismo.

Apesar de toda essa abominação, há, entre várias, duas modalidades de desculpa usadas por acomodados. A primeira explicação dada por muitos que "pararam por aqui" é o argumento da carência de nutrientes. Embora já refutada por nutricionistas vegetarianos, ainda é defendida por quem não quer parar de consumir ovos, leite e derivados a conversa de que os vegetais não provêm proteínas, vitaminas e alguns outros nutrientes (como ferro e ômega 3) em quantidade suficiente para suprir as necessidades nutricionais do corpo humano. A variedade de vegetais muito ricos em nutrientes, com destaque para folhas verdes-escuras, soja – esta que oferece inúmeras opções de alimentos derivados, de leite a queijo, ótimas para quem não esperava ver esses elementos numa dieta realmente vegetariana e bem menos calóricas do que suas contrapartes de origem animal –, lentilha, sementes de linhaça, pão integral e até a velha dupla de arroz e feijão, definitivamente não é pequena. Ainda que a maioria não tenha uma relação ferro/massa ou proteína/massa igual à do leite e dos ovos, deve-se salientar que a relação nutrientes/calorias é muito mais otimizada, uma vez que a maioria dos vegetais é menos calórica que os alimentos ovolácteos. Alimentos sinteticamente fortificados, como leite de soja, e suplementos vitamínicos fornecem uma opção livre de crueldade para vitaminas que merecem mais atenção por não serem tão facilmente encontradas em vegetais, como B12. Vemos então que falta de nutrientes não é mais desculpa para largar o "semi" do semivegetarianismo.

A outra "razão", consideradamente mais fútil, é dizer que não quer abrir mão do universo de sabores providos pelos derivados. Muitos ainda vêem nos prazeres do paladar de guloseimas como chocolates, bolos, sorvetes, laticínios e pizzas um obstáculo ao vegetarianismo. É nesse caso que deve ser perguntado: o que vale mais? A liberdade e dignidade de uma miríade de animais ou os prazeres humanos desse paladar ovolácteo? E outra é que, se você quer continuar saboreando delícias doces, há opções alternativas contendo leite de soja e iogurte de soja (substituto do ovo em bolos). Se preço é um problema neste caso, o aumento da demanda forçará o surgimento da concorrência de marcas e, conseqüentemente, a queda dos preços de guloseimas veganas. É só questão de os semivegetarianos completarem sua mudança ao vegetarianismo.

Assim como encarou e venceu o desafio de transpor o paradigma social onívoro e deixar de comer carne, o ovolactista não pode ignorar que tem uma segunda provação, a de abandonar o restante dos alimentos de origem animal. Caso contrário, estará adotando uma atitude negativa de que nenhum amante e defensor legítimo dos animais deve se impregnar: a da acomodação, inimiga fidagal da evolução humana e da luta por direitos. Se lutamos pela vida de uns, devemos zelar também pela dignidade e liberdade de outros e dos mesmos, e para isso devemos assimilar a idéia de que ovolactismo é apenas uma transição necessária para algumas pessoas com dificuldades de mudança direta, mas nunca uma fase permanente, e não aceitar que as pessoas parem em tal estágio como se já tivessem feito muito – quando na verdade fizeram algo sim, mas ainda estão longe de ter feito tudo. Se vê que é errado matar animais, não faz sentido ignorar ou empurrar com a barriga o fato de que também o seja financiar o maltrato e exploração dos mesmos.

E dou uma recomendação final: vegetarianos e veganos não devem encarar os ovolactistas acomodados com aversão ou atitude do tipo "seu idiota, você está errado", mas sim com conscientização, esclarecimento e orientação como o que este artigo provém.


Autor: Robson Fernando


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