O Nascituro Sujeito de Direitos



1 Introdução

Os direitos da personalidade são direitos que ganharam notoriedade e maior importância com o advento da Constituição Federal de 1988. Tais direitos foram elevados a um alto grau de importância devido ao reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana como valor fundamental e supremo.

O ordenamento jurídico brasileiro determina que a personalidade civil é atribuída a partir do nascimento com vida, entretanto, assegura os direitos do nascituro.

Acontece que existe uma grande nebulosidade a respeito do momento inicial da vida humana. A grande questão está em decidir a partir de que momento o indivíduo poderá ser agraciado com os direitos da personalidade e se o nascituro poderia ser encaixado nesse rol.

Assim, restringe-se ao nascituro uma gama de direitos, tais como os direitos da personalidade, que, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, que adota a teoria natalista, não lhes devem ser conferidos os direitos da personalidade, uma vez que o nascituro não é reconhecido como sujeito de direitos.

Diante de tantas discussões acerca da questão apresentada, surgem teorias que defendem lados opostos. A teoria natalista, já mencionada acima, e a teoria da personalidade condicional reconhecem direitos ao indivíduo que nasce com vida, não incluindo, portanto o nascituro. Essas duas teorias possuem algumas peculiaridades que as diferenciam, mas nenhuma delas reconhece o nascituro como sujeito de direitos.

Ao contrário dessas duas teorias mencionadas, existe a teoria concepcionista que entende que os direitos da personalidade devem ser conferidos desde o momento da concepção e, portanto, assevera que o nascituro é um sujeito de direitos sim e que, como tal devem lhes ser conferidos também, os direitos da personalidade.

A partir de tantas dúvidas e questionamentos, surge uma problemática, a qual este presente trabalho irá se empenhar em tratar. A problemática que surge é: De que maneira, poderão ser conferidos os direitos da personalidade ao nascituro?

Os direitos da personalidade poderão ser conferidos ao nascituro com a adoção, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, da teoria concepcionista que reconhece o nascituro como sujeito de direitos, conferindo-lhe a atribuição de personalidade civil.

Entretanto, o direito brasileiro demonstra-se bastante resistente para a teoria concepcionista, retratando uma posição conservadora e egoísta, ao continuar adotando a teoria natalista.

Este trabalho tem o intuito de demonstrar que o nascituro é um ser humano e, como tal, deve ser reconhecido como sujeito de direitos, devendo possuir tantos direitos quantos sejam concedidos pelos direitos da personalidade.

O presente trabalho está dividido em três capítulos, sendo que o primeiro irá tratar da personalidade civil, seu surgimento, um breve histórico, as condições do nascituro e o conceito de sujeito de direitos. O segundo capítulo irá expor os direitos do nascituro, abordando o seu conceito, questões como o aborto, a proteção que lhe é dada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos que já são conferidos aos nascituros, tais como a legitimidade ativa nas ações de alimentos e investigatórias de paternidade, bem como trazer algumas posições e jurisprudências favoráveis.

Por fim, o terceiro e último capítulo irá defender a posição de que o ordenamento jurídico brasileiro deve adotar a teoria concepcionista, em que deverá ser atribuída ao nascituro a condição de sujeito de direito.

O objetivo deste trabalho é demonstrar que o nascituro é um ser humano como qualquer outro e, em decorrência disso, deve sofrer proteção plena por parte da sociedade e do Estado e que, sendo que está devidamente comprovado, no mundo científico, que o nascituro é passível de sentir emoções como um ser humano normal.

2O SURGIMENTO DA PERSONALIDADE CIVIL

2.1BREVE HISTÓRICO

A teoria sobre os direitos da personalidade surgiu no século XIX. A proteção à pessoa passou a ser traçada nas antigas civilizações. Em Roma, aspectos característicos dessa proteção demonstravam-se evidentes com a denominada actio iniuriarium, que era concedida àqueles que eram vítimas de crimes como a difamação, a injúria e a violação de domicílio.[1]

Ao logo da história, muitos foram os acontecimentos que já retratavam o surgimento dos direitos da personalidade, tal como aconteceu na Revolução Francesa que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948.

Nas palavras de Francisco Amaral, "os direitos da personalidade surgiram nos citados textos fundamentais como direitos naturais ou direitos inatos, que denominavam inicialmente de direitos humanos assim compreendidos os direitos inerentes ao homem". [2]

No Brasil, esses direitos já demonstravam sua evidência, principalmente com as cartas magnas de 1934 e 1946, muito embora, o código civil de 1916, não fizesse qualquer referência aos direitos da personalidade.

Finalmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, os direitos da personalidade foram amplamente previstos e tratados de forma especial, sendo tutelados e sancionados, uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana foi adotado como princípio fundamental. Assim, foram elevados a um patamar mais elevado na sua importância, tal como previsto no art. 5.o, X da Carta Magna, in literis:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Diferentemente do que ocorreu com o código civil de 1916, o Código Civil Brasileiro de 2002, em consonância com os valores e princípios consagrados pela Carta Suprema e, diante dos novos paradigmas que surgiam a partir das novas relações sociais, passou a tratar os direitos da personalidade em um capítulo especial.

Para Gustavo Tepedino, os artigos previstos no capítulo especial dos direitos da personalidade referem-se a "normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas."[3]

2.2O ATRIBUTO DA PERSONALIDADE

Necessário se fazdefinir juridicamente o termo "pessoa". Alguns autores[4] o definem em três classes: a) a vulgar; b) a filosófica; c) a jurídica, e é esta que nos interessa para uma curada análise técnica.

Desde a doutrina tradicional, até aos dias atuais, é juridicamente considerada "pessoa" todo aquele ente, natural ou jurídico, suscetível a adquirir direitos e obrigações.

A Constituição Federal prevê a proteção à pessoa natural como um direito fundamental, em seu art. 5º, caput, assegurando o direito à vida, liberdade, segurança, dentre outros. Assim, o texto constitucional confere a toda pessoa natural, o direito de conviver pacificamente em sociedade, de forma a respeitar o próximo e ser respeitado.

Ao conferir tais direitos aos indivíduos, podemos dizer que lhe é atribuída personalidade civil para ser e agir na sociedade.

A personalidade é o atributo fundamental e necessário para que possa haver a identificação do indivíduo como sujeito de direitos ao se estabelecer vínculos de caráter obrigacional em uma relação jurídica.

Porém, para o indivíduo exercer plenamente a sua personalidade, deverá ter um outro atributo, qual seja a capacidade para praticar atos da vida civil, o que não poderá ser atribuída a todos, tendo em vista haver uma relação de requisitos a serem atendidos.

O direito brasileiro dispõe que nem todo indivíduo com personalidade civil terá capacidade para praticar todos os atos da vida civil. Para isso, o Código Civil prevê a existência de alguns requisitos para conceder-lhe capacidade.

Nesse contexto, na esfera civil, se classifica a personalidade jurídica como sendo a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações. Conforme dispõe o art. 1º do Código Civil, in verbis: "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil".

Assim, toda pessoa, seja natural[5] ou física, é sujeito de direito, ou seja, tem personalidade jurídica. Odireito personalíssimo ou patrimonial, entretanto, pode não ser desempenhado pessoalmente pelo seu titular, surgindo, desse modo, a capacidade de fato ou de exercício.

Os atos da vida civil, em regra, são exercidos por maiores de 21 anos, portanto, dentro do ordenamento brasileiro existem os indivíduos relativamente ou absolutamente incapazes, e essa incapacidade é suprida através dos institutos protetivos da representação e da assistência[6].

Ressalta-se que o nascituro, no ordenamento jurídico civil, é considerado incapaz, obviamente sendo representado pela sua genitora, ou caso esta não puder, por um curador.

O Código Civil Brasileiro prevê o surgimento da personalidade civil a partir do nascimento com vida, incluindo no rol de indivíduos que possuem esse direito, o nascituro, conforme dispõe em seu art. 2º, in verbis: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

Os direitos da personalidade ganharam mais expressão com o código civil vigente, sendo-lhe reservado um capítulo próprio.

O fato de os direitos da personalidade ter uma estrita ligação com a pessoa humana, justifica possuírem as características de serem: a) inatos ou originários, pois são adquiridos com o nascimento; b) vitalícios, perenes ou perpétuos, por perdurarem até o fim da vida. Entretanto existe uma proteção desses direitos, mesmo após a morte da pessoa, além de serem imprescritíveis; c) inalienáveis, a princípio, estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato; d) absolutos, pois são opostos erga omnes. [7]

Percebe-se que o direito, felizmente, tem se voltado para atender as necessidades mais particulares dos indivíduos, colocando em segundo plano, tudo aquilo que venha a ferir a integridade, física, moral e psíquica.

À tutela da pessoa humana, tem sido conferido um justo destaque no âmbito do direito privado, tendo em vista o reconhecimento do Estado que o indivíduo merece proteção maior. Em face dessa repercussão, a tutela da pessoa humana é construída a partir de três pilares fundamentais, previstos, inclusive, na Carta Magna Pátria. São eles: a proteção da dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade em sentido amplo.

A dignidade humana está ligada à condição de poder se realizar, praticar a sua vontade e capacidade perante a sociedade. A idéia de solidariedade social está voltada para a atuação do indivíduo, pensando não só em si, mas também no seu próximo, no coletivo e, por fim, a igualdade que se refere ao respeito de um indivíduo por outro, é não ultrapassar os limites do outro e, tendo, em contrapartida os seus direitos respeitados.

Importante dizer o movimento de constitucionalização do código civil, contribuiu profundamente para o reconhecimento da elevação do princípio da dignidade humana como valor supremo e fundamental, dando mais apoio à sua repercussão ao longo de toda interpretação jurídica no direito brasileiro.

2.3SUJEITO DE DIREITO

No que tange ao conceito de sujeito de direito, insurgem-se alguns autores a respeito. A autora Maria Helena Diniz entende que "para a doutrina tradicional pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito."[8]

Nesse sentido é o entendimento de Washington de Barros, quando afirma que "na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é o sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica."[9]

Carlos Roberto Gonçalves, filia-se à mesma opinião de Maria Helena Diniz e Washington de Barros, asseverando que "no direito moderno, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica." [10]

Para o festejado Orlando Gomes, sujeito de direito é definido como "a pessoa a quem a lei atribui a faculdade ou a obrigação de agir, exercendo poderes ou cumprindo deveres."[11]

Percebe-se com estas opiniões, que não restam dúvidas acerca da adoção da teoria da equiparação entre pessoa e sujeito de direito pelo direito moderno.

No que se refere aos entes despersonalizados, uma vez que é perceptível a inclinação do direito moderno para a teoria da equiparação, a única solução seria a adoção da teoria do sujeito de direito reconhecendo direitos, inclusive, para os entes despersonalizados.

Assim, no que se refere ao seu objeto, a teoria do sujeito de direitos, pode ser classificada de duas formas, quais sejam: o sujeito de direito humano, pessoa natural, física, incluindo o nascituro, e o sujeito de direito inanimado que são as pessoas jurídicas e as entidades despersonalizadas.

Editora: Brasília Jurídica

  • ISBN: 8574692875
  • Ano: 2006
  • Edição: 1
  • Número de páginas: 119
  • Acabamento: Brochura
  • Formato: Médio

3 OS DIREITOS DO NASCITURO

3.1NASCITURO - CONCEITO

A origem do termo nascituro vem do latim, nascituru, que significa "aquele que há de nascer". Esse termo é designado ao indivíduo que, muito embora já tenha sido concebido, ainda se encontra no ventre de sua genitora.[12]

Pontes de Miranda conceitua o nascituro como sendo "o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida".[13]

Define ainda o conceito de nascituro, Silmara Chinelato e Almeida, como sendo "pessoa por nascer, já concebida no ventre materno (in anima nobile), a qual são conferidos todos os direitos compatíveis com sua condição especial de estar concebido no ventre materno e ainda não ter sido dado à luz."[14]

Importante ressaltar que o nascituro possui uma existência intra-uterina e que, por esse fato, não deve ser confundido com a figura do natimorto que se configura quando a criança já nasce morta. Dessa forma, podemos concluir que todo natimorto já foi, em algum momento, um nascituro, entretanto nem todo nascituro será um natimorto.

Conforme afirma Santoro Passarelli, em trecho transcrito na Revista Consultor Jurídico, a respeito do conceito de nascituro, "forma-se um centro autônomo de relações jurídicas, a aguardar o nascimento do concebido ou procriado, da criatura que provenha de mulher."[15]

3.2CORRENTES ACERCA DA PERSONALIDADE DO NASCITURO

A personalidade jurídica para o Código Civil Brasileiro, se dá mediante nascimento, e nascimento este com vida, conforme estabelece o dispositivo do art. 2º, que transcreve praticamente o teor do art.4º do Código Civil de 1916, a seguir: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

Devemos deixar claro que o legislador perdeu grande oportunidade de sanar os conflitos existentes sobre o início da personalidade jurídica. Mesmo com um pequeno avanço em alterar a expressão "homem" por "pessoa", no novo Código Civil no seu art. 2º, o que demonstra-se compatível com a nova ordem constitucional.

Nota-se a existência de três correntes doutrinárias que estudam o momento inicial da personalidade do nascituro, que são: a corrente natalista, a corrente da personalidade condicional e, por último, a corrente da concepcionista. [16]

Tais correntes apresentam opiniões divergentes a respeito possibilidade do nascituro ser mero detentor de expectativas de direito, bem como se o nascituro seria agraciado com a concessão dos direitos da personalidade, ou se, além disso, como ser humano que é, seria possuidor de todos os direitos patrimoniais e extrapatrimoniais.

A doutrina natalista que está prevista no artigo 2º do Código Civil, estabelece que a personalidade civil do homem inicia-se com o seu nascimento com vida.

Segundo a doutrina natalista, o nascituro não é considerado pessoa e somente tem expectativa de direito, desde a sua concepção, para aquilo que lhe é juridicamente proveitoso.

Essa teoria é adotada pelos códigos civis de muitos países como Espanha, Portugal, França, Suíça, Itália e outros.

São adeptos da doutrina natalista, autores como Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues, João Luiz Alves, Caio Mário da Silva Pereira.

Quanto à doutrina da personalidade condicionada, a mesma entende que a personalidade se inicia com o momento inicial da concepção. A corrente da personalidade condicional defende que o nascituro é passível de direitos, entretanto estes estariam subordinados a uma condição suspensiva que seria o próprio o nascimento com vida.[17]

Autores como Washington de Barros, Miguel Maria de Serpa Lopes e Walter Moraes são filiados a esta corrente.

Por último, existe a doutrina concepcionista que enfatiza que o início da personalidade humana se dá com o ato de concepção e que, a partir desse momento, o nascituro já é considerado pessoa. Assim, na qualidade de pessoa, o nascituro seria considerado sujeito de direitos pela sociedade, apto a ser agraciado com os direitos da personalidade.

Sob a perspectiva da corrente concepcionista, com os direitos já concedidos ao nascituro, se percebe que este adquire a condição de sujeito de direito. Assim, não admite esta teoria, que o nascituro possa ter alguns direitos e outros não, caracterizando uma situação paradoxal, contraditória, defendida pela teoria natalista.

A corrente concepcionista é adotada pelos códigos da Argentina, Áustria, México, Paraguai e Peru.

Teixeira de Freitas, Francisco Amaral Santos, Silmara Chinelato, André Franco Montoro e Maria Helena Diniz, são alguns autores que são adeptos da teoria concepcionista.

Insta salientar que Maria Helena Diniz, com relação ao nascituro, aduz que:

[...] tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os direitos patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá. [18]

Diante da afirmação da autora, acima exposta, percebe-se que a mesma utiliza-se de uma técnica de distinção entre personalidade jurídica formal e personalidade jurídica material para explicar a condição do nascituro.

O direito brasileiro teoricamente, pela esmagadora maioria doutrinária, adotou a teoria natalista, que só reconhece a total personalidade civil com o nascimento com vida, ou seja, com a existência da pessoa natural.[19]

Sendo assim, para o nosso ordenamento jurídico, duas são as condições: que o feto nasça com vida, isto é, com o funcionamento do aparelho cardio-respiratório e que se prove que tal fato ocorreu, para, aí sim, ser plenamente reconhecido pelo direito.

Mas, no decorrer da pesquisa, é de se observar que apesar de ser adotada a corrente natalista, oriunda do direito francês, em tempos atuais, pós Carta Magma, verifica-se a utilização da corrente concepcionista, o que ao nosso entendimento, consegue melhor garantir ao nascituro, sujeito de direitos personalíssimo, os direitos principiológicos que a Constituição Federal concedeu em seu art. 5º.

3.3ABORTO: UM CRIME CONTRA O NASCITURO

A Legislação Penal prevê tipificação para a prática do aborto. O aborto consiste na interrupção da formação da vida intra-uterina, sendo classificado, portanto, como um crime contra o nascituro. Vale ressaltar que o Código Penal incluiu o aborto no título referente aos crimes contra a pessoa, reconhecendo ao nascituro a qualidade de ser humano.

O referido diploma legal, entretanto, admite duas exceções taxativas que permitem a prática do aborto, previstas em seu art. 128, in verbis:

Art. 128. [...]

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; (aborto terapêutico)

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu responsável legal. (aborto humanitário ou sentimental).

Há ainda a questão do feto anencéfalo, que não possui nenhuma possibilidade de nascer com vida. Essa questão também sofre inúmeras discussões, quando se levantam questionamentos acerca do direito à vida e do direito à dignidade humana. Nessa questão existe o choque entre dois valores fundamentais, o que dificulta um entendimento comum acerca do assunto.

O aborto é questão bastante discutida, tendo em vista não haver entendimento pacífico no que se refere ao momento inicial da vida. A maioria dos médicos entende que a vida só se completa com o processo de nidação, que acontece por volta do 14º ao 17º dia de fertilização.

Segundo o professor RABENHORST "o aborto é um problema complexo exatamente por não se reduzir a uma discussão biológica ou moral, mas envolver igualmente questões jurídicas (colisão ou conflito de direitos), políticas (populacionais ou demográficas) e sociais (desigualdades sociais, acesso aos meios de contracepção, etc.)."[20]

O fato de se permitir que seja realizado o aborto em algumas situações, não o torna uma prática moral ou aceitável. O aborto é, ainda sim, uma violação aos direitos do nascituro, caracterizando-se uma verdadeira pena de morte para aquela criança que está por vir.

3.4OS DIREITOS DO NASCITURO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, tem como objetivo precípuo, a proteção integral da criança. O referido Estatuto trouxe, como uma de suas inovações, a atribuição de sujeito de direitos para a criança. O que não existia com a lei anterior, a Lei do Menor, que supostamente defendia o menor, tratando-o, na verdade, como um objeto.

Assim, com o Estatuto, a criança passou a ser considerada, verdadeiramente como pessoa, no sentido de ter seus direitos reconhecidos pela sociedade, podendo, inclusive ter vontade diante de situações do cotidiano.

No rol desses direitos se incluem os direitos à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, ambiente familiar propício, dentre tantos outros.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê em seu art. 26, o que segue:

Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes. (sem itálico no original).

O referido dispositivo reconhece o direito de ajuizar a ação de investigação de paternidade, sendo que é direito personalíssimo o reconhecimento do estado de filiaçãoe, como tal irrenunciável.

Quando se diz criança, esse termo engloba os indivíduos que se encontram em uma faixa etária de até doze anos não completados. Não se percebe, entretanto, nenhuma referência com relação ao nascituro, que, a partir de uma análise objetiva, se encontra dentro desse limite.

Frente a essa omissão, a depender da teoria adotada a respeito do início da personalidade do nascituro, vislumbraremos algumas situações. Se pensarmos sob a perspectiva das correntes natalista e da personalidade condicional, o nascituro não seria beneficiado com os direitos concedidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Paradoxalmente, se analisarmos sob o ponto de vista da corrente concepcionista, o nascituro, teria sim, os direitos resguardados pelo referido Estatuto.

É importante ressaltar que o Brasil adotou tratados internacionais, tais como a Convenção sobre os Direitos da Criança, que são reconhecidos como atos normativos infraconstitucionais, demonstrando que o conceito de criança, para fins jurídicos no Brasil, não abarca apenas aqueles que já nasceram, como também todos os seres humanos, inclusive os que ainda estão por nascer.

Ora, a partir dessa perspectiva contida no ordenamento jurídico brasileiro, não há como deixar o nascituro fora desse rol de beneficiários dos direitos concedidos pela lei n. 8.036/90. Os nascituros já são considerados seres humanos, pois já possuem a chamada vida intra-uterina.

Torna-se evidente, portanto, que a proteção integral dada à criança, também incluiu os nascituros, como seus destinatários.

3.5OS DIREITOS CONCEDIDOS AO NASCITURO

O direito brasileiro tem reconhecido inúmeros direitos ao nascituro, entretanto existe ainda um caminho longo para que tais direitos sejam concedidos em sua plenitude, uma vez que muitos padecem de discussões que ainda não encontraram o seu desfecho.

Otávio Cardoso estabelece uma série de direitos que já são concedidos ao nascituro. São eles: "ser adotado, com consentimento do seu representante legal (CC, art. 372); receber doação, se aceita pelos pais (CC, art. 1.169); adquirir por testamento, se concebido até a morte do testador (CC, art. 1.169); ter um Curador ao Ventre se o pai falecer e a mãe, estando grávida, não tiver pátrio poder, notando-se que, se a mulher estiver interdita, o seu Curador será o do nascituro (CC, arts. 458 e 462 e seu parágrafo único); ver reconhecida sua filiação e até mesmo pleiteá-la judicialmente por seu representante; suceder, seja legitimamente ou por testamento; ser representado nos atos da vida jurídica; ter garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, como, por exemplo, direito à pensão por acidente profissional sofrido por seus pais; proteção penal garantindo-lhe a vida e o direito de nascer, etc."[21]

Uma questão, atualmente muito discutida e interessante é a possibilidade de se reconhecer indenização por dano moral ao nascituro, em caso de aborto, ou mesmo em casos em que é vítima de medicamentos ministrados de forma errada, resultando seqüelas no futuro. São questões polêmicas, tendo em vista existirem três correntes referentes às concessões de direitos ao nascituro.

Sob o aspecto das correntes natalista e da personalidade condicional, não há que se falar em dano, uma vez não considera nem mesmo o nascituro como sujeito de direitos, não podendo, portanto, receber qualquer indenização. Alega esta corrente que, em caso de medicamento mal ministrado, o nascituro não possuía a titularidade do direito à integridade física, trazida com a qualidade de sujeito de direitos que não possui.

A teoria da personalidade condicional relaciona o direito a indenização à personalidade, sendo que esta é atribuição daquele que nasce com vida. Suprida essa condição, considera-se o nascituro como pessoa, lhe sendo devidos todos os direitos que um sujeito de direitos deve possuir.

Somente através da concepção da corrente concepcionista é que se poderia vislumbrar o direito à reparação por danos morais ao nascituro, tendo em vista reconhecê-lo de plena forma como sujeito de direitos.

De acordo com esta última corrente, caso o nascituro venha a falecer, os seus ascendentes poderão vir a exigir tal reparação. Estaria se considerando que o dano foi causado a um filho menor, ampliando, com isso, a possibilidade de indenização.

Benedita Inêz Lopes Chaves e Silmara Chinelato, ambas filiadas à corrente concepcionista, defendem que a reparação de dano moral causado em nascituro é perfeitamente justificável. Para as autoras, a base legal da responsabilidade, seja ela contratual ou não, seria exatamente o mesmo usado para os já nascidos.[22]

Apesar de inúmeras discussões, há decisões nos tribunais, reconhecendo o direito à indenização a título de danos materiais e morais, conforme é o julgado a seguir:

Responsabilidade civil – Acidente de veículos - Invasão de preferencial - Morte da companheira e nascituro, bem como da avó das menores. Culpa inequívoca do preposto do apelante. Indenizações de ordem material e moral devidas. Legitimidade do companheiro em exigir indenização pela morte de sua companheira, sendo que a renda mensal da vítima-companheira é a constante de sua última indenização. Devida a indenização pela morte do nascituro, a título de dano moral, visto que a morte prematura do feto, em conseqüência do ato ilícito, frustra a possibilidade certa de que a vida humana intra-uterina plenificaria na vida individual. Pensão devida ao feto. Impossibilidade. Há uma expectativa de direito em relação ao nascimento do feto. Personalidade jurídica só inicia-se com o nascimento com vida. Art. 4º do CC. Correta a pensão fixada e destinada ao companheiro e filhas. O limite fixado para a cessação da pensão é de 69 anos, conforme nova orientação jurisprudencial. (TAPR, 3ª C., AC 106.201-3, Rel. Juiz Eugênio Achille Grandinetti, 01.08.1997)[23]

Desta forma, é possível sim, que o nascituro sofra prejuízos de ordem moral, como, por exemplo, quando aquele que o gerou, seu pai, morre em algum acidente provocado por uma terceira pessoa. Esse acontecimento, a morte de seu genitor, surtirá uma série de efeitos no futuro, como o de estar impossibilitado de conhecer seu pai, de conhecer a origem de sua formação e usufruir do seu afeto.

Um outro direito concedido ao nascituro, é a legitimação que lhe é conferida para propor ação investigatória de paternidade, proposta pela mãe, mas em nome do filho. Apesar de ser um direito personalíssimo, a mãe poderá propor em seu nome, para ter seu direito assegurado.

Com os avanços da medicina, a determinação da origem dos indivíduos, através do exame do DNA, se tornou possível, podendo garantir assim, mais um direito para o nascituro.[24]

Nesse sentido, é o precedente jurisprudencial do Tribunal de Justiça de São Paulo, que segue:

Investigação de paternidade. Ação proposta em nome do nascituro pela mãe gestante. Legitimidade ad causam. Extinção afastada. Representando o nascituro pode a mãe propor ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão do direito material, até então apenas uma expectativa resguardada. (TJ/SP, Ac. Primeira Câmara Cível de Férias, Ap. Cív. 193.648-1/15, rel. Des. Renan Lotufo, j.14.9.93, in RT 703:60)[25]

Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a legitimação conferida ao nascituro é uma tendência do ordenamento jurídico brasileiro para a adoção da teoria concepnionista, tendo em vista a afirmação constitucional da dignidade humana e o reconhecimento a atribuição dos direitos da personalidade ao nascituro.[26]

Importante ressaltar ainda que, o presidente Lula sancionou uma lei muito recente, a lei de n. 11.804 de 5 de novembro de 2008. A referida lei confere às mulheres grávidas o direito aos alimentos denominados gravídicos. Tais alimentos serão utilizados em despesas como o parto, dentre outras decorrentes da gravidez, conforme dispõe o art.2º da lei em comento, in literis:

Art. 2o  Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

 Parágrafo único.  Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. 

Para que seja concedido esse novo tipo de alimentos, é preciso que se convença o juiz da existência de indícios de paternidade. Convencido de tal existência, o magistrado fixará os alimentos gravídicos que deverão perdurar até o nascimento, após tal acontecimento, os alimentos gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia, tendo o menor como beneficiário.

Antes mesmo da promulgação da lei 11.804 de 2008, já existiam julgados acerca da concessão dos alimentos gravídicos, conforme segue algumas jurisprudências do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

EMENTA:  UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. EX-COMPANHEIRA E NASCITURO. PROVA. 1. Evidenciada a união estável, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade da ex-companheira, que se encontra desempregada e grávida, é cabível a fixação de alimentos provisórios em favor dela e do nascituro, presumindo-se seja este filho das partes. 2. Os alimentos poderão ser revistos a qualquer tempo, durante o tramitar da ação, seja para reduzir ou majorar, seja até para exonerar o alimentante, bastando que novos elementos de convicção venham aos autos. Recurso provido em parte. (Agravo de Instrumento Nº 70017520479, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28/03/2007).


EMENTA:  AGRAVO INTERNO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. Incontroversa a união estável e a paternidade do filho que a alimentanda espera, deve o agravante contribuir para o desenvolvimento do nascituro, mormente considerando que a ex-companheira não pode desempenhar com a mesma intensidade o ofício de cabeleireira, em face da dificuldade de ficar o tempo todo em pé, já que está na metade do sexto mês de gravidez. Possibilidade do alimentante em pagar o valor fixado, de um salário mínimo, demonstrado pelos documentos juntados, que aponta possuir ele patrimônio não condizente com a renda mensal que alega ter, de R$ 700,00. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70016977936, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 01/11/2006).

Essas decisões foram proferidas antes mesmo da sanção da nova lei que concede alimentos ao nascituro, entendendo que não seria justo a genitora arcar com os encargos de uma gestação sem, nem mesmo, ter uma colaboração econômica. Isso demonstra a necessidade de proteção que tem o feto para seu regular desenvolvimento.

Conforme exposto, é exaustivo o rol de direitos concedidos ao nascituro, o que nos faz perceber que a alegação feita pelas teorias natalista e da personalidade condicional, de que o nascituro não seria sujeito de direitos, demonstra-se vazia e desprovida de fundamentação suficiente para sustentar a base de seus entendimentos.

4O NASCITURO SUJEITO DE DIREITOS SOB A ÓTICA DA CORRENTE CONCEPCIONALISTA

O nascituro já é uma vida, considerado, portanto, um ser humano e, como tal, é passível de sentir sensações e emoções que a vida proporciona, mesmo que ainda não esteja no mundo externo e ainda seja considerado incapaz.

Não nos resta dúvidas que, o direito passou a reconhecer a afetividade como princípio jurídico, com força normativa, mais do que valor, posto que é caracterizada hoje como um dever. Assim, ao estabelecer os primeiros laços com a mãe, o feto absorve tudo o que nós mesmos sentimos.

Em decorrência do grande avanço no âmbito da engenharia genética, surgindo descobertas como a decodificação do genoma humano, células tronco, dentre tantas outras, a ciência encontra-se a um passo de confirmar e sedimentar o início da existência da vida humana.

Enquanto isso não ocorre, devemos nos contentar com o nosso entendimento de que o início da vida se dá a partir da concepção, ou seja, no momento da união entre o óvulo e o espermatozóide. E ainda, independentemente do ser gerado possuir alguma anomalia ou não, será considerado um ser humano.

Injusto seria negar direitos ao nascituro, ser humano, que precisa passar por este estágio principiológico da vida sem restrições aos seus interesses implícitos de proteção a sua vida.

Insta salientar que se muitos direitos são concedidos ao nascituro, como mencionado antes, fica claro e evidente que nascituro não possui uma simples "expectativa de direito".

Ao lhe serem concedidos direitos, está se admitindo que o nascituro possui, sim, personalidade jurídica, sendo portanto um verdadeiro e legítimo sujeito de direitos, mesmo sem ter sequer nascido.

Se o nascituro não é tido como pessoa, este não deveria ter sequer direito algum, entretanto não é o que ocorre na prática.

Existe no mundo do direito uma convenção que absorve a condição do nascituro como sujeito de direitos. Surge então, em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica, que fora aprovada integralmente pelo Congresso Nacional do Brasil em 1992.

O referido diploma legal dispõe em seu art. 1º que: "Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano".

O art. 4º, I, do mesmo diploma legal determina que: "Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido por lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente".

O Pacto de São José de Costa Rica não faz qualquer distinção entre vida humana intra e extra-uterina. A expressão "desde o momento da concepção" torna evidente que o termo pessoa também é aplicado ao nascituro.

Ao colocar-se na posição de signatário, o Brasil deveria adotar os preceitos da referida Convenção, uma vez que o § 1º, art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe:

Art. 2º . [...]

§ 1º .A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule matéria de que tratava a lei anterior".

Desde 6 de novembro de 1992, portanto, a Convenção se constituiu direito interno brasileiro.

Acerca do grau de importância e de repercussão dos tratados internacionais no direito brasileiro, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, §2º, preceitua:

Art. 5º - §2º — Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Damásio Evangelista de Jesus atenta para um outro ponto relevante, quando diz que: "Diante do direito civil, o feto não é pessoa, masspes personae, de acordo com a doutrina natalista. É considerada expectativa de ente humano, possuindo expectativa de direito. Entretanto, para efeitos penais é considerado pessoa. Tutela- se, então, a vida da pessoa humana."[27]

As argumentações de Damásio demonstram-se perfeitamente adequadas, quando tornam evidente que o nascituro já é considerado pessoa para efeitos penais, o que somente fortalece o que defende a corrente concepcionista, que o nascituro é, definitivamente, um sujeito de direitos.

O direito brasileiro deve atentar para essa nova realidade, que já está a adentrar no universo jurídico. Afinal, se no direito penal, já há menção à condição de sujeito de direitos para o nascituro, como entender que o universo jurídico não atentou para essa situação. Seria uma simples falta de atenção, ou seria mesmo uma questão de conveniência a seara cível não seguir o mesmo rumo da seara penal?Não há como fechar os olhos para a tendência da teoria concepcinista.

É de fundamental importância mencionarmos a questão da igualdade entre os indivíduos. A Constituição Federal de 1988 garante, a todo, o direito de igualdade, no caput do artigo 5º.

No caso da restrição dos direitos da personalidade ao nascituro, restaria configurada a violação do princípio da igualdade, tendo em vista que a grande maioria dos direitos fundamentais está nos direitos da personalidade. Essa afirmação tem como base o fato de que os direitos do nascituro são tidos como direitos fundamentais.

É certo que, mesmo sendo direitos fundamentais, podem ser restringidos para algumas pessoas, a depender da situação em concreto, como no caso do direito de sufrágio ou de contrair casamento. Contudo, nada obsta a realização do exercício do direito do nascituro, pois este deve ser considerado como um direito fundamental da personalidade.

Assim, tem-se que a atribuição de sujeito de direitos deve ser conferida ao nascituro, não havendo qualquer óbice, para se pensar o contrário. A teoria concepcionista tem se mostrado a mais adequada para a verdadeira condição do nascituro, qual seja a de sujeito de direitos.Apesar de ainda não ser adotada no direito civil já deixa vestígios em outras disposições, como o Pacto de São José da Costa Rica, bem como a própria legislação penal que encara o nascituro como pessoa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, conclui-se que o direito brasileiro demonstra traços de uma visão conservadora e engessada, mesmo apresentando progressos em relação ao reconhecimento de alguns poucos direitos para o nascituro.

Assim é a história do direito brasileiro que, sempre oferece resistência às novas tendências e perspectivas, à nova realidade que surge com as constantes mudanças que sofrem a sociedade.

A cada dia, situações novas surgem, envolvendo o nascituro e, infelizmente, não se tem muito a demonstrar de progresso. É até mesmo uma atitude contraditória do direito que, de um lado, reconhece que o nascituro é uma vida, um ser humano que necessita de proteção como qualquer outro, aliás, muito mais, porque, nem mesmo pode vir a se defender e, de um outro lado, lhe restringe tantos outros direitos que lhe seriam devidos.

Sob esse aspecto, a igualdade não impera entre o nascituro e qualquer outro ser humano, tendo em vista o fato de não estar presente no mundo real ainda.

Percebe-se que a grande questão, no que se refere aos direitos do nascituro, reside na identificação do momento inicial da vida humana, uma incógnita para a ciência e consequentemente para todas as outras áreas como o direito.

Já que, atualmente o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria natalista, que por si só, restringe ao máximo a concessão de direitos do nascituro, não resta dúvida com relação à sua posição arcaica e conservadora, tendo em vista sequer atentar para o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos.

O cerne da questão é, pois dar a atribuição de sujeito de direitos que o nascituro necessita para que lhe sejam concedidos todos esses direitos, principalmente os direitos personalíssimos. O primeiro passo para que isso aconteça é a adoção da corrente concepcionista que defende a proteção que o nascituro realmente merece.

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Autor: Luciana Almeida Pires


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