Breve Histórico da Formação do Brasil



São inúmeros os autores, como Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, José de Souza Martins e Cristovan Buarque, que já pesquisaram, descreveram e até mesmo debateram sobre a formação do Brasil e as características de sua colonização e a respectiva influência sobre o meio rural brasileiro. Prado JR. (1994, p. 13) comenta que para se compreender o caráter da colonização brasileira é preciso recuar no tempo para antes do seu início, e indagar das circunstâncias que a determinara. Segundo este autor, a descoberta e colonização da América se originam da expansão marítima dos países da Europa, depois do séc. XV, de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles países.

Prado JR. (1994, p. 22) aponta a diferença básica existente entre a colonização das zonas temperadas e das zonas tropicais. Enquanto que nas zonas temperadas se constituíram colônias propriamente de povoamento, escoadouro para os excessos demográficos da Europa, que reconstituem no novo mundo uma organização e uma sociedade à semelhança do seu modelo e origem europeus; nos trópicos, pelo contrário, surgirá um tipo de sociedade inteiramente original. Não será a simples feitoria comercial que já vimos irrealizável na América. Mas conservará, no entanto, um acentuado caráter mercantil; será a empresa do colono branco que reúne à natureza, pródiga em recursos aproveitáveis para a produção de gêneros de grande valor comercial, o trabalho recrutado entre raças inferiores que domina: indígenas ou negros africanos importados.

Para este autor, o Brasil ainda traz nas suas feições, até o presente, um forte caráter colonial que esteve presente na sua formação, ou seja, nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizaram a sociedade e a economia brasileiras.

Juntamente com o caráter colonial, instalou-se no Brasil, a grande propriedade rural, uma vez que os pioneiros que para cá se dirigissem não tinham intenção de serem meros agricultores, mas sim ansiavam em serem grandes latifundiários. Da mesma forma, quando aqui chegaram, agora já grandes proprietários devido aos grandes pedaços de terra recebidos diretamente da coroa portuguesa como incentivo para a vinda de tais pessoas para a colonização do Brasil, não iriam se submeterem ao trabalho duro nas grandes plantações de cana-de-açúcar, conseqüentemente, com a propriedade monocultural, instala-se o trabalho escravo nas terras brasileiras. Segundo Carvalho (1978, p. 54) as três características fundamentais da nossa estrutura agrária são: a grande propriedade, a monocultura (culturas de exportação) e o trabalho escravo. A estas, alia-se o caráter do colono europeu que se dirige aos trópicos – português, no caso – que não é o de um simples trabalhador, povoador, e sim o explorador, o negociante que vem para dirigir, realizar um bom negócio.

Um dos problemas mais sérios que a população colonial teve que enfrentar, segundo Prado JR. (1994, p. 43), foi o abastecimento dos núcleos de povoamento mais densos, onde a insuficiência alimentar se tornou quase sempre a regra. Como o caráter geral da colonização brasileira era o de uma colônia destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais de grande expressão econômica, tudo mais que nela existia, e que, aliás, será sempre de pequena monta, era subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar possível a realização daquele objetivo essencial. A população rural da colônia ocupada nas grandes lavouras e que constituía a quase totalidade dela, provê suficientemente a sua subsistência com culturas alimentares a que se dedica subsidiariamente, e sem necessidade de recorrer para fora. O problema de carestia e falta de alimentos não existia para os senhores de engenho, e convinha-lhes muito mais plantar a sua cana, embora pagassem preços mais elevados pelos gêneros que consumiam. Dentro deste cenário está a origem da agricultura de subsistência brasileira, intimamente relacionada com a agricultura de exportação, pois sempre eram realizadas dentro dos engenhos, ora consorciados ou entremeados com cana e o algodão, ora em pequenas roças de escravos de agregados, ou do próprio proprietário (CARVALHO, 1978, p. 55).

É nessa paisagem rural de uma economia colonial, voltada para o mercado externo que, segundo Carvalho (1978, p. 77), vai se formando a estrutura agrária e a organização social e econômica. Um país de dimensões continentais com grandes propriedades e relativamente poucos trabalhadores. Ainda, de acordo com Carvalho (1978, p. 77-78), na medida em que se intensificava o plantio de novas áreas, aumentava-se a exploração de novas terras conjugadas com o aumento dos outros setores da economia, ocasionando um aumento na demanda de mão-de-obra, evidentemente do negro africano. Mas, em fins do século XVIII e princípios do século XIX, já se ouviam no Brasil e no exterior, vozes contra a escravidão.

Com a cessação oficial do tráfico de escravos em 1831, Martins (1973) comenta que o preço do mesmo subiu e aumentou o tráfico entre províncias. Entretanto, além disto, não havia como renovar esta força de trabalho. O Brasil que tinha sua economia baseada no trabalho escravo se viu diante da urgência em encontrar mão-de-obra barata para manter a grande "lavoura", como era chamada a agricultura de exportação. Sendo assim, o país viu-se diante da necessidade de uma política imigrantista que tinha outra finalidade além do povoamento do extremo e garantir a posse do território brasileiro.

Segundo Martins (1973, p. 16) a imigração maciça de trabalhadores estrangeiros para o Brasil, principalmente italianos, sobretudo a partir de 1886, durante quase meio século, está diretamente ligada à constituição de um mercado livre de trabalho para a grande lavoura, tendo como suporte simbólico a ascensão social do trabalhador para essa forma de campesinato. Forma que foi, portanto, produzida diretamente pelas condições e possibilidade de efetivação do capitalismo no Brasil.

Ainda, ao tratar do fim da escravidão e da implantação do trabalho livre no Brasil, Martins (1998, p.12-22) afirma que no Brasil, na crise do trabalho escravo, foi engendrada a modalidade de trabalho que o superaria, isto é, o trabalho livre, sendo essa a sua única e inicial adjetivação. A modificação ocorrera para preservar a economia fundada na exportação de mercadorias tropicais, como café, para os mercados metropolitanos, e baseada na grande propriedade fundiária. A contradição que permeia a emergência do trabalho livre expressa-se na transformação das relações de produção como meio de realização do capitalismo no Brasil, que se definia pela subordinação da produção ao comércio. Tratava-se de mudar para manter. O estabelecimento das novas relações de produção combinou-se com a imigração de trabalhadores europeus, como recurso não só para constituir a força de trabalho necessária à cultura do café, mas também como recurso para pôr no lugar do trabalhador cativo um trabalhador livre cuja herança não fosse a escravidão. Mais de um milhão e seiscentos mil imigrantes vieram para o país no espaço de pouco mais de 30 anos, entre 1881 e 1913, a maioria dos quais para trabalhar como colonos nas fazendas de café. Devido justamente à modalidade das relações de produção aí vigentes, no chamado colonato[1], a imigração constituiu um requisito de importação constante e maciça de trabalhadores em grupos familiares. O colonato, diversamente das relações de produção caracteristicamente capitalistas, criou uma subpopulação relativa no campo, que tornou a imigração subvencionada pelo Estado um dos seus ingredientes básicos.

Martins (1973, p. 55) afirma que o Estado, ao financiar a imigração e a localização de trabalhadores, não só "socializava" a força de trabalho, para constituir um mercado de oferta que dela separasse a pessoa do trabalhador, como entendia que a elevação da densidade demográfica, por esse meio, produziria um trabalhador que se oferecesse à grande lavoura nas fases de demanda sazonal e que se automantivesse nas fases de vacância.

É nessa fase e nessas condições que os núcleos coloniais oficias adquirem seu pleno sentido, pois a agricultura de alimentos contava com um mercado que pagava altos preços. Estes núcleos sempre foram apresentados de modo a que a sua existência de alguma forma se ligasse aos interesses da cafeicultura: como abastecedores das regiões carentes de gêneros, como focos de atração de imigrantes ou como meio de criação de um semiproletariado para a grande lavoura. Em outras palavras, para Martins (1973, p. 63), a existência dos núcleos coloniais foi assentada em função da economia de exportação, embora aparentemente constituídos como se tivessem surgido as condições para uma economia de subsistência de base mercantil. Nessa dupla face estava a sua ambivalência.

Na visão de Buarque (1993) o Brasil foi primeiro um simples território; por quase quatro séculos, significou apenas o espaço físico de onde a Europa retirava pau-brasil, açúcar, ouro e café, graças ao trabalho dos escravos. Só a partir do século XIX, com a vinda da corte portuguesa em 1808, e depois de 1822, com a Independência, é possível falar em um país chamado Brasil. Mesmo assim não se pode falar ainda em uma Nação chamada Brasil. Apesar de contar com um território unificado e independente, a população não conseguiu consolidar-se em uma nação. As seqüelas da escravidão, a pobreza e o racismo, o isolamento de grandes contingentes rurais, a submissão da economia ao exterior, a cultura da elite oligárquica exportadora desligado dos interesses das grandes massas, todas as características eram de um país com território, mas um território sem nação. Somente a partir de 1930, o País dispõe de alternativas, e começa a dar sinais de querer se consolidar como Nação.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, J. C. M. de. Camponeses no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978.

MARTINS, J.S. A imigração e a Crise do Brasil Agrário. São Paulo: Pioneira, 1973.

MARTINS, J.S. O cativeiro da terra. 7. ed. São Paulo: Editora HUCITEC, 1998.

PRADO JR. C. História econômica do Brasil. 41. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.




Autor: Cynthia Moleta Cominesi


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