A Propósito de um Vulgarismo no Português do Brasil



Mattoso Câmara inicia este artigo relatando que, no Brasil, na espontaneidade da língua falada, emprega-se a forma viemos (presente do verbo vir) na primeira pessoa do plural em lugar do modelo vimos.

Ao longo do artigo, o autor argumenta que o vulgarismo presente nestas formas não é simplesmente uma "confusão de formas temporais", mas simplesmente uma extensão ao verbo vir do padrão geral para primeira pessoa do plural.

Em associação íntima com os verbos ter e pôr, no que se refere ao tema do imperfeito, figura o verbo vir. Os radicais supletivos dos três verbos apresentam travamento nasal /N/, oferecendo, assim, alternância da vogal entre os tempos do presente e do imperfeito do indicativo, a saber: ten/tin; pon/pun; ven,vin; a vogal temática –e , retirada do paradigma do pretérito perfeito, perpetua nas três formas, com exceção da 1ª e 3ª pessoas do singular do perfeito.

No infinitivo, tais verbos são atemáticos: vir (radical vin), ter (radical ten), pôr (radical pon), portanto essas três vogais não são vogais temáticas, mas vogais inerentes ao radical.

Entendemos, então, que os verbos vir, ter e pôr não apresentam conjugações distintas como arrola a gramática tradicional.

Mattoso ainda explica que normalmente há um sincretismo na 1ª pessoa do plural, de terminação entre o presente e o perfeito nas três conjugações. Esse sincretismo é o esclarecedor quanto à natureza do vulgarismo viemos em lugar de vimos, como foi citado no início do texto. A propósito de uma substituição das formas, Câmara afirma: "a substituição não cria, por sua vez, um conflito de "temas" no grupo das formas do imperfeito, pois vimos (como vir, vindes) não tem vogal temática e seu i é uma vogal do radical".

O motivo, segundo o autor, para substituição dos pattern do verbo vir é a homonímia entre vimos de vir e vimos de ver. Para ele, a língua acolhe muito bem a sincretismos morfológicos, todavia a homonímia provoca uma supressão de uma das formas homônimas.

Por fim, Mattoso pontua que vimos (presente do verbo vir) está em desacordo com o pattern dos verbos associados ter e pôr, pois a alternância vocálica da 1ª pessoa do plural inexiste (tenho, tens, tem, temos, tendes, têm; ponho, pões, põe, pomos, pondes, põem).

A oposição entre vemos (presente) e vimos (perfeito) é caso particular de um processo morfológico bastante inerente à língua.

Optar pela forma vemos, para o presente de vir, de acordo com o modelo atemático, seria impossível devido a homonímia com vemos, 1ª pessoa do presente de ver.

A criação do vulgarismo viemos, a fim de desfazer a homonímia, não ocorreu aleatoriamente, segundo Câmara, o que houve foi uma uniformidade sob nova padronização, como bem nos diz Horácio de Freitas: "o que parece uma anomalia em face do padrão geral pode representar tendência a uma uniformidade sob nova padronização".

BIBLIOGRAFIA

CÂMARA, J. Mattoso. Dispersos. Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª. Ed., 2004.

CÂMARA, J. Mattoso. Dicionário de Filologia e Gramática. Rio de Janeiro: J.Ozon Editor, 4ª Ed. refundida e ampl., 1970.

FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 5ª Ed., 2007.

CÂMARA, J. Mattoso. "A propósito de um vulgarismo em português" in Dispersos, Rio de Janeiro: Lucerna, 3ª Ed., 2004, p.129

FREITAS, Horácio Rolim de. Princípios de morfologia. Rio de Janeiro: Lucerna, 5ªed., 2007, p.110.


Autor: Eliane Vieira


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