Conta-me um Conto!



Em todas as culturas do mundo o conto serviu propósitos diversificados. Daí que o interesse por este, ao longo dos tempos, se tenha manifestado nas mais distintas áreas do conhecimento.

Numa perspectiva transdisciplinar, apresentamos um conjunto de estratégias desenvolvidas no Externato Camões, em Rio Tinto (Porto), com alunos do 1º ciclo do Ensino Básico.

O conto estuda modelos textuais, formas primitivas de viver, estabelece regras de funcionamento da narrativa, explica conflitos humanos… Em suma, o conto levanta questões que dizem respeito a todos nós.

Fala-nos de aspectos da vida social, do comportamento humano, do comportamento emocional (amor, ódio, raiva, amizade) e, frequentemente, apresenta-nos contrastes que Bettelheim (1998) tão bem retratou:

Bem – Mal;Luz – Trevas;

Saúde – Doença;Noite – Dia;

Fortuna – Miséria;Vitória – Derrota;

Branco – Preto…

Nos contos, os desenlaces e a resolução de conflitos são frequentes. Porém, podem variar consoante as culturas e as formas de organização social. De qualquer modo, na sociedade do nosso tempo, os contos não perderam actualidade. Pelo contrário, continuam vivos e presentes na vida de todos nós.

1. O CONTO: UMA NARRATIVA PESSOAL

A criança que ouve contos organiza melhor o discurso na mente e, consequentemente, cria e desenvolve estruturas que lhe permitem poder vir a compreender qualquer tipo de narrativas, por exemplo, a sua própria narrativa…

Desde que nascemos também cada um de nós é dono da sua narrativa que, em nosso entender, poderá ser contada assim:

1.Era uma vez um herói (heroína);

2.Que parte à procura de algo para ser feliz (um objecto, amor, amizade, riqueza…);

3.Ao longo da sua vida sempre alguém o informa ou aconselha;

4.Porém, o herói parte à aventura…

5.No caminho encontra aliados e inimigos…

6.Sozinho ou com ajuda de aliados, vai encontrando obstáculos que consegue, ou não, vencer;

7.Frequentemente consegue aquilo que procura…

8.Todavia, por vezes um inimigo poderoso opõe-se: um gigante, um dragão, um bicho mau…

9.Mas o herói defronta o seu inimigo, contudo, é vencido;

10.O amigo do herói vem em sua ajuda;

11.E o herói volta a defrontar o inimigo e consegue ganhar!

12.Entretanto, durante o(s) seus(s) regresso(s) o herói é perseguido por aliados ou servidores do seu inimigo (irmãos, soldados, monstros…);

13.Vai novamente combatê-los e assim vencer diversos obstáculos, armadilhas e muitas, muitas dificuldades…

14.O herói regressa a casa – FIM – "Casaram-se e viveram felizes para sempre."

ou

Novas provas…

Novas peripécias…

Novos combates…

(Traça, adaptação)

Não é difícil corroborarmos com Emília Traça, quando refere que a mecânica do conto é sempre a mesma. Por isso, temos razões para acreditar que os contos de outrora, os ditos contos populares, continuam sempre activos, já que sobre a sua estrutura se podem construir contos modernos, reflexo da época em que vivemos. (Traça, 1992)

Várias são as questões que acerca do conto se têm vindo a colocar, sobretudo aos educadores, pois alguns desses, na actualidade, têm sido contados de diversos modos e sob várias perspectivas.

Eis algumas das perguntas que tantas vezes colocamos:

- Que valor real podem ter algumas versões dos contos maravilhosos que entretanto foram simplificadas, suavizadas, despojadas?

- Que heróis imaginários povoam hoje os cérebros infantis? Esses mudaram ou são os mesmos de antigamente?

- Quem conta? – Quem deve contar? – Por que conta?

- Os contos continuam a desempenhar um papel importante na formação da criança?

- É necessário renovar o chamado conto maravilhoso?

- Mantemos ou não a sua estrutura?

- A audição do conto motiva para a leitura?

- A televisão veio substituir a audição do conto?

Sem termos a pretensão de responder a todas as questões aqui levantadas e que já outros igualmente o fizeram, tentaremos dar uma achega, na crença de que o conto pode funcionar como ponte para a formação de leitores.

2. O CONTO, A LITERATURA INFANTIL E JUVENIL E A LEITURA

O conto de tradição oral, passado de boca em boca, serviu de inspiração nesta nova era da literacia leitora à chamada Literatura Infantil e Juvenil.

Frequentemente colocada em causa, esta tem vindo a impôr-se como nos revela Juan Cervera (1991: 9):

"En el momento actual nadie se atreve a negar su existencia (da Literatura Infantil) y su necesidad, aunque lógicamente abunden las discrepancias en torno a su concepto, naturaleza e objectivos."

Em Portugal, Sousa (1998: 67) dirá mesmo "Em termos sociológicos, económicos (…) e pedagógicos não há qualquer dúvida sobre a efectiva existência do objecto "Literatura Infantil".

Apesar de pouco estudada, a verdade é que a partir dos anos oitenta houve uma "explosão" de diversas histórias de literatura portuguesa para crianças e passam, inclusivamente, a serem leccionadas disciplinas de literatura para a infância nos vários estabelecimentos de Ensino Superior.

O Plano Nacional de Leitura tem legitimado várias obras que adquirem, assim, o estatuto de poderem ser estudadas em contexto pedagógico.

Embora o presente trabalho não aprofunde conceitos acerca da leitura, cabe-nos fazer, ainda, um elogio à mesma. Cada vez mais, na escola, a leitura é assumida como uma prática que define a "categoria" do aluno. É preciso ler! É preciso motivar os nossos alunos para a leitura.

Através da leitura, desde tenra idade, podemos fazer dos nossos alunos verdadeiros seres humanos, pois a leitura é uma prática que reflecte e determina a forma como se adquire experiência, a forma como nos relacionamos com os outros, o modo de nos sentirmos verdadeiros e únicos. O indivíduo moderno é o sujeito leitor. Somos o que lemos e o que fazemos. Quando lemos sentimo-nos diferentes. Da leitura "nasce" a nossa individualidade, porque quem lê transcende os limites da sua presença no espaço e no tempo.

Lendo, é possível aprender como se enfrentam as grandes dúvidas e situações problemáticas do nosso quotidiano. Às vezes as respostas estão tão "simplesmente" em livros ali à "mão"…

"A menina que detestava livros", de Manjusha Pawagi é a obra, também esta aconselhada pelo PNL, que nos propômos analisar aqui e cuja escolha não foi, de modo algum, inocente.

3. A OBRA – BREVE RESENHA

Mina era uma menina que não gostava de livros, apesar de em sua casa existirem pilhas e pilhas. Tal como a menina, também o seu gato Max parecia detestar esses objectos que lhes ocupavam o espaço, a si e à sua dona.

Certo dia, Max subiu para um armário completamente atulhado de livros e Mina, na tentativa de o ajudar, trepou e, escorregando, caiu no meio de uma confusão de livros, livros e livros.

O espanto da menina foi imenso porque de dentro desses livros começaram a sair todas as personagens que compunham as histórias. Como não conhecia o conteúdo dos livros, Mina não era capaz de fazer com que ocupassem os seus lugares dentro dos livros.

Tendo como solução a leitura de cada livro, foi lendo e, em simultâneo, as personagens, voltaram aos seus lugares e tudo ficou arrumado como dantes.

Quando os pais voltaram, ficaram espantados, pois encontraram uma menina leitora.

  1. ACTIVIDADES – PROPOSTAS

Várias são as actividades que poderiam ser desenvolvidas no contexto da obra seleccionada. A título de exemplo, sugerimos algumas:

1.Os alunos do 4º ano do 1º ciclo estão sentados no chão, com almofadas e mantas;

2.A Professora informa os alunos de que vão ouvir uma história e mostra, usando o retroprojector, o título do livro;

3.Entrega-se uma folha com um resumo da biografia da autora;

4.Explora-se o título: "Conhecem alguém que deteste livros?; Como é que terminará esta história?";

5.Explora-se a imagem, as cores, a lombada, a contracapa, a grossura, o nº de páginas, etc;

6.Depois de ouvirem a história, pergunta-se se alguém é capaz de fazer um resumo oral do que ouviram contar;

7.Faz-se, seguidamente, a leitura em voz alta, por parte da Professora e os alunos acompanham-na através de imagens que vão sendo projectadas na parede;

8.Após esta leitura, tenta-se, agora, dar resposta aos objectivos propostos: diálogo e interpretação do texto:

- "Com quem vivia a menina?;

- Como é que ela se chamava?;

- Qual era o seu animal doméstico?;

- Afinal por que é que ela não gostava de livros?;

...................

9.Professora e alunos falam sobre a importância da imaginação.

4.1INTERDISCIPLINARIEDADE

  1. Língua Portuguesa (Gramática): Os alunos elaboram um resumo, por escrito, do conto aprendido, e a Professora faz a respectiva correcção, individualmente, na presença de cada um, levando os alunos a reflectirem e a tomarem consciência das falhas apresentadas;
  2. Expressão Musical: Com a ajuda da Professora de música, os alunos tocam, na flauta, uma música de sua própria autoria intitulada: "Ler para aprender";
  1. Expressão Plástica: Com a ajuda da Professora fazem-se fantoches da menina Mina e das restantes personagens, para pôr em prática na próxima actividade a desenvolver: um teatro;
  1. Expressão Dramática: Com os adereços elaborados, e sob a orientação da Professora, elabora-se um teatrinho de fantoches para todos os alunos do 1º ciclo;
  1. Matemática: Este conto pode ainda ser aproveitado para uso da matemática. Para terminar a Professora entrega uma ficha com exercícios, em que as questões estão interligadas com o conto apresentado:

"1 – A casa da menina media de largura 5 m e de comprimento 12 m. Calcula o perímetro da casa onde a menina vivia;

2 – Calcula a área da casa;

3 – O gato dormia, por dia, 10 horas. Quantas horas dormia ele numa semana?;

  1. No final, a Professora corrige os testes, entrega-os aos alunos e fazem a correcção, em conjunto, no quadro, para esclarecer dúvidas que possam ter surgido.

Para finalizar..

Na motivação para a leitura, sobretudo quando os destinatários são crianças, torna-se muito importante a figura do mediador. Neste caso, a figura cabe ao professor.

Porém, pais, professores e educadores deverão ser capazes de facilitar e proporcionar o diálogo entre quem lê e quem escuta. Todavia, para que essa interacção possa ocorrer, o mediador terá de ser também um leitor habitual, alguém que saiba compartilhar e transmitir todo o prazer que a leitura tem para nos oferecer.

Como nos diz Azevedo (2006), fundamentando-se em Catherine Tauveron (2002), deve ser dada às nossas crianças a possibilidade de "aprenderem" a ler a função simbólica dos textos, iniciando-os no conhecimento e domínio de uma espécie de cartografia do emocional e, em simultâneo, proporcionar-lhes o alargamento da sua consciência enciclopédica.

As actividades apresentadas mais não foram do que meras sugestões.

A si, leitor, deixamos a possibilidade e a oportunidade de fazer leitores… Vá, façam!


Autor: Susana Quesado


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