A Alienação do Resultado



Para Angela

Dias atrás tive a oportunidade de contar uma piada para uma amiga. Além do momento de lazer e bom humor, a pequena estória trouxe à luz uma visão sobre a atual alienação que a nossa sociedade vive. Não sem motivo a piada trata de loucos e se desenvolve dentro de um manicômio.

Nos dias que correm, a obsessão pelos resultados levou o mundo a um verdadeiro caos. Tudo é medido e valorizado de acordo com sua efetividade e, claro, sua utilidade lucrativa. Os governos dão primazia à propaganda e às obras pomposas, em vez de priorizar os verdadeiros anelos do povo. A economia já não trata de administrar melhor os bens disponíveis para cobrir as necessidades da vida humana, senão dos melhores meios de obter lucros por meio da especulação financeira. As famílias tornaram-se espaços de competição e conflito, as mães querem ser mais novas que as filhas, os jovens querem ser sem pertencer, e os pais não querem saber de responsabilidade e compromisso.

A referida piada dizia:

Três loucos são submetidos a umas provas para comprovar se já estão em condições de sair do manicômio.

"Vamos ver, Estásio, quanto é seis vezes seis?"

_"Fevereiro".

"Caramba, anda, volta pro manicômio! Vejamos, Hermínio, seis vezes seis?"

_"Mil".

"Outro igual, anda volta pro hospício! Vamos ver, Jerônimo, seis vezes seis?"

_ "Trinta e seis".

"Meu Pai! Como chegaste a essa conclusão?"

_ "Muito fácil, multipliquei fevereiro por mil".

Engraçada, não é verdade? Ou triste talvez? Depende de qual lado vejamos a estória. Como tudo, o lado escolhido, ou forçado, determinará nossa valorização e interpretação dos fatos. Não esqueçamos que a estória é uma piada, sua finalidade é fazer rir. Mas também é um reflexo da sociedade e da cultura que a acham risível.

Em primeiro lugar os loucos são considerados tais por não se adaptarem à "normalidade" da comunidade da qual fazem parte. Estranhamente, no conto, essa anormalidade se nota na incapacidade de realizar operações matemáticas. Se a pessoa não for hábil com os "números" ela é anormal e incapaz de viver no ambiente dominado por eles. A pergunta, direcionada matematicamente, dá a entender que quem não tem capacidade de respondê-la está automaticamente excluído da sociedade dita normal. O domínio opressivo que o "número" a "técnica" e o "poder" tem sobre a nossa cultura e sociedade é sintomático de uma alienação radical.

O segundo sintoma da alienação é a excitação produzida pelo resultado. Se o indivíduo consegue atingir a efetividade não importa o caminho, ele está fora do "manicômio". Porém, estar "fora do manicômio" não se tornou "pular para dentro da loucura"? A alienação que sofremos é o fruto podre da busca de resultados a qualquer custo.

É verdade, na piada, o psiquiatra pede um critério de comprovação do resultado obtido. Se observarmos bem, a confirmação se deve unicamente à procura do efeito e não à discussão ou impugnação do resultado. Podemos inferir que o "louco" que falou a resposta certa foi liberado.

Todos os dias, nós vemos exemplificado esse princípio do resultado. Na política, nos negócios, na tecnologia e, infelizmente, nas relações pessoais. O mito do herói revive diariamente na pessoa de cada "bem-sucedido". Já não importa a qualidade humana ou moral do indivíduo, o que interessa é que ele atinja os objetivos. Se, para consegui-los, deve passar por cima dos outros, isso também não interessa. O mundo é dos "número um".

Esta cultura em que vivemos, que valoriza o eficiente, o rico, e o poderoso, e despreza os poetas e loucos que se negam a submeter-se à sua lógica da devastação e o esvaziamento de sentido, não pode sustentar por mais tempo a vida humana. Precisamos de uma revolução de pensamento, onde "seis vezes seis" possa ser "fevereiro". Porque se continuarmos no caminho em que "fevereiro vezes mil" é igual a "trinta e seis", só teremos pela frente a verdadeira, total e absoluta loucura.


Autor: Andrés Ayala


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