Pessimismo Docente



RESUMO

A criança que não teve a oportunidade de conhecer os Contos de fadas poderá ser um adulto sem fé e otimismo. Se este adulto se tornar um professor, ele terá grandes dificuldades para despertar em seus alunos o prazer pela literatura.

PALAVRAS – CHAVES Otimismo – Pessimismo – Educação – Compromisso Social

ABSTRACT

The child that didn't had opportunity of knew the Stories of Fairy may will be anadult without faith and optimism. If this child will turn on a teacher, he will have big difficulties to wakeningin his pupils, the pleasure to Literature.

KEY-WORDS: Optimism – Pessimism – Education- Social Compromise

O PESSIMISMO DOCENTE COMO CONSEQUÊNCIA DA AUSÊNCIA DE UMA INFÂNCIA PERMEADA PELOS CONTOS DE FADAS

FannyAbramovich, em seu trabalho intitulado Literatura Infantil: Gostosuras e bobices diz acreditar que "os contos de fadas respondem à criança asseguintes questões: O que é o mundo? Como viver minha vida nele? Como ser eu mesma neste mundo" .E nós acreditamos que o conto de fadas também sugere as respostas a estas perguntas mas nunca de forma explícita. Ele deixa que a criança utilize a sua fantasia para descobrir os seus próprios conceitos, uma vez que a criança aprende mais com as experiências vividas no conto de fadas do que se um adulto o explicasse.

Nesse mesmo trabalho, a autora nos informatambém que:

"Quando todos os pensamentos mágicos da criança estão personificadosnum bom conto de fadas – seus desejos destrutivos, numa bruxa malvada; seus medos, num lobo voraz; as exigências de sua consciência, num homem sábio encontrado numa aventura, suas raivas ciumentas, em algum animal que bica os olhos de seus arquirivais – então a criança pode finalmentecomeçar a ordenar essas tendências contraditórias. Isto começado, a criança ficará cada vez menos engolfada pelo caos não manejável" (Fanny Abramovich, 1990, 115)

Analisando a importância do conto de fadas para a formação de uma criança e pensando naquelas que não têm acesso a este tipo de literatura, voltemos nosso olhar para a sala de aula, local de descobertas e auto-afirmação. O que estará acontecendo com a criança moderna em relação aos contos de fadas?

Partindo do princípio de que toda criança tem direito de conhecer os Contos de fadas, contos estes que se estruturam de forma que possamproporcionar ao leitor o encantamento, o descobrir-se maravilhado ea oportunidade de acompanhar os passos dos seus heróis na resolução dos problemas que se apresentem no transcorrer do texto; podemos analisar a situação educacional brasileira atual como um momento repleto de alunos, em especial nas escolas públicas, que desconhecem este e qualquer outro tipo de literatura. Encontramos aqui, talvez, uma das causas do total desinteresse dos estudantesno que se refere a leitura de modo geral e até da falta de motivação para com quaisquer atividades escolares.

Conforme Vera Teixeira Aguiar destaca:

" os contos de fadas partem de uma situação de equilíbrio que é quebrado e daí inicia-se a busca de soluções no plano da fantasia, que se desfecham na restauração da ordem inicial de volta ao real". (pg 120)

Se pegarmos como exemplo uma criança que não conhece a magia dos contos de fadas, apoiando-sesempreno real, imaginemos as conseqüências dela não terconvivido com as experiênciasde Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, Pinóquio e muitos outros, e não tertido a oportunidade de conhecer os aspectos desta literatura. Será que esta ausênciaquebraria uma seqüência lógica de amadurecimento emocional, paralelo ao intelectual, que são de grande importância para a formação do adulto? Acreditamos que sim e de forma muito marcante.

Marly Amarilha, em seu relatório final de uma pesquisa sobre literatura infantil com alunos de Ensino Fundamental, perguntou às crianças: "Você se comportaria como algum personagem de alguma história que você conhece? Qual personagem? De qual história? "(Amarilha, 1994, p.140). A maioria das crianças não conseguiu estabelecer uma relação entre os personagens e os títulos das histórias, o que demonstra que estas crianças tinham, apenas "referências vagas" sobre as histórias que diziam conhecer. E esta estatística se torna mais marcante uma vez que a televisão, o computador e até a rua, lhes sãomais interessantes que o livro infantil.

Não podemos deixar de destacar os esforços que têm sido feitos para reverter este quadro, pois estamos numa sociedade quase que totalmente urbana e alfabetizada, onde os projetos culturais de diversas organizações, governamentais ou não, têm feito com que cheguem às escolas públicas coleções de Literatura Infantil para o trabalho com os alunos,e mesmo assim, o problema se perpetua. Voltemos entretanto vinte ou trinta anos atrás, no tempo da infância da maioria dos professores que estudaram neste mesmo tipo de instituição escolar e perceberemos quão raro foi para estes professores, hoje adultos, terem acesso ao "encantado mundo das fadas". Esta falta de contato com o maravilhoso na infância, que parece levar o adulto a uma total incapacidade de ver possibilidades de resoluções de problemas e a uma descrença no bem, no belo e por que não no mágico, seria na nossa opinião, a causa maior do afastamento da criança atual do livro infantil.

Como provável conseqüência desta falta de acesso forçada pelas condições sociais deste professor, ele não se identifica e não tem interesse em tornar-se um especialista em Literatura Infantil e especificamente em Contos de Fadas. Entretanto, por burocracias à parte e necessidades financeiras, eletem que lecionar alguma disciplina relacionada a estes temas. Neste momento, aquela criança desprovida da magia dos contos de fadas, torna-se um profissional capazde desenvolver mazelas na mente das crianças e adolescentes que "passam"diante de si. Se por um lado precisará este professor em sua fase adulta conhecer contos dos quais só ouvia falar em programas de TV ou em diálogos de crianças mais afortunadas,por outro é mister que este veja encantamento nestes contos para que os seus alunos também o vejam. Temos então uma árdua tarefa para esse profissional: Conseguir transmitir algo que não se sente.

E, se hoje este professor se dispõe a conhecer este tipo de literatura, como o seu"eu"infantil, já machucado pelo tempo, pelas experiências da vida adulta e dos problemas socio-econômicos atuais, receberiaa mensagem impregnada nos contos de fadas? Provavelmente após conhecê-los, corra o risco de dizer aos seus discentes que descobriu agora a pouco que existem coisas horrendas por trás dos contos de fadas.

Imaginemos como esse adulto encarariao desespero da menina do conto "Os sapatos vermelhos"de Andersen que queria um par de sapatos vermelhos para cobrir seus pés feridos pelos sapatos imensos e pesados de madeira e que ao ficar órfã engana sua tutora e consegue o objeto de seu desejo e após conseguí-lo, acaba condenada por um anjo a dançar ininterruptamente, e enquanto dança, se machucapor entre as arvores e espinhos ficando toda ensangüentada. Quando reencontra o anjo, sente-se culpada pela sua cobiça e temendo a morte, pede a ele que não a degole, apesar de ser culpada, mas que lhe corte os dois pés e assim, com pernas de pau e muletas ela caminha inválida e doente, quando então, descobre-se "perdoada e abençoada" pelo anjo e pela comunidade local.

Como ele entenderia a reação da bailarina do conto "O soldadinho de Chumbo"também de Andersen, que,depois de o seu amor ter sido encontrado dentro de um peixe por um menino elançado às chamas enquanto a olha,num "ato de amor"voa até a lareira e também se queima. O Soldadinho se derrete transformando-se numa bolinha de chumbo, e quando, no dia seguinte a criada tirou as cinzas viu que a bolinha tinha a forma de um coraçãozinho de chumbo e que da Bailarina só restava a lantejoula preta como carvão.

Como último exemplo, lembremo-nos de Perrault, que em conto "Pele de Asno" (ou "Pele de Burro"), mostra a história em queum pai se apaixona pela filha e esta, constrangida pela situação, tentar "frear seus ímpetos"pedindo-lhe coisas impossíveis mas que ele sempre consegue encontrar através de seus comandados. Um dia, ajudada pela sua fada protetora, foge vestida com uma pele de burro encardida e consegue um pouco de paz trabalhando de serviçal até que encontra um príncipe, se apaixona por ele, o seu anel perdido é encontrado em umbolo pelo príncipe e é testado em várias jovens, mas para surpresa de todos, o anel serve apenas em Pele de Asno, que imediatamente se troca e aparece majestosae lindíssima , se casa com o príncipe eperdoa o pai.

Talvez as análises destes contos sejam muito diferentes das que teria o professor quando criança.Que bondade ele veria hoje num anjo (anjos maus existem?), que permitiu tanto sofrimento à menina que só queria sapatos mais leves, e por medo ao final do conto sente-se abençoada e perdoadapor ter tido como castigo por sua cobiça"APENAS" os pés amputados?Como entender um tipo de amor que levou a bailarinaa se suicidar sendo que o Soldadinhojá estava derretido? E finalmente seria impossível a esse adulto não classificar como incesto e pedofilia a relação perdoada entre "Pele de Asno" e o seu pai.

Um professor pessimista dificilmente conseguirá atingir alguns dos objetivos de quem introduz os contos de fadas para uma criança (ou adulto),que seriam:suscitar o imaginário, levar o leitor (ouvinte) a ter a sua curiosidade respondida, a pensar em outras idéias para solucionar problemas, se identificar com os diferentes personagens e assim, esclarecer melhor suas próprias dificuldades buscando um caminho para a sua solução. Esse professor também teria dificuldades para levar o aluno a experimentar sentimentos de amor, ódio, tristeza, alegria, dentre outros,de forma positiva, com os olhos do imaginárioe com toda a significância que as lições suscitadas da narrativa ofereçam.

Ao concluirmos gostaríamos de acrescentarcomo exemplo a ser analisado, a opinião de uma professora ouvida por nossa equipe que, agora, ao conhecer os citados contos acimanos disse:

"Hoje o meu conceito para Contos de Fadasé de que é uma forma de mostrar à criança que toda paz pode ser interrompida, que felicidade eterna não existe a não ser que a fada resolva lhe ajudar elhe escolha dentre as milhões de crianças existentes e somente e tão somente depois de muitas lágrimas, perseguições, invejas, dores, preconceitos (claro, temos que abrir este parêntese, porque os contos de fadas nunca permitem que a mocinha ou o mocinho fiquem no seu estado "normal" que pode ser doente, feio(a), pobre, dentre outras mazelas), então neste momento terá direito ao seu finalque poderá ou não ser feliz". (E.S.S)

Para entendermos melhor a reação desta professora, é importantesabermos que Platão e Aristóteles e mais tarde alguns psicanalistasfreudianos e jungianos de uma forma bem resumida por nós parafraseados comparam os sonhos (que nem sempre fornecem soluções) comos contos de fadas que projetam a solução no final feliz.Encontram tambémdiferenças significativas entre o mito alegórico e o conto de fadas.A principal, que se refere ao nosso estudo é quanto aos seus finais, nessa análise o mito é pessimista e o conto de fadas, otimista, mesmo que em alguns momentos sejam muito tristes. O final do mito é quase sempre trágico e os contos são felizes. Por isso, para estes psicanalistas "O Soldadinho de Chumbo" e "A menina dosfósforos", por exemplo,não podem pertencer a categoria dos contos de fadas, e a esses acrescentamos "Os sapatos vermelhos" dentre os mais conhecidos que contradizem o final feliz. Por infelicidade desta professora que se encontra com o mau do Pessimismo Docente, ela escolheu contos que se assemelham mais a mitos pessimistas para iniciar sua trajetória literária infantil. Uma nova tentativa seria interessante para que esta primeira impressão se desfaça ou se atenue.

Se o nosso objetivo é resgatar a criança atual do mundo da verdade nua e crua da mídia e da rua, e tentar despertar nelas, pelo menos nosprimeiros anos, a beleza da inocência aliada ao mágico da literatura infantil, devemos lembrar que a criança aprende e memoriza o que lhe é significativo e que algo para lhe ser significativo tem que chegar até elade forma lúdica e prazerosa. E deixamos um conselho ao professor, de literatura ou não: Dispa-se do real, abrande as dores do peito e busque a criança que ainda existe em você e inicie mesmo que um pouco atrasada, mas não tardiamente, a sua jornada pelo mundo dos contos de fadas. Então, em breve você poderá estar se sentindo como Charles Dickens que disse: "Chapeuzinho Vermelho foi o meu primeiro amor. Senti que se eu pudesse ter casado com Chapeuzinho Vermelho teria conhecido a perfeita bem aventurança".

BIBLIOGRAFIA

AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura Infantil e práticas pedagógicas. Rio de Janeiro, Vozes, 1997.

AGUIAR, Vera Teixeira em posfácio da Coleção Era uma Vez (Contos de Grimm), edição para crianças com bibliografia de apoio para professores. Porto Alegre, Kuarup. In FANNY, Abramovich. Literatura Infantil: Gostosuras e bobices. São Paulo. Scipione. 1990, pg.120.

ANDERSEN,Hans Christian, Contos para crianças, Dinamarca, 1835.

BETTELHEIM, Bruno, A psicanálise dos contos de fadas. 14 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

Entrevista a professora: E.S.S (Depoimento anônimo)

FANNY, Abramovich. Literatura Infantil: Gostosuras e bobices. São Paulo. Scipione. 1990


Autor: ELIENE SANTOS


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