Estrutura Gramatical e Teorias Sintáticas (Por Tathiany Pereira de Andrade)



LOBATO, Lúcia Maria Pinheiro. Estrutura Gramatical e Teorias Sintáticas. In: _______. Sintaxe gerativa do português: da teoria padrão à teoria da regência e ligação. Belo Horizonte : Vigília, 1986, p. 70 - 97

Maria Lúcia Pinheiro Lobato foi considerada como um dos mais importantes esteios do desenvolvimento da Lingüística no Brasil. Gerativista convicta, formou várias gerações de pesquisadores nesse paradigma. Doutora pela Universidade de Paris, professora e pesquisadora de Lingüística da Universidade de Brasília, Lobato foi autora também de Semântica na Lingüística Moderna e Léxico, bem como de outros livros e artigos. Faleceu em Brasília, no dia 30 de Novembro de 2005[1].

O capítulo II da obra Sintaxe gerativa do português: da teoria padrão à teoria da regência e ligação é dividido em duas partes, sendo que, na primeira parte, Lobato expõe algumas acepções de gramática, dentre as quais, três já haviam sido empregadas na obra anteriormente. São elas: gramática como conhecimento internalizado, como conhecimento lingüístico inato e como teoria construída. Entretanto, salienta que empregará no capítulo dois duas outras acepções: uma que se opõe a léxico e outra que difere da fonética, da fonologia e da semântica. Quanto à primeira destas, a autora afirma que a divisão dos funcionamentos lingüísticos em dois campos diferentes tem sido uma constante há longos tempos. Assim, têm-se o manual de gramática e o dicionário como os inventários descritivos de gramática e léxico, sendo que "o que é geral e regular na língua integra a gramática, e o que é particular e irregular integra o léxico". (p. 71). Entretanto, visto que o léxico tanto faz parte da gramática quanto da semântica e os vocábulos funcionam tanto na zona gramatical quanto não-gramatical, essa divisão muitas vezes acaba tornando-se irreal. Após definir lexema e forma vocabular, Lobato afirma que a gramática tradicional usava a distinção entre tais termos para estabelecer a oposição entre sintaxe e flexão.

"Na gramática tradicional, a sintaxe se ocupava da colocação das palavras umas em relação às outras, e se opunha à flexão, que se ocupava da variação das formas das palavras. A composição e a derivação eram consideradas á parte". (pp. 73)

Nesta perspectiva, a palavra era a unidade significativa mínima, como afirmava Dionísio da Trácia, gramático grego do século II a.C. Isso se dava porque, para ele, só era palavra o que tinha referente extralingüístico. Foi só com o estruturalismo americano que o morfema passou a ser considerado como unidade mínima significativa. A morfologia (que abrangia flexão, derivação e composição) trataria das classes paradigmáticas e a sintaxe cuidaria das classes sintagmáticas. Mas como há uma estreita relação entre sintaxe e morfologia, o estruturalismo não estabelece oposição entre elas, em vez disso, enfatiza o seu relacionamento, criando a morfossintaxe. Esta, o estruturalismo opõe a léxico, fundamentando-se na dicotomia sistema aberto (conjunto infinito de elementos que pode ser aumentado) e sistema fechado (conjunto finito que não permite novos elementos). Gramatical é o sistema fechado e não-gramatical é o sistema aberto. Após fazer algumas reservas quanto a essa distinção, Lobato salienta que com o gerativismo, embora a oposição sistema aberto/sistema fechado não tenha sido invalidada, passou a ter menos significância na caracterização do que era gramatical ou lexical. Fato que se deve ao caráter algébrico da gramática gerativa, que exige um vocábulo finito. Outra mudança resultante do gerativismo foi o fim da oposição entre morfologia e sintaxe. Esta se encarregaria dos fatos lingüísticos, inclusive os morfológicos, e a fonologia se ocuparia da fonêmica e da morfofonologia. Na versão de 1965, o gerativismo trata a morfologia flexional no âmbito da sintaxe e a morfologia derivacional no âmbito do léxico. Com a publicação de Aspects, a semântica vai ser integrada à gramática chomskiana. Lobato conclui a primeira parte do capítulo salientando que não há níveis estanques de análise, já que os fatos lingüísticos são contínuos.

Na segunda parte, Lobato resume algumas das teorias sintáticas que mais influenciaram no desenvolvimento da pesquisa lingüística. Ao falar da gramática tradicional, cita os antigos gregos do século V a.C., quando os estudos lingüísticos faziam parte da filosofia. Platão começa questionando se a linguagem é natural ou convencional. Tanto Aristóteles quanto os estóicos continuaram seus estudos lingüísticos com base filosófica e lógica. Foi só com os alexandrinos que os estudos lingüísticos passaram a fazer parte dos estudos literários. Nesta época, foram escritos compêndios gramaticais que visavam proteger o grego clássico de corrupções e fazer as pessoas entenderem os textos literários arcaicos. Os estudo fonéticos explicavam fenômenos com base na escrita, aliás, para eles, a gramática era a "arte de escrever bem". O estudo etimológico, no qual relacionavam-se palavras com um ponto semântico em comum, não se desenvolveu. A análise gramatical grega baseava-se na palavra. Platão fez a classificação de nome e verbo. Protágoras distinguiu os gêneros. Aristóteles acrescentou as conjunções à classificação de Platão. Os estóicos acrescentaram o artigo. Dionísio da Trácia descreve oito partes do discurso: substantivo, verbo, particípio, artigo, pronome, preposição, advérbio e conjunção. A sintaxe estava ausente e sua gramática tinha um fim pedagógico. Já Apolônio Díscolo (séc. II a.C.) chegou a fazer um estudo sintático.

Quanto aos romanos, seus estudos seguiram o modelo grego. Destaca-se Varrão (séc. I a.C.) para quem o estudo da língua comportava etimologia, variação do som das palavras e sintaxe. Foi ele quem diferenciou flexão de derivação. Mas foram as gramáticas de Donato (séc. IV d.C.) e de Prisciano (séc. VI d.C.) que influenciaram as épocas posteriores. Na Idade Média, sob influência aristotélica, passa-se a estudar a língua cientificamente, portanto, de forma universal. Suas gramáticas, chamadas especulativas, viam a língua como um meio de analisar a realidade. Assim, privilegiavam o estudo da significação. Da Renascença ao século XVIII houve influência da gramática greco-latina, foram feitos estudos histórico-comparativos com o fim de inventar uma língua filosófica, universal e geral. Havia interesse por novas línguas. No século XIX, a partir de estudos históricos, os teóricos queriam descobrir a origem das línguas. Buscavam assim estabelecer a gramática universal, comparando as palavras de várias línguas. Essa gramática comparada teve seus métodos e princípios mais sistematicamente formulados pelos neogramáticos, com suas leis fonéticas.

Após os estudos comparativistas, surge no século XX o estruturalismo, corrente lingüística que teve sua base estabelecida por Saussure. Essa corrente ia de encontro ao atomismo característico dos estudos comparativistas, relacionava elementos de uma mesma língua. Além disso, deixou de priorizar o estudo diacrônico da língua, valorizando o estudo sincrônico; viu a língua como um fato social; sua posição era mentalista, o signo lingüístico estava armazenado na memória e, portanto, era uma entidade psicológica.; definiu as relações paradigmáticas e sintagmáticas; deu mais primazia à fala do que à escrita; teve um caráter descritivo, não normativo. Várias escolas estruturalistas surgiram, dando continuidade às idéias saussurianas. Destaca-se, dentre elas, o descritivismo americano, de Bloomfield. Suas principais características são: adoção dos princípios behaviorista e empirista, explicação dos atos lingüísticos como resposta a um estímulo e do processo de aquisição da língua como um processo de imitação e memorização, análise lingüística em constituintes imediatos, caráter taxionômico.

Em reação ao descritivismo americano, surge o gerativismo, de Noam Chomsky. Com uma tendência racionalista, ele dizia que a criança, dotada de princípios estruturais e abstratos, já nasce programada para aprender uma língua. Seu estudo é teórico, capaz de explicar fatos realizados e prever fatos novos. Chomsky se interessa pelas características universais, as quais são um componente da mente humana. Ele acrescenta a noção de transformação gramaticalà análise de estrutura em constituinte. O objeto de estudo da lingüística gerativa é duplo, envolve tanto a faculdade de linguagem, quanto a gramática específica das línguas.

Assim, Lobato nos faz compreender as dificuldades resultantes da separação entre os diversos campos de análise lingüística. Além disso, consegue fazer uma introdução coerente e informativa a respeito dos estudos da língua, através de um interessante passeio pelas teorias sintáticas. Por meio de uma clara distinção entre descritivismo americano e gerativismo, a autora contribui para que estes termos se tornem mais concretos, especialmente para aqueles que estão iniciando-se agora numa pesquisa lingüística mais aprofundada.



Autor: Tathiany Pereira de Andrade


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