O Arremate



E viveram felizes para sempre. Um casal tão perfeito, que se amam para toda a eternidade. E nesta ultra vida não encontram nenhum antagonista fissurado na donzela, nem nenhuma bela princesa que fosse na realidade uma bruxa com feições prestidigitadoras e com um impetuoso encanto aleivoso. E saiba que esta suntuosa e fascinante dama nascera sob o discernimento da Senhora, Dama do Lago. No entanto, o príncipe encantado crescera e se frutificara num pomposo castelo, o único da sua espécie, raramente confortável e inacessível para aqueles malignos invasores, os cavaleiros das profundezas da amplidão inexplorável.

Nunca se negou a velha influência dos deuses na cultura nivelar de suas terras. Nunca se produziu tanto em toda a história da humanidade. Não há fadas, duendes (espectros andantes), anões ou qualquer desses seres; contudo hão de haver feiticeiras afáveis e magnânimas.

E viveram felizes para toda a eternidade. Não têm eles doenças findáveis ou malignas. Não altercam. Seus filhos são soldados da vida e vivem felizes, sem o clímax inevitável, sem as desventuras em série, porque não os denotam os autores, não os consideram seres vivos; por isso não têm importância para a narrativa, para este arremate.

Os antagonistas que sobreviveram se tornaram bondosos e amorosos para com os nossos personagens fundamentais. E este autor obtuso não é mais aquele narrador neutro, aquele ser indesejável, assim como não se sabe como prossegue a narrativa desse remate.

E viveram felizes para sempre. Não há mais nenhum acontecimento a ponderar-se. Este narrador obtuso se encontra fatigado, enfadado, consumado. Não queria que a sua narrativa se exaurisse, não almejara ser tão infeliz. E ele chora, ele lagrima e pede ao Senhor dos Firmamentos aquiescência. Ele ri, e sua temperança se esgota. Ele está psicótico, insano, alienado. Até que algo ocorre: estando todos estes seres reunidos no Castelo, chega mais uma vez o fiapo da dúvida da eternidade. Ele se coloca como narrador onisciente e declara em algumas páginas o sofrimento daquela imortalidade. Afinal, não foram felizes para sempre?

O caso intrigou o narrador-observador: como o enredo fora se complicar tanto?

A Senhora Eternidade fez-se condessa num hábito negro. Era corada, de olhos cândidos, fascinantes. Chegou com uma vara de condão, enunciando palavras fúnebres e ameaçadoras. O rei fez-se desentendido, sentindo uma brisa a tocá-lo aos ombros, tornando-se e volvendo ao altar. A rainha, o amor a si cabe, observou o consorte com os lábios adocicados e flamejantes. Uma lágrima declinava dos olhos meigos da senhora, que se carpiu ao arremate. A Majestade viu-se entre uma trombeta ululante. Abraçara a Rainha com muito afeto, secando-lhe as lágrimas. Carpiu-se, entretanto, a Majestade, que se abatera sobre o chão num frêmito desgastante. A Senhora ajoelhara-se sobre o piso bruto e declamara palavras latentes de apelo e sofreguidão.

O narrador obtuso sorriu como um demente, narrando palavras funestas e declarando coisas críveis, contudo não deixando de renegar a sua obtusidade. Era o mentecapto do enredo são. Não poderia abandonar a sua narrativa enunciando um arremate como este, encetando um era uma vez. Por isso, sorrira, sorrira para que todas as palavras voltassem contra ele e ele lhas consumisse dotado de sumo atilamento. Mas não podes, não é? Não és este tipo de narrador, meu caro. Não és um psicótico, um doidivanas. Então morra como um herói, o herói dos contos de fadas, preso a um arremate insano, cruel, mas excitante. Excitante, meu caro!

Toma-te de um pincel, registre aquele remate, as palavras derradeiras. Vá, senhor, registre o epílogo! Vamos! Logo! Declare-as. Rápido!

Já se foi, meu caro. Agora deves exceder.

É, meu amigo, acabara! E todos viveram felizes para sempre.


Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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