O Direito de Recusa do Suposto Pai



José Antônio Souza Filho

Antes das inovações no âmbito do direito de família, as crianças que nasciam e não eram reconhecidas por seus pais, não tinha muita chance de conhecê-los, muito menos tinham uma maior proteção por parte do Estado. O seu direito de conhecer a sua identidade genética era completamente tolhido, uma vez que era prática usual dos pais fazerem seus filhos e "sumirem no mundo".

O processo de investigação de paternidade tem sido um aliado para aqueles que desejam conhecer sua origem genética. A investigação de paternidade, através do exame de DNA, é uma das formas de reconhecimento de paternidade. Além da investigação de paternidade, existe ainda o critério da presunção legal e o critério afetivo.

Ocorre que, no caso da investigação de paternidade, a jurisprudência tem entendido que a recusa pelo "suposto pai" significa uma presunção de que aquele indivíduo é o pai. Como este não pode ser obrigado, a lei aplica uma espécie de punição para o indivíduo que se recusa a fazer tal exame.

Aqueles que defendem o direito de recusa baseiam sua argumentação nos direitos da inexigibilidade de alguém produzir prova contra si mesmo (decorrente do direito ao silêncio), da intimidade e da inviolabilidade do próprio corpo.

Entretanto tais princípios entram em confronto com outros princípios relativos aos filhos. Princípios como o direito do indivíduo de reconhecer sua identidade genética, o princípio da paternidade responsável, o princípio do melhor interesse do filho, servem de fundamento para embasar o direito do filho de contestar a identificação do seu genitor.

Percebe-se aí, a existência de uma situação confronto de princípios, em que deve haver a ponderação dos mesmos, para se obter a melhor solução para todos. Importante ressaltar que, ao se confrontar princípios, aqueles de devem prevalecer são os de maior relevância para a sociedade em geral, ou seja, que melhor atenda ao interesse público, ao interesse coletivo.

Há ainda um outro tipo de conflito que, só faz reforçar a idéia de que o princípio da identidade genética e os outros princípios que dão embasamento ao direito do filho, deverão prevalecer. O confronto do qual me refiro é um conflito legítimo entre o interesse individual do suposto pai, que alega a vontade de resguardar sua intimidade, inviolabilidade corporal e o seu direito de não produzir provas contra si, e o interesse da sociedade que converge com o interesse do filho, o qual incide da apuração da verdade.

Insta salientar que o entendimento jurídico pátrio, tem se inclinado para a interpretação segundo a qual esse direito de reconhecer a origem genética se sobrepõe àqueles outros invocados pela parte contrária na tentativa de se livrar da realização do exame de DNA.

Esse é o atual entendimento da jurisprudência pátria, conforme julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, in verbis:

Classe do Processo: APELAÇÃO CÍVEL 20000910061593APC DF

Registro do Acordão Número: 161264

Data de Julgamento: 01/07/2002

Órgão Julgador: 1ª Turma Cível

Relator: JAIR SOARES

Publicação no DJU: 09/10/2002 Pág.:42

Ementa: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRECLUSÃO. PROVAS. ALIMENTOS. MONTANTE.

(...)

3 - A RECUSA INJUSTIFICADA DO SUPOSTO PAI EM SE SUBMETER A EXAME DE DNA FIRMA A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE, MÁXIME SE É CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS E ELE, NA CONTESTAÇÃO, ADMITIU O RELACIONAMENTO AMOROSO QUE MANTEVE COM A MÃE DA AUTORA.

Esse é, inclusive, o entendimento de outros tribunais superiores, tais como o Superior Tribunal de Justiça, a este cabe decidir, em última instância, sobre interpretação de legislação federal e dispõe, em um de seus julgados, o seguinte:

ACÓRDÃO:RESP 256161/DF ; RECURSO ESPECIAL 2000/0039455-6

T3 - TERCEIRA TURMA

DJ DATA:18/02/2002 PG:00411 RSTJ VOL.:00153 PG:00252

EMENTA:Recurso especial. Processual civil e civil. Recurso especial. Fundamentação deficiente. Divergência jurisprudencial. Investigação de paternidade. Exame de DNA. Réu. Recusa. Presunção de paternidade.

(...)

Assim, diante do princípio da garantia da paternidade responsável, revela-se imprescindível, no caso, a realização do exame de DNA, sendo que a recusa do réu de submeter-se a tal exame gera a presunção da paternidade.

Ao se recusar em colaborar com a realização do exame de DNA, fica evidente o desinteresse, o descompromisso e a falta de responsabilidade que o indivíduo possui, uma vez que estará diante de uma situação que poderá mudar a sua vida, ao existir uma possibilidade de estar diante de um filho seu.

Entendo que a recusa é mais uma forma de justificativa para que o suposto pai tente fugir da situação, sendo a presunção de paternidade um meio de proteger o filho desse descaso por parte do suposto genitor.

Se o indivíduo entende que realmente não é o pai, não haveria motivo para tal recusa. Simplesmente faria o exame e provaria que estaria certo. Agindo de forma a recusar a realização de tal exame, só demonstra a grande possibilidade de ser o verdadeiro pai e, é nessa esteira de pensamento que tem lugar a presunção de paternidade.

Entretanto, pelo fato de ser uma presunção relativa, o indivíduo poderá provar que não é o verdadeiro pai, contudo, a única forma de se provar isso, é a realização do exame, o que só prolongaria ainda mais o processo de identificação da paternidade.

Então, porque não colaborar com o desfecho da resolução dessa situação? Seria porque poderia existir um desafeto entre o suposto pai e a genitora, ou mesmo uma situação de rejeição que poderia existir entre o indivíduo e o filho? Existe também, a hipótese de que o indivíduo não se prestaria a fazer o exame, para não enfrentar algum tipo de problema na sua atual relação, dando indícios de uma possível traição.

Afinal, se o indivíduo realmente está inserido em algum tipo de situação exposta acima, deve arcar com o ônus de assumi-la e não sacrificar um direito consagrado de quem não teve culpa pelas suas ações.

O filho não pode, nem deve assumir o encargo daquele que o gerou, uma vez que não teve sequer a chance de interferir no fato que deu origem a tal situação. Assim, não é justo que o filho assuma um encargo dessa proporção, devendo ter o seu direito resguardado e protegido pelo próprio Estado e pela sociedade em geral.

Bibliografia

FILHO, Fernando Simas. A Prova na Investigação de Paternidade. Curitiba, 5ª Edição: Juruá Editora, 1996.

QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade : aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Doutrina e Jurisprudência. Págs. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da Silva. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. Vol. 1. São Paulo, 5ª Edição: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 5. São Paulo: Editora Atlas, 2001.


Autor: jose antonio


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